Max Weber, em sua obra Economia e Sociedade, segundo volume, decide analisar a profissionalização do Direito. Weber fala de duas linhas de estudo, a empírica e a sistemática. Creio que seja válido explicar um pouco do que é dito sobre cada uma dessas formações do profissional do Direito, antes de debatermos melhor o que ele diz sobre cada uma delas.
A primeira, empírica, seria aquela praticada, de maneira geral, nas corporações inglesas da Idade Média, baseada em um “tratamento formalista do Direito, ligado a precedentes judiciais e a analogias”. Não se espera do advogado um saber amplo, apenas um conhecimento esquemático, pragmático. Opera-se o Direito como se operam máquinas. Surgem, a partir da análise de casos reais, experiências cotidianas. Não há nenhuma abstração sensível, apenas uma observação superficial. Não há interpretação e adaptação, apenas uma reprodução. Isso faz com que o Direito se estagne, deixando de evoluir com a sociedade, prendendo-se a práticas que se tornam arcaicas. Resultado esperado, tendo-se em vista que o Direito surge nesse momento para solucionar problemas econômico-sociais que emergem da sociedade pré-capitalista. Ocorre então um monopólio, por parte das corporações, da admissão à prática jurídica, já que são estas que controlam o saber prático do Direito.
A segunda linha de pensamento, sistemática, ocorre de forma mais evidente na “moderna formação universitária jurídica racional”, de acordo com Weber. Em seu discurso, o autor compara tal formação jurídica com as escolas sacerdotais, onde não se preza pela forma, mas pela racionalização da matéria, o Direito em si. As tradições e ritos exigidos têm sua explicação na doutrina seguida. Weber comenta exemplificando: “não são as escrituras sagradas que garantem a verdade da tradição e da doutrina eclesiástica, mas, ao contrário, é a santidade da Igreja e de sua tradição, fundadas por Deus como fideicomisso da verdade, que garante a autenticidade das escrituras sagradas”. Sendo assim, nas escolas sacerdotais, a visão prática não é privilegiada, estando submetida ao conceito de doutrinário que a Igreja possui. Os ritos e tradições são demonstrações materiais da interpretação sacerdotal.
Weber deixa claro em sua exposição que não há, a rigor, nenhuma formação que siga de forma pura apenas uma destas linhas. Não existe Direito totalmente prático. Toda norma possui um valor embutido, invocado sempre que a norma é posta em uso. O Direito sem princípios é inútil, fora de sentido. Imaginar um uso totalmente prático do Direito é imaginar uma burocracia que se constrói para si mesma. Além disso, não haveria evolução da matéria. O Direito precisa se atualizar, o que só ocorre quando há reflexão sobre seu conteúdo. No entanto, se o Direito é criado para regular as relações inter-indivíduos, definir o Estado e manter a sociedade coesa, o inverso também é ficção. Sem aplicação, o Direito é reduzido à filosofia, uma ciência de dever-ser puramente. O fator “realidade” não é opcional. Da norma emana poder, e se assim não o for, perde-se sua vocação. A lei apenas vive enquanto possui força coercitiva. Há quem diga que não existe norma sem sanção.
É pensando nestes conceitos expostos por Weber que julgo agora três termos muito utilizados para se referir àqueles que estudam, trabalham ou aplicam, com autoridade, o Direito. O primeiro, e mais comum, é “operadores do Direito”. Esta nomenclatura apenas se encaixa àqueles que trabalham burocraticamente, utilizando a norma de forma mecânica. Não se exige deste uma formação profunda da matéria, apenas o procedimental. Seu serviço é análogo ao do instrumentista cirúrgico, por conhecer as ferramentas e as chamar pelo nome, sem nunca fazer uso delas propriamente. O segundo termo é “pensadores do Direito”. Este, de maneira contrária, cabe apenas aos acadêmicos, que analisam teoricamente, de forma criteriosa, cada elemento da lei e sua aplicação. Quanto aos juízes, advogados, procuradores, promotores, delegados, estes são os verdadeiros profissionais do Direito. Poderíamos comparar sua ação com a do cirurgião, que faz uso dos instrumentos, que lhe são muito familiares. A responsabilidade que estes possuem em suas mãos é de vida ou morte. Mesmo sendo o ideal que toda a sociedade tivesse uma postura de “pensadora do Direito”, cooperando para que o ordenamento jurídico esteja sempre atualizado e em sintonia com a realidade, não é o que ocorre nem mesmo entre aqueles que vivem de sua existência. Dessa forma, não podemos agregar todos aqueles que se dedicam ao Direito, de alguma maneira, em um mesmo rol. Subestimar ou superestimar aquele a quem nos referimos. Utilizar de forma descuidada tais termos pode tanto ofender, como demonstrar ingenuidade.