O sociólogo e jurista alemão, Max Weber,
baseia seus estudos para a fundação de uma ciência da Sociologia nos recursos
metodológicos de tipo ideal e ação social. Dessa maneira, temos que tipo ideal,
como já mencionado, é apenas um recurso metodológico que se diluirá e será
descartado quando a análise social propriamente dita tiver início. Com isso,
tipo ideal é um esboço com as principais características e variações das ações
sociais, dos valores que as movem e de seus sentidos, sendo um referencial para
a análise da sociedade. Já a ação social, equivale às ações que cada indivíduo
realiza no modo de condução de sua vida, de modo que todas são movidas por
valores e orientadas em relação aos outros indivíduos, buscando sua aceitação
ou uma contradição, um debate, estabelecendo o que Weber chama de relação
social. Para Weber, é a cultura, ou seja, os valores, a moral, os
condicionamentos e determinações do econômico, e não apenas as relações de
produção, como para Karl Marx e Friedrich Engels, nem tampouco a estática e a
dinâmica, como para Augusto Comte, que explica a ação dos agentes sociais.
Para Max Weber, o indivíduo carrega
consigo as representações do coletivo, evidenciando como a cultura de uma
sociedade se expressa em um indivíduo por meio de sua ação social. Um exemplo
disso foram os comentários absurdos desencadeados pela divulgação da realização
de aborto por uma criança capixaba de 10 anos que sofria abusos sexuais desde
os 6 anos de idade. Os mesmos evidenciam como essa consciência social conservadora
está presente no Brasil, como essa cultura social autoritária e patriarcal se
faz dominante nas manifestações individuais realizadas em tais comentários (como,
por exemplo, os publicados nas redes sociais por uma professora da rede
estadual do estado de São Paulo: “já tinha vida sexual há quatro anos com esse homem. Deve ter
sido bem paga” e “crianças se defendem chorando pra mãe, esta menina nunca
chorou por quê?”), ou seja, de como
essa consciência conservadora pode ser observada na ação social de tais
indivíduos. O papel da sociologia é o de compreender o motivo pelo qual as
pessoas pensam dessa forma e, a partir daí, fornecer elementos para que
políticas públicas e sociais consigam restringir esse pensamento a um círculo
cada vez mais privado e evitar que essa forma de pensar se transforme em uma
ação concreta prejudicial ao bom funcionamento da sociedade. Assim, a função do
direito seria exatamente essa: interferir sobre essa ação e impedir que a mesma
vá de encontro aos direitos previstos nos códigos legais, como observado no
exemplo acima descrito, permitindo que o direito previsto no artigo 128 do
Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, de legalidade do aborto em casos
de estupro fosse efetivamente realizado apesar das manifestações contrárias ao
mesmo.
Weber, ao tratar de direito, poder e
dominação, assume que não são apenas expressões das relações de produção e das
relações sociais advindas do capitalismo por meio do domínio de uma classe
sobre a outra, ele evidencia o exercício do poder em todas as relações sociais,
de modo que podem ocorrer entre sujeitos de uma mesma classe, que estabelecem,
inclusive, laços de fraternidade ou de solidariedade. Dessa maneira, observamos
uma superação da perspectiva marxista de dominação, tornando-a mais abrangente.
Podemos observar, também, que o poder pode ser imposto por meio da fala e isso
é evidenciado no caso da inacessibilidade da linguagem jurídica, que age como
um símbolo de poder, sendo uma forma de distinção. Nesse sentido, observamos
que atualmente, a dominação não está envolvida com uma arma, um porrete ou um
chicote, mas sim com a linguagem, seja limitando o poder de fala de outra
pessoa, seja mostrando que possui mais conhecimento e, portanto, é superior aos outros indivíduos, que devem a esse se
submeterem. A comunicação, a linguagem e a própria mobilização do conhecimento
são, assim, formas que expressam a violência simbólica apresentada por Pierre
Bourdieu, o poder e a dominação. É nesse sentido que se justifica a imagem
apresentada no início desse texto, evidenciando a mudança na forma de dominação,
antes exercida por meio da coerção física e, atualmente, por meio da linguagem
e do conhecimento. Ainda nesse contexto, observamos o uso de recursos sociais e
culturais como forma de obtenção de status, distinção e atenção.
Ao entendermos a linguagem como forma de
dominação, percebemos a importância de nos posicionarmos a fim de evitar a
legitimidade da mesma. Assim, temos que muitas vezes, as mulheres se calam
diante de situações de machismo e acabam se submetendo a ele. Percebemos que,
ao mesmo tempo que a linguagem aprisiona, ela liberta e que nós, mulheres, não
podemos nos deixar calar, não podemos ter nossa voz retirada de nós, pois essa
(a voz) é o nosso poder contra a dominação do patriarcado, que é tão facilmente
observada na sociedade do século XXI. Nesse sentido, destaco o papel da Disney,
que ao filmar o live-action de Aladdin, acrescentou uma nova música ao
repertório, “Speechless”, cantada por Naomi Scott, atriz que incorporou Jasmine,
e evidencia justamente essa tentativa de domínio por meio da supressão da voz
das mulheres e como não podemos mais aceitar e nos calar diante disso.
O
poder é essa imposição de vontades, porém ela não acontece sem resistência alguma,
ou seja, para Weber, não existe dominação plena. A dominação vai representar a
incidência de estímulos externos sobre o modo de conduzir a vida, não somente
relacionado com o modo de produção capitalista, mas do ponto de vista do
patriarcado. E a legitimidade é justamente a possibilidade de aceitação dessa inflexão
externa sobre o modo dos indivíduos de conduzirem as suas vidas, ou seja, a aceitação
da dominação como algo válido. Ainda na situação do patriarcado, temos que o
mesmo está tão incorporado na sociedade atual que nós, mulheres, o perpetuamos
sem, às vezes, percebermos. Podemos observar como o mesmo está incrustado em
nossa cultura ao avaliarmos, por exemplo, a música “Barbie Girl”, cantada e
apresentada para a grande parte das meninas desde sua infância, e isso acaba
por acarretar na naturalização do machismo, da dominação e submissão das
mulheres aos homens.
Apesar disso, as manifestações contrárias ao histórico domínio do patriarcado
passaram a ganhar uma maior proporção nessa última década, evidenciando, como
Weber defendeu, que não existem dominações plenas, sempre vão existir
movimentos e revoltas contrárias. Nesse sentido, podemos observar como a música
“Not Your Barbie Girl” tenta exatamente desconstruir a imagem feminina, passada
às meninas desde pequenas com a música “Barbie Girl”, da mulher como um objeto,
como algo destinado ao uso fruitivo dos homens e traçar um caminho para o
empoderamento feminino e a desobjetificação da mulher, livrando-a das amarras da
dominação masculina.
Júlia Martins Amaral - 1º Ano - Direito Matutino