Não é novidade para ninguém,
ou ao menos não deveria ser, que no contexto brasileiro atual, uma série de
críticas, ofensas e ameaças estão sendo direcionadas ao poder judiciário,
principalmente no que tange ao STF, tanto pelo presidente quanto por grande parte
da população que o apoia. Nesse viés, o
atual presidente da república frequentemente alimenta seus discursos de ódio
direcionado ao STF com pronunciamentos como os seguintes:
"Com a minha
chegada ao poder, vocês começaram a entender o que é a Presidência e seus
ministros, o que é a Câmara, o Tribunal de Contas da União, Senado e o que é
Supremo Tribunal Federal. Defendemos o funcionamento de todas as instituições,
mas aqueles que ousam sair fora das quatro linhas, não interessa de qual poder
ele seja, têm que serem trazidos para dentro das quatro linhas"
"Eu
não tenho problema com Poder nenhum. Alguns ministros do Supremo Tribunal
Federal é que querem, a qualquer preço, interferir no Poder Executivo.
Nós não podemos admitir isso daí. A harmonia tem que existir e a independência
e o respeito acima de tudo. E o respeito não falta da minha parte. De outra
parte que alguns se manifestam contrário à minha pessoa.”
“Não pensem que muitos
querem me tirar daqui em nome da volta da normalidade e da democracia. Querem
me tirar daqui pelo poder. A abstinência do dinheiro fácil os torna belicosos.
Os fazem reunir, os fazem conspirar. Digo uma coisa a eles: Deus me colocou
aqui e somente Deus me tira daqui.... Eu tenho 3 alternativas para o meu
futuro: estar preso, ser morto ou a vitória. Pode ter certeza: a 1ª
alternativa, estar preso, não existe. Nenhum homem aqui na terra vai me
amedrontar”
"Um
ministro agora há pouco interferiu mandando investigar fazendo buscas e
apreensões e entre outras barbaridades num grupo de empresários. Ou seja, esse
não é o trabalho do Poder Judiciário. Reagi no tocante a isso. É uma voz
corrente, a ingerência, o ativismo judicial que hoje se faz presente no
Brasil”
Entretanto,
não é apenas o presidente que compartilha dessas “opiniões”, em pouco tempo
tomando um café em uma padaria, no tempo de espera em um ponto de ônibus ou
tomando uma cervejinha no bar, é possível ouvir cidadãos propagando falas do
tipo “O STF não deixa o mito trabalhar”, “Os ministros são todos comunistas”, “O
STF está traindo a pátria e quer nos transformar em uma Venezuela”. Ademais,
nos diálogos cotidianos da população em que há mais fundamentação cientifica e
menos senso comum, muito se fala no ativismo judicial e na judicialização da
política como algo extremamente errôneo, inconstitucional, ameaçador à
democracia e como responsável por ferir a tripartição dos poderes e usurpar o
poder do Legislativo e Judiciário. Mas será que é exatamente assim que a
judicialização funciona? O STF atua como guardião da Constituição ou inimigo da
pátria?
A priori, faz-se necessário compreender o que é a
judicialização, segundo Barroso (2008), “significa que algumas questões de larga
repercussão política e social estão sendo decididas por órgãos do poder judiciário,
e não pelas instâncias políticas tradicionais”, ou seja, de forma simplificada,
esse termo se refere a importantes questões políticas, sociais e morais que não
sendo resolvidas pelos poderes responsáveis (executivo e legislativo) são
levadas ao judiciário. Pode-se trazer como exemplo no contexto brasileiro o
fornecimento de medicamentos e tratamentos de elevado custo, a criminalização
da homofobia e a discriminação da interrupção da gravidez de fetos anencefálicos.
Em um primeiro momento, faz-se necessário
compreender que o Judiciário não tem que ser trazido para dentro das “Quatro
linhas” da Constituição como afirma Bolsonaro, uma vez que a própria Constituição
assegura ao STF o papel de guardião da Constituição e o controle de constitucionalidade
no artigo 102.
“A judicialização que, de fato existe, não decorreu
de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a
cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o
desenho institucional vigente” (BARROSO,2009, p.5-6)
Outrossim, a nossa lei maior é
conhecida por “Constituição Cidadã”’, uma vez que versa por diversos campos, como
direitos sociais e ambientais, dessa forma, cabe ao judiciário, na sua função
de garantir o cumprimento da Constituição, que venha a intervir em campos além
do próprio Direito, para que os princípios constitucionais sejam cumpridos,
principalmente o exercício dos
direitos sociais e individuais, o bem-estar, a igualdade e a justiça. Em
segundo lugar, esperar que o Direito não tenha influência e não seja influenciado
por outros campos é praticamente utopia, já que, segundo Bourdieu o espaço social
é formado por uma série de campos distintos que se influenciam mutualmente e se
relacionam entre si.
“Se a Constituição
assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente
equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando
ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas
nessas duas áreas” (BARROSO,2008, p.2).
Ademais,
é imprescindível o conhecimento de que o Judiciário não está usurpando o poder
do Executivo e do Legislativo, pois além
de possuir respaldo constitucional para tal prática, na maior parte das vezes o
Judiciário está apenas ocupando espaços vazios, visto que em muitos momentos os
demais poderes se fazem omissos ou ineficazes diante de situações que necessitam
de intervenções urgentes, o que constitui para Garapon a “magistratura do sujeito”,
a qual consiste no cidadão que em necessidade e desemparado recorre ao Judiciário,
o que ocorreu na criminalização da homofobia e no reconhecimento da união
homoafetiva, a título de exemplo.
Por fim, conclui-se que o termo “Judicialização” faz muito
sentido no atual contexto da sociedade brasileira, sendo constitucional e necessário
para o fortalecimento da Democracia, uma vez que visa o cumprimento da Constituição
e o asseguramento dos direitos de todos, sem distinção. Desse modo, não cabe o
sentido pejorativo que o termo carrega consigo, uma vez que o STF apenas
executa seu papel de guardião da Constituição, assim, não constituindo ameaça à
democracia e muito menos traição à pátria. Guardemos essas críticas a um
presidente que afirma que só Deus o retira do poder, o qual ele só sai morto.
Referências:
GALVANI, Giovanna; MARTINS, Leonardo. Bolsonaro defende empresários
golpistas e ataca STF: 'Ativismo judicial'. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/28/jair-bolsonaro-simone-tebet-debate-uol-band-presidenciaveis.htm.
Acesso em: 14 out. 2022.
Bolsonaro ataca o STF e diz que
Brasil terá liberdade a qualquer preço. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/09/14/interna_politica,1393575/bolsonaro-ataca-o-stf-e-diz-que-brasil-tera-liberdade-a-qualquer-preco.shtml.
Acesso em: 14 out. 2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BARROSO, Luiz Roberto. “Judicialização,
ativismo judicial e legitimidade democrática”. Revista Atualidades
Jurídicas, n. 4, jan/fev-2009, Brasília: OAB Editora.
Anny Barbosa - 1º ano de Direito Noturno.