Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Epistemologias do norte e sul, os pequenos saltos qualitativos do Direito brasileiro: ADI - Cidadania, Injúria Racial como racismo.


Quando se imagina geograficamente o globo terrestre, pode-se constatar que alguns países localizam-se no hemisfério norte e outros no sul, contudo isso não está intrinsecamente ligado ao seu desenvolvimento econômico. Não obstante, Sara Araújo, em sua obra O Primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos e desafiar o cânone, desenvolveu uma outra análise paras os conceitos norte e sul. Dentro de seu texto, a autora denominou como epistemologias desses dois termos, no qual o norte representa o privilegiado-opressor, do ponto de vista étnico-racial, de gênero, da sexualidade etc. Isto é, pela mesma lógica o marginalizado-oprimido desses mesmos aspectos é o do sul. 

Diante disso, pode-se destrinchar alguns pontos trazidos por Sara Araújo analisando a ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade -  Cidadania, Injúria Racial Como Racismo, porque a partir dos apontamentos feitos pela autora, é possível identificar na própria sociedade brasileira, com reverberação em seu Direito, como atua essas epistemologias.

Em primeiro lugar, foi elaborado o pedido partido político Cidadania, de revisar a constitucionalidade do art. 140 § 3, do Código Penal, no qual se considera a "injúria racial" como um crime não-racial, isto é, passível de prescrição. De tal forma que se denunciou a incongruência  com o art. 5 inciso XLII, da Constituição Federal, no qual prevê o racismo como um crime inafiançável e imprescritível. Assim, a ADI foi relatada pelo Ministro Edson Fachin, demostrando, por meio de sua relatoria com artifícios externos, como o se absolveu da coerção atos explicitamente racistas, com a utilização desse artigo, que foi apontado como problemático e protetor de estruturas racistas no país. 

De tal forma, para alinhar esse caso com o texto de Sara Araújo é necessário adentrar no que ela denominou com o essa epistemologia do sul, em cuja os indivíduos são para além do silenciar pelos indivíduos do norte, são negados de existência, tratados pela invisibilidade. Desse modo, pode-se considerar os grupos subalternizados, à margem da sociedade, como os negros parte integrante do sul, isso a autora também conceituou como "monocultura do universal do global", em que tudo que se pode ser contado como experiência desses vulneráveis é negado, porque o que é padrão, global é ditado pelos do norte. Por consequente, essa negação do crime de injúria racial como uma forma de discriminação racial é ratificar, que esses que oprimem ditam mesmo as regras, e o desrespeito e a perda de humanização do subalterno deve ser negada, por todos os meios, incluindo pelo aparelho Estatal. 

Contudo, ainda de encontro com os espectros traçados pela Sara, a ADI representou o momento em que a autora desenvolveu uma perspectiva do Direito aberto a pluralidade, quando aponta que se deve desafiar o cânone, se opor à norma moderna, é também um passo que o Direito avança ao pleitear que seja aprovada essa mudança no legislativo brasileiro, para o reconhecimento de "injúria racial" como espécie de racismo.

Porque, em um país desenvolvido sobre a chaga da escravidão do corpo negro, em qual continua sendo uma ferida aberta - e não enfrentada pela sua sociedade, sendo como produto, também negada em efeitos práticos pelos representantes políticos. Sendo assim, tipificar como crime de racismo,  é dar um salto qualitativo, ainda que breve, para aqueles que seguem sendo ameaçados de seus direitos humanos, perdendo sua dignidade e existência. 

Por fim, essa mudança do legislativo ultrapassa os critérios de positivação de realidade, para ser uma forma de resistência, na qual o sul oprimido, os sem voz, vão contra a imposição dos que sempre estiveram em sua condição de privilegiados. Mostra que não mais, o destino da impunidade, será o ocorrido, é um consolo (frágil) para quem por inúmeras vezes desistiu da justiça traiçoeira do Direito brasileiro. Pode-se, para se encaminhar ao final, recorrer a letra do grupo de rap Racionais Mc's, em que na música Nego Drama reflete a vivência dos homens e mulheres negros no país: "...Que Deus me guarde, pois eu sei que ele não é neutro, vigia os ricos, mas ama os que vem do gueto". Se na proteção jurídica não se pode contar, ao menos em um plano espiritual estarão protegidos. 


Turma XXXVIII - 

2a semestre- Noturno 

Isabella Uehara 

Nenhum comentário:

Postar um comentário