Total de visualizações de página (desde out/2009)

sábado, 21 de agosto de 2021

Uma interpretação materialista de uma realidade etérea.


O dia do Seu João

    Seu João, um homem de 49 anos, nascido em São Paulo que sempre morou no Capão Redondo, um bairro periférico localizado na zona sul da capital paulista. Um brasileiro nato,  filho da Dona Romilda, a qual descreve como uma baiana batalhadora. Abandonada pelo marido, pai de João, Romilda criou ele e seus cinco irmãos sozinha, com dois empregos e sem qualquer apoio. Era o maior e único exemplo de João, uma lutadora que deixou o mundo após morrer de coronavírus em casa, aguardando por um leito de hospital.


    Atualmente, João está casado e com quatro filhos, ainda sentindo a perda da mãe, aquela que sempre esteve ao seu lado, esforça-se ao máximo para prover a sua família, aquilo que seu desconhecido pai se negou a fazer. Não possui um trabalho fixo, vive de bicos para ao menos conseguir sobreviver e sustentar sua família. O pouco que ganhava por mês, o que mal dava para pagar as contas, com a pandemia, diminuiu ainda mais. Porém, Seu João não desiste, acorda todos os dias pontualmente às cinco da manhã para trabalhar. Pega um ônibus, depois faz baldeação com o metrô em um trajeto que dura mais ou menos duas horas até o centro da cidade. Lá, no centro, Seu João, apenas com um pão com margarina na barriga, inicia seu longo dia de trabalho como homem-placa. Placa que carrega com os seguintes dizeres: compro ouro, vendo ouro e pago bem.


    Enquanto o dia passa, Seu João segue trabalhando embaixo do sol. No termômetro que visualiza na praça, já marca mais de trinta graus. A sensação é de cansaço, mental e físico, porém, desistir não é opção, ao invés disso, mantém-se firme e sonha que algum dia possa ter seu próprio negócio. Isso mesmo! Seu João sonha em ser empreendedor. Quer abrir um açougue no seu bairro, aqueles com balcão, vitrine de carnes, bem tradicional. Quando tinha um trabalho fixo, seu último emprego de carteira assinada, cerca de oito anos atrás, trabalhava no estoque de uma loja de materiais para construção. Chegou a guardar um dinheiro durante esse período na esperança de conseguir abrir seu próprio negócio, porém, depois que foi demitido, usou tudo que tinha guardado para pagar as dívidas que contraiu com um empréstimo no banco, as quais ainda não conseguiu terminar devido aos altos juros que correm todo mês.


    As 18 horas, chega ao fim mais um dia de trabalho de Seu João, que cansado e morto de fome, precisa atravessar a cidade novamente até sua casa, e aliás, está com o aluguel atrasado. Recebe os 20 reais diários, conquistados após um dia inteiro no sol e parte rumo ao Capão Redondo. Metrô e ônibus lotados, e, mesmo com corpo está exausto, precisa fazer uma parada antes de ir pra casa. Assim, passa no mercado com a única nota que recebeu, mas percebe que algo está errado, resmunga baixinho sobre o aumento de preços. A carne, os ovos, até o arroz e feijão João não consegue mais comprar. Então para na padaria, pega apenas alguns pães e volta pra casa desolado.


    Entrega os pães para a esposa lamentando com os olhos, diz que é isso que conseguiu para o jantar e pede para ela providenciar. Pão com margarina será o jantar de seis pessoas, seis brasileiros que, enquanto comem, ouvem no noticiário sobre o aumento dos combustíveis, aumento no preço dos alimentos, aumento na conta de energia, além, é claro, observa os comentários sobre as novidades no mundo político brasileiro. Novidades estas, que Seu João não entende, mas questiona-se mentalmente como ser possível roubarem tanto. Os mesmos políticos que na eleição de 2018, ele confiou e depositou seu voto por serem contra a corrupção, sob o slogan de que iriam mudar tudo isso que tá ai. Seu João acreditou, mas nada mudou, aliás, mudou sim, agora não consegue nem comprar uma carne de segunda pra alimentar sua família. Diz que agora carne agora é luxo e pergunta-se o que pode piorar.


Seu João não tem conhecimento de classe, não sabe o que é um proletário ou um burguês, desconhece o que seja comunismo, mas tem aversão só de ouvir a palavra. Também nunca ouviu falar de Marx, já que na escola onde estudou, parou no ensino fundamental para poder ajudar sua mãe com as contas da casa. Cursar uma faculdade é algo tão distante da sua realidade, que nunca cogitou a ideia para si ou para seus filhos. Fala que é o trabalho que dignifica o homem, mas desconhece como o sistema neoliberal, que cada vez se expande mais, fez os trabalhos desaparecerem. Mal sabe o que é ou o que significa a palavra capitalismo e as relações de trabalho ligadas a ele, porém acredita que exista oportunidade para todos, apenas aguarda a sua. Seu João só quer uma vida melhor, para ele e sua família e por isso, mesmo mal nutrido e exausto, deita na cama planejando o dia seguinte. Antes de pegar no sono, profere que o próximo dia será melhor que hoje, que amanhã será um novo dia e que as coisas irão melhorar.



Claudio Pacheco Marinheiro - Turma XXXVIII - Direito (Noturno)

Cruzada Veneziana

Um espectro rondava o meu coração 
E curiosamente não era uma gatinha comunista 
Mas um pérfido, tosco e deselegante 
Sistema de avaliação monopolista 
 
Entre o tempo com família e trabalho 
Trabalhos complexos e sem compaixão 
Passados pelos que ganham 10x meu salário 
Os nobres donos dos meios de avaliação 
 
Por um concurso lhes foi dado o malhete 
Sobre a vida acadêmica de incontáveis jovens 
Mas por sua má conduta fizeram-no porrete 
 
Não há nada a ser perdido além dos grilhões 
Que nos prendem sob esta injusta opressão 
Avante! Tomemos a senha do Sisgrad desses rufiões! 


Rafael C. M. Martinelli, 1sem, Direito, Periodo Noturno.

A imaterialidade contemporânea sob uma perspectiva materialista

A ideia de que o Estado é o centro de toda movimentação da vida social e política cotidiana foi amplamente combatida por Marx, que defendia esse protagonismo às classes sociais em sua vivência diária na sociedade civil. É desse pensamento que surge o que o Estado viria a representar: a classe que se sobrepõe e domina as demais. Enquanto para Hegel o Estado é a expressão universal do interesse coletivo, força exterior que racionaliza os interesses e molda uma moral e vontade universal, sobreposta aos interesses privados, para Marx esse pensamento é equivocado. De seu ponto de vista, é ilusória a ideia do Estado como uma representação universal do interesse coletivo, ela representa uma única classe social (dominante) e não a totalidade da sociedade civil. No embate da vida real, a classe que domina, proprietária dos meios de produção e escravizadora da mão de obra proletária, vai permanentemente representar a manutenção de seus interesses, se utilizando da ideologia justamente para vender a ideia de que os interesses individuais da referida classe são a representação de toda a sociedade.

Enquanto para Hegel o Estado é o centro da dinâmica histórica, para Marx esse dinâmica se dá através da sociedade civil. Conforme seu pensamento, o proletariado, para se colocar como expressão do poder geral, também deveria ambicionar a conquista do Estado. O direito engendrado por Hegel só pode ser interpretado como o reino da liberdade para a burguesia, um falseamento do real, que submete aqueles que trabalham às vontades daqueles que comandam a sociedade. A ideia de liberdade, no liberalismo hegeliano, pressupõe conflito, enquanto no socialismo marxista ela é voltada para o comum, o todo. O conflito dialético gerado entre tais posicionamentos ainda se faz presente na contemporaneidade, e as contradições existem tanto em Estados burgueses (capitalistas) quanto em Estados proletários (socialistas).

A visão materialista de história, desenvolvida por Marx e Engels, enxerga no Estado burguês o conceito de alienação, ou seja, o poder social, a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação dos indivíduos condicionada pela força do trabalho, mas que não aparece para esses mesmo indivíduos como uma força conjugada, pois não é voluntária, mas sim naturalizada, seja através de ideias como a meritocracia, a produtividade, o trabalho que não gera identificação, etc. Ela só pode ser superada por condições materiais práticas, como por exemplo através da educação além da formalidade, no sentido amplo, que envolve a apreensão política e social do mundo, dando consciência aos indivíduos do estranhamento daquilo que se considera normal mas na verdade é imposição da sociedade burguesa.

Ainda, segundo eles, o capitalismo só existe em uma acepção global, bem como as transformações que dele decorrem, devendo ocorrer de forma globalizada. Nas últimas décadas, a realidade capitalista retirou as fronteiras de tempo de trabalho tão conhecidas em seus primórdios, pós Revolução Industrial, uma vez que não há mais uma separação clara e evidente entre pessoal e profissional. Nesse cenário o trabalho pode se dar a todo momento, em qualquer realidade, ao exemplo do agente que trabalha através de aplicativos, como Uber, iFood ou outros. Além disso, capitalismo industrial flexibilizou também as possibilidades de espaço produtivo, levando as empresas a se desagregarem de espaços físicos específicos, o que antes eram conglomerados empresarias (como o famoso ABC Paulista) tem sido dissolvido e espalhado pelo globo, sempre buscando os melhores recursos e tecnologias necessárias para receber as empresas específicas.

A realidade contemporânea se dá, dessa forma, de maneira imaterial, gerando produtos, trabalhos e capital que não são necessariamente palpáveis. O que antes era tangível e alcançável, que seria outrora o objetivo final da sociedade capitalista, se torna algo virtual, seja por meio de transações econômicas (e o advento de mecanismos como o Pix), relações pessoas (e o fortalecimento das redes sociais), meios de comunicação (retirando a função do rádio e televisão para a supremacia da internet), entre outros. Esse novo modo de vida, tão vinculado à acumulação flexível, gera, tantas vezes, uma naturalização da flexibilidade que acaba levando a uma aceitação de pontos que em outros momentos deveria ser analisado de forma cuidadosa. Exemplo mais prático encontramos na figura da demissão, que passa a ser vista como um corte de custos necessário para o enxugamento das despesas da empresa, deixando de lado o valor da força de trabalho e o que aquele ato significa para a vida do sujeito demitido e sua consciência coletiva.

Por fim, essa nova verdade acaba por se tornar ainda mais opressora e restritiva das liberdades da classe trabalhadora, ao torna-la dependente das imaterialidades para exercer seu trabalho ou tão somente para se sentir para de uma sociedade líquida, como diria Baumman. Os riscos dessa nova forma de vida propagam a ideia de conformismo, alienação e dominação suscitadas em reflexões de bases marxistas, muitas vezes ignoradas pela população em geral.

Laredo Oliveira - 1º Ano Direito Noturno 

Uma interpretação materialista de uma realidade etérea: Giovanni e sua bike

Hoje à noite, terá reunião dos amigos em casa, mas Giovanni não vai poder ir, o motivo é que ontem trabalhou o dia todo na Rappi e só conseguiu 20 reais, então hoje precisa trabalhar mais, já que o dia do vencimento da fatura está chegando. 

Por WhatsApp, os amigos conversam: 

—Mas você trabalhou ontem o dia inteiro e só conseguiu 20 reais? (Diz Bianca) 


— É, deve ser porque estava com a perna doendo, não devo ter me esforçado o suficiente, sei lá. Nossa, nem te contei, antes de ontem fizeram um pedido de 10 caixas de leite, você acredita? E ainda por cima a rua era uma subida, quase morri, deve ser por isso que estava com as pernas doendo.  


— Eita, meio problemático isso, não? (Diz Vitória) 


— Menina, isso não é nada, já fui quase atropelado várias vezes, os carros não respeitam a gente que está de bike. Mas pelo menos tô conseguindo pagar minhas continhas, é puxado, mas acho que um dia me acostumo. 


 Estava estudando Marx e Engels na aula hoje, eles diriam que você é um indivíduo alienado... (Diz Vitória) 


Ihhh, lá vem ela com esses papinhos de comuna, deixa o menino trabalhar oxi, ele é um empreendedor! (Diz Leonardo) 


E como vai a faculdade? (Diz Bianca) 


— Ah, tô quase desistindosabe? Tá muito puxado conciliar trabalho e estudo, chego tão cansado da rua que só quero dormir, e fora que meu padrasto disse que não compensa perder tempo estudando não, falou que é melhor eu ficar mais tempo na rua pra conseguir comprar uma motinha, pra entregar mais coisas e mais rápido...  


— Oi? (Diz Bianca) 


— Tá doido? Você está quase terminando a facul e vai desistir? (Diz Vitória) 


— É um ponto a se pensar né parça, já que um monte de gente faz a faculdade pra virar Uber depois, nem compensa, tempo perdido, melhor dar duro agora, correr uns riscos, mesmo sem saber o que acontecerá no futuro, é isso que os empreendedores de sucesso fazem. Mark Zuckerberg, Steve Jobs e Bill Gates também não terminaram a faculdade(Diz Leonardo) 


 Se você não sabe, o Giovanni já está inserido nesta situação de uberização do trabalho, Leonardo. E só focando nos estudos ele pode, talvez, conseguir mudar de vida, considerando o cenário político-econômico atual né. (Diz Vitória) 


— Tá achando ruim? Vai pra Cuba então! (Diz Leonardo) 


— Não comecem gente, aliás, eu já vou indo pois tenho uma noite de entregas pela frente e amanhã bem cedinho tem mais, já que Deus ajuda quem cedo madruga! 


IZABELLA DUARTE DE SÁ MORILLO - DIREITO - DIURNO - 1°SEMESTRE

Renovação da alienação capitalista conforme novas divisões do trabalho

        A linha de produção mundial tem se intensificado e mudado constantemente, assim o é também com a divisão do trabalho, visto que conforme novidades tecnológicas surgem, a divisão do trabalho aumenta. A partir disso, é possível relacionar com a concepção de história de Hegel, a qual diz que as leis históricas, originadas do constante desenvolvimento da humanidade, determinam inícios e colapsos a partir da cultura de um período. Tal fato converge diretamente com a linha de produção mundial, uma vez que são elas que determinam os novos costumes, cultura e consumos vigentes, assim, a cada nova linha de produção lançada um novo modo de comportamento humano surge.
        Desse modo, para Marx e Engels, ao surgir um novo tipo de divisão do trabalho é manifestado um novo grupo dominante, utilizando ideias que são interessantes a todos para conseguir ascender e depois desenvolver um interesse particular e dominar determinada cultura vigente. Como exemplificação disso é possível citar a obsolescência programada, hoje em dia, tudo está sendo virtualizado com a ilusória ideia de facilitar a vida dos seres humanos, e o grupo dominante que está impondo isso a sociedade são as empresas tecnológicas com intuito de expandir o capitalismo. A cada recente modernização de uma função de, por exemplo, um celular gera um sentimento de necessidade de obter o novo no consumidor. Consequentemente, a grande procura de um produto faz com que ele fique mais caro e o consumidor trabalhe cada vez mais para conseguir comprar aquilo.
         Além disso, essa forma de produção e dominação, para Sennet, é problemática considerando que pode afetar diretamente nas relações interpessoais. Atualmente, as pessoas não precisam mais sair de casa para trabalhar, é possível fazê-lo dentro de casa, e através da pandemia mundial da covid-19 isso se tornou abrangente. Tal fato afetou imensamente nas relações familiares e também individual, uma vez que, no homeoffice, o ambiente de trabalho se fundiu ao de descanso, acarretando, em muitas pessoas, a confusão entre trabalho e lazer, assim, o desgaste emocional ficou maior, gerando conflitos internos e externos (familiares). Ademais, essa forma de trabalho tida como flexível, segundo Sennet, expressa a forma de ser dominante.

        Em suma, é explícito que o capitalismo é mascarado de ideais que argumentam ser de interesse coletivo afim de buscar o melhor para ascensão humana, no entanto, essa perspectiva, de acordo com Marx, é ilusória. Essas flexibilizações passam a impressão de promover mais conforto as pessoas, enquanto é uma forma de expansionismo do capitalismo. O objetivo do capitalismo é a expansão, de forma universal visando que todas as relações sejam baseadas no dinheiro. Portanto, de certa forma, infelizmente, o seu objetivo já foi alcançado, visto que o dinheiro é um pedaço de papel que obtém um valor e que moralmente, todos acreditam na sua eficácia e isso determina diferentes tipos de relações. 

    Luana Silva Araújo Souza - 1º Ano Noturno

Admirável Brasil Novo: Ainda há tempo para acreditar.

     Em seu livro "Admirável Mundo Novo", Aldous Huxley expõe a nós o que, em um primeiro momento, se assemelha a uma utopia. Com pessoas felizes, uma realidade recheada por tecnologia e libertações sexuais, a sociedade descrita por Huxley chama a atenção para seu caráter técnico e científico, fundamentado na existência de indivíduos que são escolhidos desde sua concepção para a efetivação de uma determinada função naquele meio. Assemelhando-se ao que conhecemos hoje como um sistema de castas, o livro afasta, contudo, a perspectiva religiosa; colocando em xeque unicamente a questão do progresso. Mas afinal, qual o problema? Estão todos felizes!

    Ao longo da obra do escritor inglês percebemos que, na verdade, a sociedade que parecia perfeita é muito mais problemática do que a que vivemos hoje. Ou será que não?   

    Na eminência da aprovação de uma das medidas provisórias mais detestáveis dos últimos anos, o Congresso brasileiro parece ignorar o anseio de uma população de mais de 210 milhões de pessoas que preza por socorro em meio a uma das pandemias mais mortais que já existiram. Frente a tal análise, cabe a nós o questionamento: Será que estamos, de fato, tão longe das distopias que exprimem a exploração como algo aquém da realidade? 

    Resgatando elementos de um projeto já derrubado na assembléia legislativa, a MP 1045 é conhecida por especialistas como uma "mini-reforma trabalhista", possuindo entre seus principais pontos a precarização do programa jovem aprendiz e regulamentação da diminuição da jornada de trabalho (obviamente acompanhada pela retração salarial). Nesses pontos em específico, cabe a óbvia invocação da perspetiva de Marx e Engels, que veem a realidade como um processo histórico em constante movimento e que, há tempos, segue uma linha de efetivação unicamente voltada ao capital dominante - ligado à exploração. Atendo-se ainda a tal questão, Engels e Marx buscam evidenciar o erro grave de Hegel em sua análise do Direito, que até o momento era visto por como uma forma de suprir as demandas da evolução do homem em sociedade. Ora, se tal perspectiva estivesse correta, é evidente que um dispositivo legal que visa fomentar a riqueza de meia dúzia de indivíduos em detrimento do resto do povo jamais chegaria ao Congresso. Como é, portanto, que podemos afirmar o direito como uma ferramenta de proteção e efetivação humana quando o vemos apenas destruindo o tecido social brasileiro construído principalmente sob a égide de Vargas? 

    Em sua análise do que chama de "Novo Capitalismo", Richard Sennet aborda de forma eficaz a questão complexa e paradoxal do capital flexível e sua acumulação, bem como a razão por tal modelo responsável por alienar os interesses humanos nas últimas décadas. Em sua análise, ressalta a dependência global frente ao modelo corporativo, que tem feito o Estado refém de interesses privados, uma vez que torna-se impossível a manutenção de uma estrutura governamental sem o capital que provém de tais estruturas.

    O fato é que, frente toda essa análise e ligando seus pontos, o que se mostra de forma muito estridente é que o estágio capitalista no qual nos encontramos é desolador, sendo tal modelo o pilar efetivador dos "vencidos" e "derrotados". Em uma máxima final, chegamos ao ponto crítico de nossa existência como indivíduos. Dia após dia lutamos uns contra os outros, deixando de visualizar a problemática que vai muito além de nossos interesses individuais e nossos caprichos pessoais. Frente a tantos desafios e lutas a serem travadas, ainda é possível acreditar, e mais do que isso, é possível mudar. Resgato aqui Frei Betto, que disse certa vez: "Deixemos o pessimismo para dias melhores", e me permito fazer uma adição final: "Já que se faz necessário viver, que seja então corajosamente". 

    Pedro Basaglia - 1° Semestre Noturno

Uma interpretação materialista de uma realidade etérea

 O trabalho de Jean começa cedo. Às 6 está de pé. Precisa correr porque o ônibus passa pontualmente as 6:50, se perder esse, o próximo é só às 8. Levanta sem muito ânimo, cansado do dia anterior. Chegou em casa por volta da uma da manhã. Mas Jean não reclama.   

Trabalha de segunda a sábado e de domingo faz entrega de comida por aplicativo. “Dá pra pelo menos pagar as contas”, ele diz, mas o sorriso no seu rosto não dura muito tempo. Um breve instante e seu semblante desaba e revela o cansaço, acentuando as olheiras que pesam sobre as bochechas magras.  

-Não é o ideal, né? Mas é desse jeito que eu consigo pagar a escola da Nicole, minha menor. Eu e a mãe dela achamos melhor colocar em particular, essas escolas públicas só tem professor vagabundo, não quer trabalhar. - respondeu Jean quando perguntado sobre sua situação de trabalho. - E vou te falar uma coisa, esses funcionários públicos são um câncer do nosso Brasil, por isso tratei logo de pagar uma escola pra Nicole, vai estudar e se Deus quiser vai ser alguém na vida. 

-Eu trabalhava em fábrica, né? Era contratado pra ajudar na parte de montagem, mas aí teve corte de gastos e eu fui demitido, mas vou falar pra você, eu achei foi BOM! Eu tava acomodado demais, tinha era medo de me arriscar. A verdade é que hoje em dia tem muito “mimimi”. Bando de gente que não quer trabalhar e fica reclamando.  

Jean tinha convicção do que estava falando, acreditava piamente na meritocracia, admirava grandes empresários e odiava com toda a força funcionários públicos, e claro, o comunismo. Se dizia “neoliberal”, a perda de direitos pra ele, era necessária. A economia precisava funcionar. 

Jean teve que sair no meio da entrevista, um colega que entregava comida com ele aos domingos tinha tido um AVC. O homem até tinha avisado a empresa de entrega que se sentia mal, mas ela só respondeu que era necessário desativar o aplicativo, pra não atrasar as entregas. 

 Morreu. Após aguardar durante duas horas por socorro.  

-Jade Cocatto, TURMA 38, noturno