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sexta-feira, 25 de maio de 2018

A Judicialização e o Empoderamento Negro.

   É possível definir ''Judicialização'' como a arbitrariedade do Judiciário em certas questões tradicionalmente delegadas aos poderes tradicionais. Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, ainda, esse fenômeno seria legítimo, uma vez que está previsto no desenho institucional esboçado pela Constituição de 1988, a qual valoriza a atividade do intérprete confiando-lhe a utilização dos conceitos abstratos colocados para promover a maior justiça social.
   Essa ocorrência, portanto, é vista como algo natural e que busca responder às demandas de certos grupos que mobilizam o Direito. Ademais, Barroso também coloca que a Judicialização vem transformando a política em ciência jurídica, na medida em que o Poder Legislativo e o Poder Executivo ignoram questões polêmicas com receio de desagradar seu colégio eleitoral.
  Observa-se, contudo, que não obstante a negligência por parte das outras esferas de poder, as reivindicações sociais não podem ser postas de lado. Nesse sentido, a judicialização ganha cada vez mais força conforme os indivíduos sentem seus direitos sendo corrompidos: um exemplo emblemático é o estabelecimento de cotas raciais no processo seletivo da Universidade de Brasília.
   Por considerar preocupante o ínfimo número de negros que compunham seus cursos de graduação, a UnB decidiu, no início dos anos 2000, reservar 20% de suas vagas a esse público, o que o Partido Democratas considerou inconstitucional e entrou com uma medida para deslegitimar a ação da Universidade. Conforme ressaltado pelo DEM, a instituição de um Tribunal Racial para avaliar o fenótipo dos candidatos geraria um efeito discriminatório, constrangedor e sem qualquer tipo de embasamento científico que o sustentasse. Além disso, as cotas seriam injustas porque a falta de representatividade do povo negro na faculdade estaria muito mais ligada a condições socioeconômicas do que ao preconceito de cor de pele e isso feriria, dentre outras concepções, o princípio da igualdade previsto na Carta Magna brasileira.
   Diante da questão colocada, o Supremo Tribunal Federal foi acionado e decidiu pela legitimação da ação adotada pela UnB, generalizando, ainda, que as cotas raciais constassem no processo seletivo das demais faculdades públicas do país. De acordo com uma hermenêutica valorativa da Constituição, os Ministros entenderam que isso estaria celebrando, e não contrariando, o princípio da igualdade por garantir que a população negra (que até então possuía uma presença quase inexistente dentro do espaço universitário) atingisse os cursos de ensino superior. 
   Fundamentando sua decisão, outrossim, a Suprema Corte lembrou que a Lei Maior visava por um sistema meritocrático, porém, como considerar que o vestibular atenderia esse princípio se estaria sempre favorecendo um grupo dominante em detrimento de outro marginalizado? Por isso, não bastaria não discriminar o negro, mas, seria preciso estabelecer medidas afirmativas que garantissem que a justiça social supracitada também o atingisse. 
   Têm-se, por conseguinte, uma importante atuação do Judiciário na questão. Critica esse fenômeno, entretanto, a docente alemã Ingeborg Maus, pois, para ela, o intenso fenômeno da Judicialização levaria uma ''infantilização'', já que um pequeno grupo estaria decidindo sobre fatos que atingiriam toda a estrutura da sociedade e os partidos políticos, assim, cada vez mais se eximiriam de cumprir o papel que lhes foi atribuído no sistema democrático. No entanto, como já foi colocado, conforme o Legislativo e o Executivo são vistos com desconfiança e deixam de realizar suas funções de modo satisfatório, cria-se uma lacuna no poder político em que o Terceiro Poder não tem opção se não ocupar. Através disso, portanto, o Judiciário faz jus ao seu encargo de servir como mediador e guardião da Constituição Federal, garantindo, dessa forma, a pacificação social da melhor maneira possível.
   Maus, além disso, justifica que o Supremo Tribunal pode tentar implementar uma determinada conduta na sociedade através de suas decisões. Conclui-se, por outro lado, que no caso das cotas raciais, esse direcionamento foi positivo, uma vez que, ao auxiliar que negros ocupem mais cargos bem remunerados e de prestígio, o Judiciário está consequentemente garantindo que as próximas gerações de profissionais negros inspirarem um número incalculável de crianças brasileiras, ganhando mais representatividade e, por fim, contribuindo para a desconstrução de um preconceito histórico que estigmatiza esse grupo até os dias de hoje.


LÍVIA MARINHO GOTO - MATUTINO - TURMA XXXV

Demandas judicializadas e a falha institucional


O Poder Judiciário brasileiro passou a desempenhar um papel ativo na vida institucional através da tomada de decisões sobre temas controvertidos e de grande questionamento popular, assim, deixou o Judiciário de ser um departamento técnico de subsunção e aplicação diretiva de normas e passou a construir um ambiente democrático que reavivou a cidadania e o maior acesso à justiça. Não cabe certeiramente apontar se o fato é positivo ou negativo, contudo, deve coerência e racionalidade no ativismo judicial e na judicialização.
A judicialização é vista como algo que emana não somente das decisões próprias do campo jurídico ou dos embates políticos, mas também como uma questão resolutiva de conflitos sociais, da dinâmica de mobilização do direito por distintos atores sociais em conflito, que veem nessa mobilização do direito uma estratégia legítima dentro do horizonte do Estado Democrático de Direito e dentro dos princípios normativos que constituem a estrutura jurídica do país, focando não apenas em uma análise política e legislativa,  nas quais serão perdidos os aspectos socais concretos, mas sim em uma análise da realidade social do país.
O Judiciário não abarca questões polêmicas simplesmente de oficio, o Poder é provocado a se manifestar mediante a demanda social, cabendo a ele, como dever, decidir a respeito da demanda. Contudo, negativamente, àqueles que são desfavoráveis a essa decisão do poder judiciário, apresentam diversos impedimentos para que ela não seja demandada e aplicada, como riscos para legitimidade democrática, já que os membros do judiciário não são eleitos; risco de politização da justiça; e a separação de poderes.
Entretanto, num todo, a judicialização acaba por atender demanda que não foram suficientes para serem levantadas pelos outros dois poderes, não foram objeto de políticas públicas e nem de legislação que instigasse proteção.
As políticas afirmativas que chegaram a ser demanda solucionada pelos próprios regimentos universitários, atingiu o judiciário não em forma de tentativa de positiva-las e abarca-las, mas sim foi atacada, através de princípios constitucionais, necessitando que o judiciário intervisse através de suas prerrogativas para imputar a legalidade no regime de cotas raciais, política pública e social demandada pela população, que visa atender aos interesses do Estado Democrático de Direito.
Assim, no julgamento da ADPF 186, o qual atacou o regime de cotas raciais essencialmente apontando a inconstitucionalidade de tais prerrogativas, foi derrubada pelo judiciário, mantendo-se o regime de ações afirmativas, pautando, sobretudo, nos mesmo argumentos e dispositivos utilizados pelo arguinte da ação de descumprimento de preceito fundamental.
Em suma, a judicialização não é simples vontade do judiciário, mas sim do constituinte, sendo o ativismo modo proativo que potencializa o alcance das normas. Mesmo assim os juízes não atuam por vontade própria, devendo observar o sistema normativo, até porque, uma reforma política não pode ser feita pelo judiciário e as crises institucionais não podem por ele serem contidas.


A Relevância da judicialização em casos que tangem problemáticas sociais como as cotas

Em dois dias de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) debateu a validade da política de cotas raciais adotada pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004, que reserva por dez anos 20% das vagas do vestibular exclusivamente para negros. O Partido Democratas (DEM), autor da ação, alegou que a política de cotas adotada na UnB feriria vários preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o artigo 5º,  acusou ainda o sistema adotado pela instituição de criar uma espécie de “tribunal racial”. Todavia, por unanimidade, os ministros julgaram improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada na Corte pelo partido. Os ministros estenderam ainda a adoção de políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros e índios a instituições de ensino superior em todo o país. Para o relator da ação Ricardo Lewandowski "(...) não é uma benesse que se concede de forma permanente, mas apenas uma ação estatal que visa superar alguma desigualdade histórica enquanto ela perdurar".


Evidentemente cotas raciais são necessárias em uma nação cuja o passado e o presente são marcados por violência e marginalização da população afrodescendente. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 53,6% da população brasileira é negra, porém esses representam apenas 2% do contingente universitário do país, uma discrepância que revela a fragilidade da democracia brasileira. A partir disso Informações do Reitor da UnB, do Diretor do CESPE e do Presidente do CEPE consignaram, em resumo, que “(...) o combate à discriminação por si só é medida insuficiente à implementação da igualdade; é fundamental conjugar a vertente repressivo-punitiva com a vertente promocional, combinando proibição da discriminação com políticas que promovam a igualdade ” (fl. 644).


Em meio a decisão do STF houveram críticas quanto a sua interferência no caso, no entanto como afirma o jurista brasileiro Barroso “A judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente” (Barroso - p.5). Logo, a interferência desse poder é natural em um cenário cujo os demais poderes ou a sociedade é incapaz de direcionar resoluções práticas às problemáticas. Além disso a ação do judiciário para além de suas competências é fomentada, segundo a jurista alemã Maus, pelos movimentos sociais de base democrática que acabam alinhando seus interesses aos interesses do aparato judicial, nessa situação trata-se da luta do movimento negro por seu direito às cotas.


Apesar da autora argumentar que “Somente quando a jurisprudência trata seus próprios pontos de vista morais como regras jurídicas é que qualquer fato imaginável pode ser identificado como juridicamente relevante e transformado em matéria de decisão judicial” o ativismo judicial (participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.[p. 6 Barroso]) é relevante no caso pois juristas puderam avaliar o contexto a luz de seu arcabouço principiológico desvirtuando-se das regras do direito positivado na busca de melhor aplicabilidade da justiça, em conformidade ao artigo 5º da Lei de introdução às normas do direito brasileiro (LINDB),  promovendo assim a isonomia social na democratização do acesso à educação.

Bruna Morais - direito noturno