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sábado, 20 de agosto de 2011

Babysteps

Durkheim realiza em seus textos um estudo da solidariedade, dos laços que ligam uma pessoa à outra na sociedade, ele acreditava que este estudo auxiliaria a sociologia no sentido de desviar a sociedade do caminho da anomia.
Para as sociedades primitivas o crime se caracterizava pela ofensa da consciência coletiva, Durkheim acreditava que a sociedade moderna se encaminhava para uma descriminalização dos comportamentos que não tinham vínculo com a racionalidade produtiva.
Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que o mundo como se encontra em 2011 não corresponde exatamente às expectativas durkheimianas. Tomemos como exemplo o aborto, que não é legal no Brasil. Conforme o pensamento de Durkheim, o mais lógico para a sociedade seria legalizá-lo, já que se pesarmos o quanto custa ao governo reparar os danos físicos e mesmo psicológicos do aborto que foi mal realizado, compensaria realizá-lo adequadamente e com certo acompanhamento. No entanto, isso não ocorre.
A mesma situação pode ser observada em relação à união homoafetiva, que é proibida no país, e que acarreta muito incômodo ao Estado cada vez uma nova polêmica é criada devido a uma ou outra decisão judicial, seja pela excessiva rigidez ou permissibilidade
Ao mesmo tempo que estas situações não são bem estruturadas, o caminho inverso vem se organizando e vem sendo visto com muita freqüência: a intolerância, outra característica que Durkheim nunca esperaria ver numa sociedade pós-moderna.
A intolerância vem sendo cada vez mais utilizada como alternativa para se castigar o que não é aceito por determinado grupo de pessoas, é assim que observamos meninas sofrendo psicologicamente por terem que esconder que praticaram aborto, pois sabem que sofrerão as conseqüências por parte de quem é contra, assim também assistimos cada vez mais frequentemente a cenas de violência e barbárie contra casais homossexuais.
Tanto a liberalidade quanto a intolerância em excesso podem levar à anomia, mas eu creio que quando Durkheim analisava a sociedade da época, ele devia acreditar que anos depois, numa sociedade pós-moderna como a nossa, que domina técnicas cientificas avançadas, que trabalha com elementos invisíveis aos olhos, que lança objetos para outros planetas, ele devia acreditar que nessa sociedade já saberíamos, se necessário, medir o nível de liberalidade, para que não se chegasse à anomia, mas também para que não permitisse a intolerância, resquício ainda das sociedades primitivas. É fato que alguns conceitos já estão fortemente enraizados na consciência coletiva, mas isso já não justifica que o direito caminhe a passos tão, tão lentos.

Eros

Segundo Durkheim, os aspectos coletivos compõem a vida social, haja vista que o indivíduo sofre, durante seu processo de socialização, influência da sociedade em suas condutas. Desse modo, o fato social exerce, sobre o indivíduo, uma coercitividade, impelindo-o a reproduzir os padrões sociais e, consequentemente, limitando sua ação individual. Vale dizer que a sociedade condiciona e controla as ações individuais, através de regras impostas e cuja obediência é garantida através das punições impostas pela coletividade.

E mais, esses padrões sociais independem da aprovação individual e são assimilados diversamente por cada um. Todavia, embora essa assimilação seja distinta por cada ser, há um limite, que impede que o indivíduo infrinja totalmente as regras sociais.

Impende, ainda, salientar que esses padrões decorrem da consciência coletiva, que segundo entendimento de Durkheim:

O conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria: podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum.

Em suma, a consciência coletiva expressa a média dos valores aceitos socialmente e exerce influência sobre os indivíduos. Essa influência, por sua vez, variará conforme o tipo de sociedade e o tipo de coesão.

Nas sociedades mecânicas, ditas primitivas e marcadas pela solidariedade mecânica, verifica-se maior influência da sociedade sobre o indivíduo. Ademais, nota-se que as regras e os padrões são mais facilmente impostos pela coletividade. Consequentemente, há maior semelhança entre os membros da sociedade, decorrente da divisão social do trabalho. Há, portanto, o predomínio do Direito Penal (repressivo) no seu ordenamento jurídico. A ruptura da solidariedade social constitui crime.

Em contrapartida, nas sociedades orgânicas, típicas da sociedade capitalista, a formação social é mais complexa e tem como característica primordial a dessemelhança entre os indivíduos. Em virtude disso, a consciência coletiva tem como pilar fundamental o Direito, responsável pela coercitividade social.

Faz-se mister para a compreensão, segundo Durkheim, da concepção de crime - considerado um fato social e pode estar relacionado tanto à manutenção da ordem quanto à transformação social. Não se pode olvidar que o crime está presente em todas as sociedades, logicamente de maneira diversa, haja vista que cada uma estabelece seus padrões. Em suma, o crime pode ser entendido como uma expressão de repúdio da consciência coletiva.

Evidencia-se, mais claramente, a coercitividade social quando do cometimento de um crime. Ao repudiar o ato inaceitável, a sociedade busca manter a normalidade social através da aplicação da pena. Frise-se que esta consiste numa reação passional, isto é, resultante das paixões humanas. Por conseguinte, a resposta ao ato considerado inconcebível é desproporcional à amplitude do mesmo. Frise-se que as ações individuais são marcadas pelas paixões privadas, resultado último da influência da sociedade, ou seja, as paixões privadas são, sobretudo, a representação das paixões públicas.

Diante do exposto, nota-se, hodiernamente, a presença de uma sociedade marcada pela passionalidade, no que concerne ao repúdio ao crime. Nota-se um maior impacto moral num ato de vandalismo se comparado com uma política pública visando beneficiar uma minoria da população, cujos motivos são obscuros. Pretere-se, pois, a racionalidade à passionalidade, divergindo, assim, do atual desenvolvimento em que se encontra a sociedade.

Outrossim, a presença excessiva de paixões humanas, principalmente na esfera jurídica, implicam a imparcialidade dos julgamentos e sobretudo nas sentenças, conforme se verifica, no Brasil, principalmente, no caso Bruno e no casal Nardoni, em que a opinião pública, recrudescida pelos meios de comunicação, resultou na prévia condenação dos réus, em que fora indeferido, por várias vezes, entre outros, os remédios constitucionais inerentes aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, o “habeas corpus”. Todavia, não se verificou tal repúdio à proprietária da Daslu, ao incorrer em crime de sonegação fiscal, em valores extraordinários, que certamente contribuiriam para a implementação de diversas políticas públicas que, de certa forma, minimizariam as desigualdades sociais. E mais, fora deferido o primeiro pedido de “habeas corpus” para ela, o que demonstra total incoerência da aplicação das normas jurídicas.

Contudo, é imprescindível salientar que a paixão é inerente ao ser humano. Dificilmente, a sociedade chegará a um nível de desenvolvimento no qual prevalecerá, em todos os aspectos, a racionalidade. E mais, nem sempre a superioridade da razão contribui para o desenvolvimento e progresso da sociedade.

Costurar o filtro

Émile Durkheim acreditava que a modernidade seria erguida sobre uma base hiper-racional que propiciaria o funcionamento equilibrado da sociedade. O sociólogo afirmava que uma consequência natural da racionalização seria a ruptura entre consciência coletiva e metafísica. Ele pensava que a modernidade filtraria a história e reteria as paixões no passado.

No entanto, o “filtro” da modernidade apresentou diversos buracos que permitiram a passagem de aspectos primitivos para os dias atuais. As paixões não ficaram retidas, mas fluíram para a modernidade.

Tal fato pode ser comprovado através de uma simples análise da nossa sociedade, na qual encontramos constantemente a dialética do arcaico e do moderno. A questão da homossexualidade, por exemplo, não deve causar polêmica em uma sociedade embasada na racionalidade, uma vez que não atrapalha o meio social nem a produção, ou seja, não produz impacto socioeconômico relevante. Somente uma sociedade primitiva marcada pela carência de racionalidade na forma de interpretar as ações sociais, caracterizada por um moralismo hipócrita e influenciada intensamente por dogmas religiosos é capaz de destinar grande importância à opção sexual dos outros.

Ocorre que a nossa sociedade, infelizmente, adequa-se ao primeiro perfil, já que demonstra forte apego, com escassas exceções, a escolhas individuais que não geram reflexos no coletivo ao invés de se preocupar com questões que realmente ferem interesses materiais como a corrupção; a precariedade dos sistemas educacional público, de saúde e de transporte; entre tantos outros.

É, no mínimo, triste constatar que o avanço tecnológico-científico não foi seguido pelo desenvolvimento do modo de perceber a sociedade. Em oposição à globalização e às inovações está a restrição da mente que continua, em muitos aspectos, medieval e conservadora. Dessa forma, é possível verificar que a racionalidade permeou superficialmente a vida moderna, ficando restrita a certos setores produtivos e não atingindo visceralmente o homem contemporâneo.

Em relação ao Direito, a manutenção das paixões é imensamente prejudicial, já que freia ações jurídicas que, por essência, devem ser racionais. Por exemplo, a liberdade de crença religiosa só é realmente verdadeira em um Estado laico; pois apenas este, desvinculado de religião, é capaz de ser racional o suficiente para legitimar tal direito.

Em muitas situações, o Direito é, até mesmo, deixado para segundo plano. Basta observar a idolatria destinada ao Capitão Nascimento, de Tropa de Elite. Na nossa sociedade, não são poucos aqueles que apoiam o “pede pra sair” ou o “coloca no saco”; isto é, o tratamento passional em detrimento do racional, representado pelo Direito.

Vale ressaltar ainda que questões que se relacionam com as paixões, principalmente, com os dogmas religiosos são entraves difíceis de resolver. Por exemplo, as pesquisas com células-tronco, a união homoafetiva, o aborto, a eutanásia, etc.

Faz-se necessário, portanto, costurar o “filtro” da modernidade para evitar que a vida seja fundamentada em uma perspectiva primitiva que desestabiliza o equilíbrio social, na medida em que edifica intolerância, discriminação, opressão e conflito. Durkheim desejaria que a racionalidade fagocitasse as paixões a fim de eliminar polêmicas irrelevantes para o funcionamento saudável da sociedade contemporânea.

Nem liberalidade, nem intolerância

A partir dos estudos morfológicos da sociedade, Durkheim estabeleceu as condições de transição da solidariedade mecânica para a orgânica no processo de transformação de qualquer sociedade.

A passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica obedece aos estágios de desenvolvimento de cada sociedade. Portanto, o grau de complexidade da organização social, determinaria a partir do tipo de solidariedade (mecânica ou orgânica) a classificação das sociedades em “inferiores” ou “superiores”.

Assim, as sociedades classificadas como inferiores são primitivas, predominando a solidariedade mecânica. Essas sociedades, por possuir tipos sociais homogêneos, são regidas, principalmente, pela consciência coletiva. Essa consciência coletiva caracteriza-se pela forte evidência das três características dos fatos sociais, que são a exterioridade, a coercitividade e a generalidade. Já as sociedades classificadas como superiores são mais desenvolvidas, predominando a solidariedade orgânica. Essas sociedades, por possuirem tipos sociais heterogêneos, são regidas por uma organicidade racional.

Por meio desse raciocínio, Durkheim busca soluções e respostas para uma indagação sem fim: afinal, qual é a essência do crime? Para ele, um ato criminoso é aquele que ofende a consciência coletiva. “Em outras palavras, não se deve dizer que um ato ofenda a consciência comum por ser criminoso, mas que é criminoso porque ofende a consciência comum. Não o reprovamos por ser um crime, mas é um crime porque o reprovamos” p.52. A partir dessa conclusão, a consciência coletiva é o elemento fundamental do Direito na criação de um ordenamento jurídico eficiente, ou seja, normas e regras que funcionem como medida de controle social, uma vez que esse ordenamento nada mais é do que consciências comuns de toda gente sendo positivadas. Em outras palavras, é a expressão da consciência geral de uma determinada sociedade.

Com isso, nota-se que as razões utilizadas para punições realizadas por sociedades em que a solidariedade é mecânica ou orgânica, justificam-se nessa consciência comum, que é o fator fundamental para punir criminosos. Essa punição, tanto em sociedades menos complexas como nas mais desenvolvidas, possui os mesmos intuitos de vingança, reação passional e defesa social, pois qualquer que seja o desenvolvimento da sociedade, ela estará sempre impregnada pelos mesmos anseios, definidos pela consciência coletiva.

Para Durkheim, portanto, as sociedades devem ser normais, de modo que indivíduos que extrapolem as normas e regras da sociedade devem ser punidos, garantindo o consenso social.

Mas o sociólogo também aborda a perspectiva da anomia social, que consiste numa sociedade ausente de regras, uma espécie de anarquia generalizada. Para Durkheim, parece uma ideia perfeita do caos, da desordem e de todos os males sociais.

No entanto, a reflexão acerca de temas contemporâneos como o homossexualismo, o aborto, pesquisas com células tronco, etc, demonstram que os principais entraves para a solução dessas questões consistem não na ausência de regras, mas na intolerância conservadora de parcela significativa da população, causando inúmeros problemas de violência.

Será, então, a ausência de regras , ou seja, a ausência da consciência coletiva a responsável pela falta de consenso e coesão social? Ou será que são os tradicionalismos, conservadorismos e os costumes inflexiveis que geram intolerância e preconceitos estigmatizados nas sociedades contemporâneas?

O extremismo é sempre negativo. A liberalidade total não deve ser a solução para os problemas sociais, mas uma sociedade que abra mão do diálogo, da tolerância e da flexibilidade também está fadada ao fracasso. A paz e a harmonia social dependem, portanto, de um ordenamento jurídico e de relações humanas concretas e, ao mesmo tempo, suscetíveis às diferenças e mudanças.