Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
Total de visualizações de página (desde out/2009)
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
O comum que não é de todos
“Na teoria e prática jurídicas atuais, uma das distinções mais importantes é a
entre o "direito público" e o "direito privado". No entanto, há discordância quanto
ao princípio da delimitação”. É o que aponta Weber, que analisa não só o contexto em que vivia, mas que prevê a realidade atual. E diante do que ele aponta, pode-se concluir que a sociedade, desde que se entende como tal, peca no que há de mais elementar e primordial para o seu bom funcionamento: a distinção entre o que é público e o que é privado. No âmbito denotativo, essa diferenciação é clara, opondo diametralmente tais conceitos. Já na prática, estes não só andam juntos como se confundem, se misturam. Um invadindo o espaço do outro. E assim, a fronteira que os divide acaba se tornando invisível ou indistinguível nas diversas situações da dinâmica social.
Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica e uma das mais influentes do século XX, também discorre a esse respeito. Marco Antônio Antunes, num estudo de obras da autora, aponta o seguinte, quanto à definição dos termos em questão: “O termo ‘público’ remete para dois fenômenos distintos embora correlacionados. Em primeiro lugar ‘público’ centra-se na ideia de acessibilidade: tudo o que vem a público está acessível a todos: pode ser visto e ouvido por todos. (...) Em segundo lugar, o termo "público"centra-se na ideia de comum. A realidade do mundo tem um bem comum ou interesse comum do artefato e dos negócios humanos, na medida em que é partilhado por indivíduos que se relacionam entre si”. E ainda que, “segundo Arendt, viver na esfera privada significava estar privado de ser ouvido e visto por todos numa comunidade política em que os indivíduos partilham objetivamente uma ação política num espaço comum - a polis. A esfera privada limitava-se a um interesse pessoal circunscrito aos condicionalismos da sobrevivência biológica na família e na casa”.
Pública é, então, ou deveria ser, a esfera estatal. Não é, no entanto, como sabemos, o que acontece na totalidade dos fatos. Se “tudo o que vem a público está acessível a todos”, se público “centra-se na ideia de comum”, por que manchetes como “Senado gasta R$ 6,4 milhões com despesas médicas de ex-senadores” e “Fraude desvia R$ 2 milhões na Câmara” são vistas com tanta frequência no nosso cotidiano? É muito contráditório que o que deveria ser e beneficiar a todos acabe parando nos bolsos de uma minoria. É o privado adentrendo no público, que vai perdendo sua forma, se corrompendo.
Tal fusão do público com o privado limita o vigor do corpo social, precisa ser combatida, rompida, eliminada. Nos termos da própria Hannah Arendt, “quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra”. O particular não poder sobrepor-se ao coletivo. Desse modo, enquanto permitir que o privado invada o público, a sociedade caminhará no sentido contrário à ordem natural das coisas. Insistirá no erro, se estagnará, assim, permanentemente corrompida.
Abuso de poder
É possível analisar na vida moderna a busca do direito de meios e forças para se atingir a racionalização. Para se alcançar esse objetivo, Weber tenta separar o direito público do direito privado. Porém, fica claro a interferência de um em relação ao outro em diversas situações.
Um exemplo que se dá do que foi exposto anteriormente é a corrupção de muitos políticos, sendo muito comum a utilização por estes, da verba pública para atos privados, como podemos visualizar no artigo que se segue:
VEREADOR DO PR USA VERBA PÚBLICA PARA AUTOPROMOÇÃO EM JORNAL
O vereador João Carlos Derosso (PSDB), presidente da Câmara Municipal de Curitiba, encomendou reportagens para o jornal Metropolitan's de Quatro Barras, região metropolitana da cidade. Para isso, Derosso pagava R$ 500 reais por uma página no jornal com matérias sobre a Câmara e trabalhos pessoais. Ele emitia notas fiscais pela empresa de sua esposa, Cláudia Queiroz.
Cristiane Fortes, proprietária do jornal Metropolitan's, explicou o procedimento do pagamento ao Portal IMPRENSA. Segundo Cristiane, a publicação em formato tablóide destinava uma página para a Câmara. Nela eram publicadas de três a quatro matérias retiradas do portal de notícias do legislativo, de produção da assessoria de comunicação do órgão. Uma nota fiscal era emitida em nome da Câmara via Oficina da Notícia, empresa da esposa de Derosso, que recebia 20% de comissão ao intermediar o pagamento feito ao Metropolitan's.
Segundo Cristiane, a venda de espaço publicitário no jornal é comum para a publicação das matérias que os clientes encomendam. O escândalo envolvendo Derosso decorre do uso da verba pública para divulgar trabalhos que não tinham relevância para a comunidade. "A publicação de matérias era feita também com outros jornais da região metropolitana. Algumas delas não tinham interesse para comunidade, eram mais sobre trabalhos pessoais", conta Cristiane.
O Metropolitan's é uma publicação da empresa Êxito Comunicação, da qual Cristiane e seu marido, Vitor Schichoff, são donos. A tiragem é de sete mil exemplares, que circulam pelas regiões de Quatro Barras, Campinha Grande e mais outros quatro municípios, somente em órgãos governamentais.
Cristiane diz que suspeitava do uso da verba pública para uso pessoal do vereador, mas que só ligou todos os fatos quando a RPC TV denunciou o gasto de R$ 30 milhões para a publicidade da Câmara. Cristiane conta que é colega do jornalista da RPC que apurou os fatos, e foi durante uma conversa que ela concluiu que muitas outras denúncias seriam feitas à Câmara. "É muito comum órgãos públicos pagaram por publicidade, mas não é tão comum pagarem por matérias. Só a Câmara faz isso; porém, o mais errado é a mulher de Derosso receber 20% de comissão em cima disso", diz a proprietária do jornal. "É errado fazer promoção pessoal com o dinheiro publico", complementa.
Questionada se a sua publicação poderia ser envolvida nas denúncias, ela negou ter qualquer atividade ilegal, pois os procedimentos do pagamento, apesar de usarem a empresa de Claudia Queiroz de fachada, eram feitos dentro dos padrões legais. "Recebi o dinheiro via Oficina da Notícia. Não entrei em detalhes para saber da origem do dinheiro; não posso perguntar isso para o cliente", explica.
O Ministério Público irá realizar investigções sobre o envolvimento da esposa do vereador no caso e outras irregularidades realizadas pela Câmara Municipal de Curitiba.
O Portal IMPRENSA aguarda informações da assessoria de imprensa da Câmara.
Esse uso do poder político de forma abusiva, demonstra claramente a dificuldade de se dissolver ambas esferas e pode ser conceituado com um tipo de patrimonialismo. Devemos estabelecer limites, e tentar utilizar de projetos de lei como o da ficha limpa, para assim conseguir melhorar o perfil dos candidatos aos cargos eletivos do país, e assim evitar que esse situações ilícitas ocorram.
Esfera pública com poder total
Apesar dos esforços de Weber por uma racionalização da sociedade, o que incluiria a esfera do direito, muito ainda se vê no sentido contrário. Weber tenta em seu texto, separar a esfera pública do direito de sua esfera privada, no caminho de uma sistematização racional. No entanto, essa questão, ainda hoje não resolvida, e ainda hoje polêmica, pode ser claramente exemplificada em algumas situações cotidianas.
Quando tratamos, especificamente, do tema da invasão da esfera privada pela esfera pública, um dos países que não incorre na falta de exemplos dessa situação é Cuba. Fernando Morais em seu livro “A Ilha” deixa isso bem claro. A partir de sua análise, podemos entender o quão invasiva a esfera pública era (e ainda é, tendo em vista que pouco se alterou em Cuba desde essa época) sobre a esfera privada no momento do lançamento do livro de Morais, em 1976.
Abaixo seguem alguns trechos do livro, que deixam bem claros os limites impostos à esfera privada, principalmente no que concerne à liberdade de cada um, em especial à liberdade de opinião.
“A escola experimental conjugava dois fatores considerados fundamentais no país: o desenvolvimento do homem voltado para o campo, e a instituição de uma educação de modelo socialista (...). Uma rápida olhada no programa do curso deixa entrever um tópico em que se estabelecem comparações entre as sociedades capitalista e socialista, com destaque para as ‘degradações morais provocadas pelo capitalismo no ser humano’.”
“Durante o curso universitário, repete-se o critério adotado no ensino médio, e o estudante permanece no regime de trabalho-estudo, desde o primeiro ano. Numa espécie de estágio, o universitário é obrigado a dar meio período num centro de trabalho ligado à sua carreira: os futuros médicos em hospitais, os engenheiros em indústrias, os agrônomos no campo. Terminado o curso, o estudante é destacado pelo Ministério do Trabalho (que, em contato com o Ministério da Educação, sabe para onde se dirigirá profissionalmente toda a população estudantil, depois de formada) para trabalhar onde o Estado estiver mais necessitado. Estudantes das universidades de Havana e Oriente disseram que o desejo do recém-formado de trabalhar neste ou naquele lugar, geralmente é respeitado. O que não impede, em casos mais raros, que alguém queira permanecer em Havana, por exemplo, e tenha que se mudar para outra província, onde sua especialização seja considerada mais necessária.”
“O Estado respeita os direitos individuais, mas já domina cerca de 96% do PNB, o que inclui o Banco Nacional, todas as indústrias, quase todos os táxis, os restaurantes, os hotéis, as bancas de jornais, os cinemas, os teatros.”
“Embora não se permita a exibição de filmes considerados "contra-revolucionários", não há restrição quanto à origem dos filmes: adquiridos de distribuidores europeus, chegam a Cuba filmes americanos, brasileiros e de qualquer outro país participante do bloqueio econômico (em março de 1975, por exemplo, Havana tinha os muros cobertos de cartazes anunciando a exibição de São Bernardo, do brasileiro Leon Hirzmann).”
“Os três canais de televisão de Cuba apresentam todos os dias, pelo menos um documentário produzido na Europa Oriental. Dois telejornais — um às 12 e outro às 19 horas — apresentam noticiário nacional e internacional. A televisão cubana só entra em cadeia nacional para Fidel falar ou para transmitir uma partida importante de baseball (lá chamado de pelota), o esporte nacional.”
“Cada pessoa tem direito a comprar três pares de sapatos por ano. Os homens têm uma quota anual de dois ternos e as mulheres de dez metros quadrados de tecido para vestidos. Nenhum desses produtos, entretanto, é anunciado em Cuba. Os out-door onde antigamente eram colados cartazes de publicidade foram multiplicados no país e transformados em veículos só de propaganda política e de estímulo à produção agrícola e industrial. A "agência de propaganda" do Estado é o DOR — Departamento de Orientação Revolucionária, responsável pela criação da propaganda oficial.”
“Um grupo vive de rendas mensais de aproximadamente 500 pesos (cerca de 4.500 cruzeiros). São os antigos proprietários de casas alugadas, que recebem essa quantia do Estado, a título de indenização. A lei da reforma urbana, uma das primeiras baixadas pelo novo regime, determinou que todo mundo passava a ser dono da casa em que vivia. Quem tivesse, além da casa em que morava, um imóvel a mais, perderia a segunda propriedade e receberia do governo 500 pesos mensais, em caráter vitalício e não hereditário. Os proprietários de mais de dois imóveis eram simplesmente expropriados, a partir do segundo imóvel, sem direito à indenização.”
“Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: ‘Claro que não’. E completou, com naturalidade: ‘Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês.”
“O CDR, cujas ramificações se estendem por todo o país, a nível de quadra, passou a assumir também outras funções, como, por exemplo, auxiliar o Estado na solução de problemas sociais. (...). Depois de visitar Cuba, o senador americano Jacob Javits (republicano de Nova York) declarou à imprensa que se surpreendera com a absoluta ausência de policiamento ostensivo nas ruas. Realmente só se vêem os guardas de trânsito, circulando pelas cidades montados em possantes motos italianas Guzzi-850. Acontece que nada ocorre no país, nem na mais remota aldeia, sem que um membro do CDR tome conhecimento. Funcionando como uma espécie de síndico da quadra, o presidente do CDR (normalmente um aposentado ou uma dona de casa) passa o dia atento para algum eventual desocupado da vizinhança (em Cuba há uma lei contra a vadiagem que é efetivamente aplicada e que pode condenar o acusado até a dois anos de prisão) ou mesmo cuidando para que as crianças não faltem à aula. Sem nunca desviar os olhos dos possíveis contra-revolucionários — cada vez mais raros. (...). Em cada quadra o presidente é eleito por todos os moradores de mais de 14 anos, e passa a ser o responsável pela vigilância de cem metros de rua, nas duas calçadas. Cada grupo de 20 quadras constitui uma zona, chefiada por um coordenador. Na região rural do país, o limite de cada CDR é determinado por agrupamentos de casas, já que não existem quadras.”
Reprodução da fala de um cubano: “Matar Fidel? Essa seria a última coisa a acontecer em nosso país. O CDR está aí, em toda parte. Está aqui nesta mesa, conversando com você. A menor manifestação da reação é esmagada no berço. Um reacionário não anda cem metros em Cuba sem ser apanhado.”
E por fim: “A mão de Fidel está presente em quase tudo neste país.”
Com esses trechos fica bem claro que do mesmo modo que a esfera privada pode encobrir a pública, a pública pode, e muito, encobrir a privada. No entanto, quando analisamos a situação de alguns setores em Cuba e constatamos sua prosperidade, surgem questionamentos sobre até que ponto o equilíbrio entre o público e o privado é útil, e sobre como deveria ser determinado esse equilíbrio, já que a racionalização da sociedade é útil apenas quando se converte em uso real para essa sociedade, do contrário, de nada adiantaria.
Quando tratamos, especificamente, do tema da invasão da esfera privada pela esfera pública, um dos países que não incorre na falta de exemplos dessa situação é Cuba. Fernando Morais em seu livro “A Ilha” deixa isso bem claro. A partir de sua análise, podemos entender o quão invasiva a esfera pública era (e ainda é, tendo em vista que pouco se alterou em Cuba desde essa época) sobre a esfera privada no momento do lançamento do livro de Morais, em 1976.
Abaixo seguem alguns trechos do livro, que deixam bem claros os limites impostos à esfera privada, principalmente no que concerne à liberdade de cada um, em especial à liberdade de opinião.
“A escola experimental conjugava dois fatores considerados fundamentais no país: o desenvolvimento do homem voltado para o campo, e a instituição de uma educação de modelo socialista (...). Uma rápida olhada no programa do curso deixa entrever um tópico em que se estabelecem comparações entre as sociedades capitalista e socialista, com destaque para as ‘degradações morais provocadas pelo capitalismo no ser humano’.”
“Durante o curso universitário, repete-se o critério adotado no ensino médio, e o estudante permanece no regime de trabalho-estudo, desde o primeiro ano. Numa espécie de estágio, o universitário é obrigado a dar meio período num centro de trabalho ligado à sua carreira: os futuros médicos em hospitais, os engenheiros em indústrias, os agrônomos no campo. Terminado o curso, o estudante é destacado pelo Ministério do Trabalho (que, em contato com o Ministério da Educação, sabe para onde se dirigirá profissionalmente toda a população estudantil, depois de formada) para trabalhar onde o Estado estiver mais necessitado. Estudantes das universidades de Havana e Oriente disseram que o desejo do recém-formado de trabalhar neste ou naquele lugar, geralmente é respeitado. O que não impede, em casos mais raros, que alguém queira permanecer em Havana, por exemplo, e tenha que se mudar para outra província, onde sua especialização seja considerada mais necessária.”
“O Estado respeita os direitos individuais, mas já domina cerca de 96% do PNB, o que inclui o Banco Nacional, todas as indústrias, quase todos os táxis, os restaurantes, os hotéis, as bancas de jornais, os cinemas, os teatros.”
“Embora não se permita a exibição de filmes considerados "contra-revolucionários", não há restrição quanto à origem dos filmes: adquiridos de distribuidores europeus, chegam a Cuba filmes americanos, brasileiros e de qualquer outro país participante do bloqueio econômico (em março de 1975, por exemplo, Havana tinha os muros cobertos de cartazes anunciando a exibição de São Bernardo, do brasileiro Leon Hirzmann).”
“Os três canais de televisão de Cuba apresentam todos os dias, pelo menos um documentário produzido na Europa Oriental. Dois telejornais — um às 12 e outro às 19 horas — apresentam noticiário nacional e internacional. A televisão cubana só entra em cadeia nacional para Fidel falar ou para transmitir uma partida importante de baseball (lá chamado de pelota), o esporte nacional.”
“Cada pessoa tem direito a comprar três pares de sapatos por ano. Os homens têm uma quota anual de dois ternos e as mulheres de dez metros quadrados de tecido para vestidos. Nenhum desses produtos, entretanto, é anunciado em Cuba. Os out-door onde antigamente eram colados cartazes de publicidade foram multiplicados no país e transformados em veículos só de propaganda política e de estímulo à produção agrícola e industrial. A "agência de propaganda" do Estado é o DOR — Departamento de Orientação Revolucionária, responsável pela criação da propaganda oficial.”
“Um grupo vive de rendas mensais de aproximadamente 500 pesos (cerca de 4.500 cruzeiros). São os antigos proprietários de casas alugadas, que recebem essa quantia do Estado, a título de indenização. A lei da reforma urbana, uma das primeiras baixadas pelo novo regime, determinou que todo mundo passava a ser dono da casa em que vivia. Quem tivesse, além da casa em que morava, um imóvel a mais, perderia a segunda propriedade e receberia do governo 500 pesos mensais, em caráter vitalício e não hereditário. Os proprietários de mais de dois imóveis eram simplesmente expropriados, a partir do segundo imóvel, sem direito à indenização.”
“Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: ‘Claro que não’. E completou, com naturalidade: ‘Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês.”
“O CDR, cujas ramificações se estendem por todo o país, a nível de quadra, passou a assumir também outras funções, como, por exemplo, auxiliar o Estado na solução de problemas sociais. (...). Depois de visitar Cuba, o senador americano Jacob Javits (republicano de Nova York) declarou à imprensa que se surpreendera com a absoluta ausência de policiamento ostensivo nas ruas. Realmente só se vêem os guardas de trânsito, circulando pelas cidades montados em possantes motos italianas Guzzi-850. Acontece que nada ocorre no país, nem na mais remota aldeia, sem que um membro do CDR tome conhecimento. Funcionando como uma espécie de síndico da quadra, o presidente do CDR (normalmente um aposentado ou uma dona de casa) passa o dia atento para algum eventual desocupado da vizinhança (em Cuba há uma lei contra a vadiagem que é efetivamente aplicada e que pode condenar o acusado até a dois anos de prisão) ou mesmo cuidando para que as crianças não faltem à aula. Sem nunca desviar os olhos dos possíveis contra-revolucionários — cada vez mais raros. (...). Em cada quadra o presidente é eleito por todos os moradores de mais de 14 anos, e passa a ser o responsável pela vigilância de cem metros de rua, nas duas calçadas. Cada grupo de 20 quadras constitui uma zona, chefiada por um coordenador. Na região rural do país, o limite de cada CDR é determinado por agrupamentos de casas, já que não existem quadras.”
Reprodução da fala de um cubano: “Matar Fidel? Essa seria a última coisa a acontecer em nosso país. O CDR está aí, em toda parte. Está aqui nesta mesa, conversando com você. A menor manifestação da reação é esmagada no berço. Um reacionário não anda cem metros em Cuba sem ser apanhado.”
E por fim: “A mão de Fidel está presente em quase tudo neste país.”
Com esses trechos fica bem claro que do mesmo modo que a esfera privada pode encobrir a pública, a pública pode, e muito, encobrir a privada. No entanto, quando analisamos a situação de alguns setores em Cuba e constatamos sua prosperidade, surgem questionamentos sobre até que ponto o equilíbrio entre o público e o privado é útil, e sobre como deveria ser determinado esse equilíbrio, já que a racionalização da sociedade é útil apenas quando se converte em uso real para essa sociedade, do contrário, de nada adiantaria.
Público? Privado?
O Direito Público tem por objetivo a defesa dos interesses gerais de um Estado, imprescindindo, assim, da neutralidade das vontades particulares para sua efetividade. Dessa forma, é necessario que sua aplicabilidade, ainda que feita por um conjunto especial de indivíduos, não disponha da interferência subjetiva destes, visando sempre à manutenção da coesão social, para que, então, cada indivíduo disponha das condições necessárias para o desenvolvimento de sua personalidade.
Contudo, parece haver certa dificuldade na manutenção da dissociação das esferas pública e privada (separadas por uma linha tênue). Com frequência superior à desejada (a inexistente), o interesse particular adentra os limites do público, o que resulta nos já tradicionais escândalos de nossa política. O peculato, a corrupção, dentre outras interferências do privado no público, maculam e impedem a articulação harmômica dessas duas esferas, limitando a efetividade da admnistração do todo social.
Além disso, como o próprio Weber expõe, é possível que o direito estatuído seja uma configuração de defesa de interesses de uns em sobreposição aos demais e que, ainda assim, recebem a denominação de público.
O que ocorre é que, como nas outras análises feitas, a paixão humana prevalece. Paixão aqui entendida como a ambição -facilmente desenvolvida em ganância- individual que encontra dificuldades em se conter frente à possibilidade de obter benefícios da maneira mais rápida e acumulativa possível, mesmo que às margens do Direito. Ignora-se o lícito, o moralmente aceito e o previsto pelos costumes para que o objetivo pessoal seja atingido em detrimento da funcionalidade do público. Temos, assim, uma intersecção indesejada entre público e privado - com este impondo-se àquele.
Assinar:
Postagens (Atom)