A instrumentalização da
ciência, a ávida busca do lucro e o rompimento com a consciência coletiva
Certamente, René Descartes
possuia boas intenções ao propor, no século XVIII, o inovador método científico
que compreendia a aplicação prática da razão - a função da ciência deixaria de
limitar-se ao estudo dos fenômenos e passaria a possibilitar o controle da
natureza por parte dos homens. O quê de mais maravilhoso poderia acontecer na
evolução da classe burguesa industrial senão isso? De fato, os adventos da
introdução do método cartesiano de se fazer ciência foram de suma importância
na construção da sociedade como a conhecemos hoje - da medicina à engenharia, o
homem quase não encontra mais limites biológicos ou terrenos para expandir suas
fronteiras; sejam elas físicas ou sociais.
No entanto, a
oportunidade de dominação da natureza em amplos níveis por parte da elite
agrária e industrial também inaugurou uma forte problemática: a exploração
abusiva dos recursos naturais, aliada ao rápido avanço tecno-científico,
viabilizou a produção em larga escala de mercadorias e, por conseguinte, o
aprimoramento do sistema de acúmulo de riquezas. De uma perspectiva marxista; o
trabalho, antes exercido por necessidade de sobrevivência, passa a ter como
finalidade última o lucro daqueles que empregam, baseado na exploração também
abusiva do trabalhador, denominada mais-valia. Dominar a natureza passa a ser,
desta forma, deter os meios de produção e submeter as forças produtivas.
Compreendendo a
investigação científica como um trabalho e o cientista como o trabalhador,
conclui-se que a instrumentalização da ciência, portanto, também implica na
instrumentalização do próprio cientista. O filme Ponto de Mutação, baseado no
livro homônimo de Fritjof Capra, aborda justamente esse
fenômeno através da demonstração de que, na contemporaneidade, o investimento
em pesquisa científica é orientado pelos interesses da elite política global;
expresso no dilema enfrentado pela personagem Sonia, uma física que abandona os
laboratórios após descobrir que sua pesquisa com lasers estava sendo aplicada na construção de ferramentas de
guerra. A cientista pretendia que suas descobertas pudessem ser empregadas na
busca pela cura de células cancerígenas e, após a frustação, passa a contestar
a limitação do método cartesiano e propor sua superação, de forma a romper com
a perspectiva mecanizadora da natureza, das relações sociais e do próprio
homem.
Assim faz-se aqui a
reflexão de como a ciência moderna e suas aplicações representam uma efetiva quebra com a noção de
consciência coletiva - o subjugo da pesquisa aos interesses internacionais
delineiam claramente essa inversão de valores. O investimento científico
visando o bem coletivo é dispensado em benefício da criação e aprimoramento de
cada vez mais agressivos métodos de dominação cultural, econômica e política.
Reforça-se o aspecto predatório da ciência quando se observa que, após obter os
meios de dominar a natureza, o homem usa desta para dominar a seus semelhantes
e estabelecer o controle hegemônico da sociedade no intuito de manter o
funcionamento do sistema capitalista em seu favor. Prejudica-se assim tanto o
espaço social, no que se refere ao aprofundamento da desigualdade entre as
classes, quanto o natural, referente aos danos à natureza propriamente dita.
A obra cinematográfica
de Capra, então, contrapõe a visão mecanicista cartesiana de mundo à
perspectiva “orgânica” que propõe a superação da primeira; através do diálago
entre a personagem da cientista Sonia Hoffman e do político Jack Edwards. Para
romper com o método falho de orquestramento político-científico, mostra-se
necessário abandonar a compreensão do mundo e do homem como uma máquina
composta de engrenagens e instrumentos que podem ser removidos e controlados, e
passar a vê-los como um organismo vivo, composto de aspectos interdependentes -
tudo está relacionado, do nível subatômico das partículas ao macrossocial das
relações de poder, como órgãos que, para seu pleno funcionamento, devem
colaborar entre si em mutualidade.
Fica, então, a
conclusão de que, embora a ciência possa ser um instrumento fantástico,
limitá-la a um instrumento de dominação é extremamente nocivo e privador - a
sociedade evoluiria muito mais caso o interesse científico se libertasse do
mundo privado, sustentado pelo sistema capitalista de produção, e pudesse
exercer suas aplicações em plenitude, alcançando e satisfazendo as necessidades
de todos os homens.
Gabriella
Di Piero
1º
ano de Direito (diurno)
Introdução
à Sociologia