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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Madames Satãs e suas lutas contra os poderes simbólicos do Estado


João Francisco dos Santos, popularmente conhecido como Madame Satã, fora uma figura simbólica da Lapa carioca ambientada na década de 1920. O transformista, a travesti, o malandro, o pai, o amante dos homens, negro, era ainda um corpo vítima das mais incisivas discriminações sociais – estas assíduas em nossa estrutura social de raízes heteronormativas e racistas. Apesar de ter sua narrativa subordinada à luta constante por sua existência, Satã designava-se por forte resistência a um sistema que insistia em subtraí-la, ela não cabia na limitada imposição de sobreviver, queria o que era seu como pessoa humana: amar quem lhe fosse conveniente, vestir-se como mandava sua imagem do espelho, reverberar arte e lutar pelos seus sem ser importunado por sua essência.

Há quase 100 anos, Madame Satã já se movimentava contra os poderes simbólicos do Estado e seus ecos dentro da sociedade, protegendo aqueles e aquelas que com ela caminhavam e, ainda, impondo-se como um corpo de existência e resistência mediante aqueles que insistiam em negar-lhe a vida. A história de João Francisco dos Santos é também a história do Brasil, narrativas de marginalização e repulsa contra a comunidade LGBTQI+ que acabaram por edificar um país que mais mata transexuais e travestis.

A linguagem sempre fora um instrumento de grande importância dentro do contexto de ação coletiva dos movimentos sociais, trata-se de um elemento que cria pontes de identificação e representatividade para com cada corpo de luta, construindo uma esfera de proteção e fortificação dentro dos próprios coletivos. É importante, por exemplo, que a comunidade LGBTQI+ crie nexos maciços entre cada um dos indivíduos-componentes, e, ainda, que saiba articular na língua daqueles que possam institucionalizar a materialização de seus direitos, como visto na requisição da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26, esta que declara displicência do Congresso Nacional por ter arquivado um projeto de lei que criminalizaria atos de trans e homofobia.

O Poder Legislativo do país mostra-se, de maneira geral, refratário ao asseguramento material do direito à vida – bem como outras garantias suprimidas – da comunidade LGTBQI+, lacuna omissiva que, somada à luta das minorias e buscas por concretização de um Estado Democrático de Direito, instigam ações de emissão de pareceres pelo STF (Supremo Tribunal Federal), este guardião da Constituição e que captou o não cumprimento de cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, como a dignidade da pessoa humana.

Isoladas pelo processo de gentrificação, constantemente subordinadas às políticas de “higienização”, patologizadas e com seus direitos de exercer identidade de gênero limitados, pessoas homoafetivas veem-se rodeadas por barreiras supressoras de sua dignidade. Muitas foram as Madames Satãs que combateram por sua existência e a de seus semelhantes, e hoje, orgulham-se pelas manifestações de arte com Liniker, Linn da Quebrada e Bahias e a Cozinha Mineira, ou ainda, aplaudem onde quer que estejam a força de Érica Malunguinho, e de todos aqueles e aquelas que de alguma, ou qualquer forma ,expressaram-se dentro e para além de nossa espaço de diversidade.

A ADO 26 demonstra a continuação de uma luta que não está nem perto do fim, mas que contribui para o fôlego das movimentações sociais, dado que se configura como uma demonstração que o Direito é permeável à mobilização. A criminalização da homo e transfobia fortalece a não abdicação da existência e resistência da comunidade LGBTQI+ no Brasil, limitando crimes de ódio e nos reconhecendo como um país estruturalmente marginalizante.


Vitória Garbelline Teloli - 1º ano Direito (noturno)

Em “Madame Satã”, Lázaro Ramos dá vida a João Francisco dos Santos, negro e transformista, em um cenário marcado pela rejeição e objetificação. A história se passa no Rio em meados da primeira metade da metade do século XX e desvela o cotidiano e a marginalização decorrente de sua condição social, de seu gênero e da condição de ex-presidiário. A obra inova, entretanto, ao apresentar esse ambiente partindo da perspectiva dessas minorias segregadas pelas tarjas que lhe são socialmente impostas. Denuncia a violência, a marginalização, a repressão policial e violência racial.
Madame Satã assume papel de destaque porque encarna com coragem e audácia que lhe são ímpares um amálgama dos papéis que a sociedade brasileira de então excluía, além de negro e pobre, eventualmente em condição de rua, não se furta de expor sua arte e indagar os valores vigentes. Em decorrência, vê-se recluso à uma vida marginal marcada por reiterados encarceramentos.
João Francisco encontrava-se num contexto de exclusão de tal maneira hostil a sua existência que, usando de sua arte para romper barreiras, não se encontrou em condições de mobilizar o direito para garantir o respeito à sua existência. O que se observa é o preciso oposto: o direito mobilizado para reprimir, para sufocar e para encarcerar. A luta pelo reconhecimento dos direitos da população LGBT+ toma novos ares a partir da segunda metade do século XX. Antes reclusos à resistência, passam a encontrar voz na luta por ações afirmativas que objetivam garantir-lhes as condições mínimas para buscar a própria felicidade. Essa mudança de perspectiva, entretanto, não encontra eco nos mecanismos de representação popular, de maneira que a única solução encontrada é a judicialização da luta pela igualdade e pela possiblidade de existir com dignidade. Exemplo notório é a criminalização da homofobia, operada pela STF, que visa coibir com tutela penal ações de discriminação. O direito antes mobilizado para oprimir, agora se encontra em condições de proteger.

Genilson Faria - noturno

Madame Satã e o Rompimento do "Dever-ser" social


   O Cine-debate acerca de Madame Satã, estruturado ao longo da VI Semana de Sexualidade e Gênero, apresentou-se elementar na composição do que se concebe como “ecologia de direitos”. A obra, responsável por protagonizar o ícone cultural de João Francisco dos Santos, revela a marginalização histórica de um nicho identitário que é, há décadas, negligenciado pelas instâncias jurídicas nacionais e seus órgãos administrativos, mantendo-se às sombras dos enfoques midiáticos e políticos, predominantemente organizados sob a égide de um costume ocidental hegemônico.
   A insurgência própria à subcultura – no sentido minoritário e carente de representatividade formal – manifesta no longa, exposta explícita e simbolicamente, capitaneia a dinâmica social de um quadrante – até então – duplamente desamparado: jurídica e popularmente. A primazia do Direito ocidental, movido às engrenagens eurocêntricas, constituiu o processo de isolamento às vertentes socioculturais díspares ao que se compreendia e, ainda parcialmente, compreende-se como “dever-ser” das condutas individuais. Com base nisso, atrelando-se o panorama evidenciado por Madame Satã ao arcabouço teórico de McCann, o poder formativo da atividade judicial, adepto de postura continuamente niilista às expressões do público LGBTQI+, corrobora para a elaboração do caráter intolerante presente na sociedade civil brasileira. A discricionariedade imanente à magistratura, ao optar ou não por estabelecer um vínculo institucional garantista aos múltiplos movimentos de demanda social, posiciona-se – simultaneamente – perante a consolidação de tais correntes, na esfera política.
   Nesse ínterim, a relevância remetente ao transformista e à obra cinematográfica adquire proporções imensuráveis. O posicionamento de afronte e contestação aos moldes comportamentais vigentes, enunciado na figura emblemática de Madame Satã, promove um amplo e gradual processo dialético na configuração macro da nação brasileira, propiciando a revitalização de um movimento reivindicatório perpetuamente fragilizado pelos aparelhos de repressão estatal e cultural. O filme, por sua vez, originário da esfera artística, insere-se – inevitavelmente – no seio das pautas identitárias, políticas e sociais, reintroduzindo a simbologia emanada de João Francisco dos Santos na contemporaneidade.
   Por fim, a criminalização das condutas homo e transfóbicas, proveniente da ADO 26, denota a mutação dos espectros jurídico e social brasileiros. As previsões constitucionais derivadas da CF de 1988, em consonância com posteriores convenções infra e internacionais acerca das questões de gênero, viabiliza a edificação de um novo Habitus no cerne do Poder Judiciário e, em consequência, as batalhas travadas nos tribunais de rua – entre movimentos minoritários e costumes preponderantes – no desamparo dos confrontos corpóreos, torna-se viável sob as vestes de um aspecto jurídico-formal, em que se luta pela apropriação da simbologia do código normativo. Paulatinamente, a congregação estratégica, identitária e jurídica do público LGBTQI+, em um constante enfrentamento às imposições hegemônicas, conquista, parcela por parcela, o usufruto de seus direitos e sua equiparação social, formal e de gênero.
(Caio Laprano - Primeiro Ano - Noturno)

Justiça, mesmo que tardia.

O filme madame satã conta a história de João Francisco dos Santos, personagem que, assim como seu nome, bastante genérico e comum para um brasileiro qualquer, representa, utilizando-se do talento de Lázaro Ramos, um homossexual, pobre, negro e morador de periferia no Rio de Janeiro, retrato de um estereótipo máximo dos que são vítimas de preconceito, por receber julgamentos tanto por sua sexualidade quanto por sua condição sócio-econômica e sua cor.
Através da arte, João consegue ganhar um mínimo espaço e uma mínima voz, acentuando o fato problemático da justiça de que para que se possa estar amparado, no Brasil, sendo pertencente a uma minoria, faz-se necessário a utilização de outros métodos, que não o direito, pois este, pouco amparou, historicamente, os que mais precisaram, os que mais sofreram por sua condição, assim como João Francisco, por serem julgados como menos detentores de direitos pelos que estão mais acima na pirâmide, visão preconceituosa esta, fruto de uma colonização europeia violenta e um escravismo que perdurou por séculos e ainda se reflete em vários aspectos cotidianos.
Apenas com o ADO 26, documento que criminaliza as ações homofóbicas, julgado em 2019 pelo supremo (quase um século após a história de Madame Satã), que os homossexuais passaram a ser amparados pelo direito, pois agora a homofobia é enquadrada assim como o crime de racismo, por se tratar de um crime discriminatório. Pela luta intensa e dolorosa, hoje, pode-se dizer que o clamor do grupo LGBT+ foi, enfim, atendido. 
Não se pode dizer, contudo, que o preconceito fora abolido da sociedade, pois ele continua enraizado no imaginário social tão forte quanto antes, devido ao processo histórico de formação do país e as constantes e tradicionais negligências do governo perante às minorias, porém, de acordo com as circunstâncias, a judicialização do crime de homofobia mostra-se um enorme passo em direção a igualdade plena de direitos, a um convívio social justo, que ampara todos, dando enfoque naqueles que mais precisam ser amparados.

Octavio Deiroz Neto- 1º ano direito Noturno

            O filme Madame Satã (2002), foi tema de debate na VI Semana de Sexualidade e Gênero da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP. O longa conta a história de João Francisco dos Santos (Lázaro Ramos), mais conhecido como Madame Satã, figura emblemática da luta contra preconceitos raciais, sexuais e de gênero.
            Morador da Lapa no Rio de Janeiro, João levava uma vida de malandro, foi alvo de 26 processos durante sua vida, chegando até a matar um policial em 1928. Além disso, era um capoeirista talentoso e utilizava-se desse talento para se defender nas ruas cariocas. Apresentava-se travestido com roupas femininas em cabarés cantando canções românticas, indo contra o sistema machista predominante até os dias atuais.
“Desordeiro. Pederasta passivo. Usa suas sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas, alterando até a prória voz. Não tem religião alguma. Fuma, joga e é dado ao vício da embriaguez. Exprime-se com dificuldade e intercala, em sua conversa, palavras da gíria de seu ambiente. É de pouca inteligência. Não gosta do convívio da sociedade por ver que esta o repele, dados seus vícios. É visto sempre entre pederastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível social. Inteiramente nocivo à sociedade.”
            Essa é a descrição de Madame Satã encontrada em um dos 26 processos que sofreu, revelando o preconceito da justiça brasileira. Satã foi a primeira artista travesti do Brasil e serve de inspiração para muitos artistas até os dias atuais.
            O julgamento da ADO 26, em 13 de junho de 2019, tem interrelação com o assunto. Na decisão, os ministros decidiram enquadrar a LBGTfobia aos termos da Lei nº 7716/89 (lei que versa sobre o racismo, perseguição religiosa etc). A ministra Cármem Lúcia foi clara em seu voto ao dizer que o legislativo não pode ser omisso nesse assunto, visto que milhares de pessoas são mortas devido à LGBTfobia, esse argumento foi sustentado pelos outros 7 ministros favoráveis.
            Essa Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, demonstra avanços na luta LGBT. Apesar disso, o site do g1 afirma que a cada 23 horas é registrada uma morte por homofobia no Brasil, é fato que ainda são necessárias drásticas mudanças sociais para que a população LGBTQ+  tenha uma vida digna e livre de preconceitos.



Camilla Garcia - 1º ano NOTURNO
Texto Extra

Viver, não sobreviver


“A paz não existe. Paz é coisa de branco, de rico, de homem cis. A gente não quer paz.”,  disse  Vita Pereira, integrante e uma das fundadoras do coletivo Casixtranha, de Araraquara, no cinedebate da VI Semana de Sexualidade e Gênero da Unesp Franca. O evento discutiu o filme de Karim Aïnouz, “Madame Satã”, à luz de Vita Pereira e Maria da Maré, duas estudantes da FCLAR - Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Araraquara, ambas travestis e participantes do coletivo que visa integrar e promover intervenções culturais multiartísticas com a temática LGBTQIA+, unindo a arte e a militância para transformação social e combate ao preconceito. A discussão foi repleta de relatos da realidade nua, crua e cruel das travestis brasileiras, a partir de vivência das palestrantes.
A fala com que inicio esta postagem é umas das muitas que, pra mim, causou profundo impacto. Retrata a luta e a força constantes da população que luta por igualdade de gênero e orientação sexual, mostrando que, infelizmente, se o que recebem é violência, não há meio de responder com serenidade. Cospe na romantização do discurso militante e trata de uma luta que é política, mas além de tudo também é física, por sobrevivência. “Sobrevivência? Eu não quero sobreviver, quero viver!” disse Vita, em um discurso sobre a omissão do Estado na garantia de direitos básicos como saúde, educação e expressão da população travesti e transsexual no Brasil. Ela associou a realidade atual à retratada em Madame Satã, que, apesar de se situar da década de 1930, ainda expressa aspectos da contemporaneidade no que diz respeito à marginalização que sofre na pele. No filme, as personagens principais vivem em pequenas comunidades afastadas do centro do Rio de Janeiro, e não recebem nenhum amparo do Estado na garantia de direitos básicos, e, ao contrário, este somente se mostra presente na repressão policial e discricionariedade do sistema judiciário para com a população LGBTQIA+. Paralelamente, Vita conta que recebe inúmeros pedidos de ajuda de pessoas não cis que foram expulsas de casa e não contam com nenhuma garantia de subsídio de estudo ou oportunidade de trabalho, nem pela própria família, e muito menos pelo Estado.
As palestrantes relatam que incidência da população travesti na prostituição é alta, e, com isso, são inseridas em um contexto de imensurável violência, tanto pela população civil como pelos policiais. Vita conta que, diversas vezes, viu amigas travestis apanharem de policiais sem que estivessem fazendo nada de ilícito. Contou um caso em que um homem teve relações sexuais com uma prostituta travesti e, ao final, não quis pagá-la e partiu para agredi-la. Outras 5 travestis estavam no local e reagiram quebrando o carro do sujeito, para que ele parasse de bater em sua colega. Por isso, o homem prestou queixa na delegacia e todas as travestis envolvidas foram responsabilizadas. A justiça considerou, portanto, o depoimento de um homem cis, em detrimento do depoimento de 6 pessoas travestis, e o homem não foi responsabilizado pelo crime de agressão. Isso expressa o quanto o Estado é discricionário e preconceituoso em relação à população travesti no Brasil.
Maria relatou que, ainda hoje, as travestis costumam andar com navalhas nas bolsas, isso porque, desde a década de 80 com o aumento da disseminação do vírus HIV, os LGBTQIA+ foram erroneamente associados à doença, e, quando se deparavam com uma situação de violência nas ruas, passaram a cortar os próprios corpos como estratégia para garantir que agressores não se aproximassem, por medo da contaminação com o sangue. A gravidade do relato de Maria sobre um cenário que ainda persiste, ascende a urgência da discussão sobre a criminalização da LGBTfobia. Apesar de as palestrantes não tratarem diretamente sobre o tema, seus depoimentos deixaram clara a omissão do poder judiciário na garantia de combate ao preconceito.  
Há de se pensar, diante desse contexto, se a simples consideração da LGBTfobia como crime iria mudar o comportamento das instâncias policiais e das delegacias, que colaboram para o preconceito e desprotegem essa população impedindo assim, muitas vezes, que denúncias desses casos sejam feitas, e, quando acontecem, muitas nem cheguam a julgamento.  Os relatos das palestrantes me fazem pensar que tal criminalização seria apenas uma maneira de o sistema judiciário fingir para a população civil estar fazendo algo pelos LGBTQIA+, mas nada mudar de fato. 


Carolina Juabre. Matutino

O direito e a emancipação da população LGBT.

O filme “Madame Satã” cujo ator principal é Lazaro Ramos, aborda os impasses que sofrem João Francisco dos Santos que é marginalizado e oprimido por uma sociedade hipócrita por ser negro, transexual, pobre e ex-presidiario. Desse modo, ainda que essa obra retrate a história real de João, que viveu entre 1900 à 1976, sendo assim um período histórico-social distinto do há atualmente, as questão sócias que o assombravam são muito semelhantes aos que sofrem atualmente o grupo LGBT, principalmente a população transexual que é ainda mais violentada e oprimida pela sociedade. Por esse motivo, a ADO 26, oriunda do Supremo Tribunal Federal, se torna uma via básica e necessária para que se assegure uma vida minimamente digna e os direitos básicos à essa grupo homoafetivo. Ademais, perante esse impasse descrito o judiciário possui um papel importante no que se refere ao estabelecimento de um direito emancipatório para todos, pois segundo Michael Mccann:

“...os tribunais não determinam as ações judiciais
dos cidadãos e organizações, mas ajudam, de modo ativo, a traçar o
panorama ou a rede de relações na qual se encontram as demandas judiciais
em curso dos cidadãos e organizações. “ (Mccann, 2010, pagina 183)

O que mais despertou-me reflexões acerca do filme, é que em todos os ambientes que frequentava João Francisco ele era desrespeitado, desumanizado ou reprimido, pelo simples fato de estar naquele recinto, além disso, em todas as cenas em que abordava um momento positivo e harmônico de sua vida, ele logo se finaliza com alguma notícia que diretamente o compromete, desestabiliza e o vitimizava socialmente mais uma vez. Dessa maneira, é perceptível que os direitos básicos só podem ser gozados plenamente por aqueles que são favorecidos pela sociedade, assim como a própria ideia de harmonia, que por mais que João sempre visasse alcança-la, era barrado por algum obstáculo, dessa forma, indubitavelmente ela também é um privilégio não só da branquitude, como daqueles que são heteroafetivos. E a problemática se torna ainda mais agravada, pois todos em sua volta sempre o culpava de todo esse caos e não compreendiam o porquê de tanta revolta e fúria oriunda de joão, sendo ele, injustamente, dado como responsável de todo esse caos.  
Todavia, esses impasses citados ainda calca a realidade da população LGBT, visto que o Brasil além de ser o país, que segundo a ONU, mais mata transexuais na esfera global, ele também é o que mais possui registros de homofobia no mundo, como aponta os estudos do Grupo Gay da Bahia. Portanto, levando em consideração que a expectativa de vida de um transexual no âmbito brasileiro é de 35 anos, a ADO 26 não apenas é um meio de efetivar a ideia defendida pelo sociólogo Mccann, o qual alega que o estabelecimento do direito é uma forma de promover o emponderamento de um povo, como também é uma maneira assegurar os direitos fundamentais a esse grupo, que não fora, até então, devidamente protegido pela Constituição Federal de 1988.

Lívia Ribeiro Cunha                         Direito- Noturno


A arte como forma de emancipação livre de preconceitos e intolerância

     O longa metragem Madame Satã tem como principal tema, abordar questões como a homofobia e o preconceito enraizado no Brasil desde os séculos passados. É sobre explicitar as formas de vivência extremamente violentas que pessoas como João Francisco dos Santos passaram. Morador da periferia do Rio de Janeiro durante o século XX, travesti, negro e homossexual, João passou por diversas lutas sociais, que eram vividas cotidianamente, cercadas por violência, preconceito, intolerância e diversas outras formas de depreciação que um indivíduo pode obter. Com uma forte personalidade e desejo de ser, pelo menos uma vez, visto com respeito e admiração pelos outros, Madame Satã é um filme sobre a realidade brasileira da sua forma mais crua, um país onde a vontade de existir perante os outros e a si mesmo é gritante, e as expressões são intensas, extensas e estonteantes. Para uma parcela da população, absurdas.
        É através de sua manifestação artística enquanto Madame Satã, que João consegue ganhar o mínimo de voz dentro dos espaços que eram permitidos para que pessoas como ele pudessem frequentar. Durante o filme, ele é descrito como alguém com pouca inteligência e propenso a cometer crimes. Tais atribuições são dadas a ele com uma estruturação de preconceito histórico enorme, a partir de uma visão vinda de uma classe dominante que não aceita a existência de pessoas como João e de personalidades como a Madame Satã. Obter o espaço de fato, é algo a ser concedido a qualquer ser humano por direito. Livre arbítrio é um direito e, portanto, as vontades daqueles indivíduos que não se encaixam em um padrão social específico devem ser respeitadas por completo. Sem depreciação, sem intolerância ou opiniões que desfaçam as lutas travadas por essas pessoas.
           Apenas com o ADO 26, documento responsável pela criminalização da homofobia, que a legalidade entrou no processo a fim de validar essas lutas e esses anseios populares de um contingente específico de pessoas a partir de um contexto de judicialização. Nesse documento, a transfobia e a homofobia possuem o mesmo enquadramento de um crime de racismo, afinal, atos assim, são entendidos como “discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais”. A mobilização de variados grupos que compartilham das mesmas experiências dentro de um contexto de violência fará com que o direito seja alcançado, de forma que esses atores sociais poderão realizar a diferença dentro dos ditames padronizados que a sociedade adquiriu, se rebelando contra eles e adquirindo seu espaço, que sempre foi um direito negado e agora passa a não ser mais, com a validação desse processo histórico enquanto legítimo e digno de retratação.
              Por toda a repressão social que essa população sofre, é preciso entender a como de seu a historicidade com o decorrer do tempo, quais foram as limitações que esses indivíduos tiveram que legitimou o preconceito, a intolerância e as agressões diárias, tanto físicas como psíquicas. A partir da reconstrução desse cenário bárbaro de violência em todos os âmbitos que os atores sociais poderão buscar os direitos que sempre lhes foram negados. Além do mais, são provas históricas como a vida de João dos Santos que irão validar esse processo, juntamente com a expressão de Madame Satã, e também, a arte de Karim Ainöuz, que fez brilhar o grandioso longa metragem trazendo formas de contestação para uma parcela marginalizada, e mostrando que ser diferente também pode ser livre.

                                                      


Victor Sawada, Direito - Matutino



O filme Madame Satã se passa nos anos 30 na cidade do Rio de Janeiro, onde toda a história é em torno de um jovem negro, pobre, filho de ex-escravos e homossexual. João como é nomeado o personagem, possui uma vida a qual as noites se apresenta em bares, e nesta rotina transmite todos os preceitos existentes na sociedade na época, fato que nos dias de hoje ainda se prepondera e pode ser muito bem retratado por um filme de uma história com mais de 80 anos.
O STF em junho deste ano, julgou a ADO 26 a qual tinha como objetivo incluir na lei de racismo (Lei nº. 7716/1989) a criminalização da LGBTfobia, causa que é amparada por artigos da constituição, contudo ainda não se tinha em uma lei ordinária a especificação deste preconceito. Em uma votação calorosa o projeto seguiu em frente e atualmente é crime qualquer descriminação contra as pessoas devido as suas escolhas sexuais.
Em torno desses assuntos citados teve na UNESP FRANCA a VI Semana da sexualidade e Gênero, onde foi debatido ideias e propostas afim de combater o preconceito ainda existente em pleno século XXI. E levando em consideração tudo que se foi apresentado é possível se dizer que o filme retratado nada mais é que o cenário dos dias atuais aonde as minorias são marginalizadas e são esquecidas pelo amparo jurídico; e a ADO 26 vem para dar um pouco de esperança a esta minoria a qual é oprimida desde seus primórdios.  

Leonardo Souza da Silva - Noturno

Voz.

Sob as margens da sociedade
observa-se a revolução
de indivíduos com sua vulnerabilidade
buscando ter voz na população

João Francisco é visto como marginal
''preto'', ''pobre'',''malandro do morro''
mas carregava em si esse ser original
orgulhoso de ser gay, não levava desaforro.

Madame Satã é extraordinário
liga os anos 30 no Brasil
no hoje do contexto desse cenário

O romantismo do opio e da navalha
foi apenas substituído,
pela cocaína e pela arma que metralha

ADO 26 criminaliza o que o filme critica
dando voz a quem
só um pouco de segurança suplica

A comunidade LGBT+
deve ser assegurada como quaisquer outras,
a dignidade não deve ser infringida
todos tem direito a vida.


                                                          Amanda Zandonaide
                                                          Turma XXXVI- matutino






Madame Satã e a política sectária da asfixia social

     Ambientalizado no Brasil da primeira metade do século XX, o filme Madame Satã, dirigido por Karim Aïnouz, inicia seu enredo a partir da caracterização de uma vida urbana carioca regida, sob a ótica das minorias, no sentido da repressão policial, econômica e do estabelecimento de abismos sociais cada vez mais intensos. As heranças do racismo e da escravidão são evidenciadas com ênfase, a exemplo de como a figura da protagonista, a qual dá nome ao longa-metragem, é representada e tratada pelos demais personagens, isto é, um homem negro, pobre, homossexual e morador da região periférica, situação de mais agravante vulnerabilidade em comparação aos pobres brancos ou prostitutas também retratados nesse contexto predatório e ausente do Estado Novo quanto à proteção às minorias.
     Em paralelo, o principal ponto reiterado pelas palestrantes no Cine Debate acerca da obra foi a correlação entre a condição de rua, pobreza e racismo provenientes de políticas adversas às minorias e o agravo da condição prisional e repressiva direcionadas a essas. Nesse sentido, atentam ao fato de que a cultura do cárcere é um dos elementos mais importantes na história e luta do movimento travesti no Brasil, uma vez que, negligenciados por um Estado autoritário e conservador, esses indivíduos acabavam, corriqueiramente, adentrando os âmbitos da prostituição, dos jogos de azar e do crime de um modo geral, assim como explícito no filme.
     Assim, a soma dos fatores presentes em Madame Satã, ou seja, transformista, negra e pobre, juntamente ao papel que cabe a ela naquela sociedade (subserviência sexual), demonstra com clareza o prisma racista e transfóbico existente não apenas no Brasil estadonovista, mas um traço persistente até a contemporaneidade, uma vez que a demanda somente foi apreciada de maneira efetiva por uma corte brasileira já na segunda década do século XXI, através da ADO n°26, que versava sobre a criminalização das mais variadas formas de violência à comunidade LGBT. Além disso, o filme atenta também ao fato de que as reivindicações sociais oriundas dos setores minoritários são, muitas vezes, inviabilizadas de mobilizar o direito, assim como aponta o sociólogo Michael McCann, pois estão, constantemente, em situação de extrema repressão e marginalização.
     Portanto, cabe realizar, por fim, uma última análise, tendo em vista, sobretudo, o método histórico. O Estado Novo é marcado pela consagração, mesmo que somente normativa, de direitos humanos de segunda dimensão, como o sufrágio feminino e os direitos trabalhistas (CLT). No entanto, sobressalta-se desse cenário uma forte elemento indissociável ao se observar a sociedade brasileira: o racismo e a lgbtfobia que perpetua toda a estrutura. Se há, de um lado, o já tardio estabelecimento de direitos fundamentais a determinadas classes (médias altas e baixas), há, do outro, a intensificação da repressão às minorias, estando indivíduos como Madema Satã, nesse ponto de vista, ocupando a posição de mais forte coerção advinda de um política estatal negligente e altamente repressiva que impossibilita, historicamente, a mobilização do direito e a efetivação de garantias fundamentais a grupos marginalizados e sobre os quais se direciona a violência.

Luiz Carlos Ribeiro Junior - Direito noturno

A Arte e o Direito nos movimentos sociais.




  Em setembro ocorreu na Unesp campus Franca a VI Semana de Sexualidade e Gênero pela iniciativa do Centro Acadêmico de Direito, além disso foi proposto nas aulas de Sociologia do Direito uma reflexão sobre as experiências compartilhadas no Cine-Debate organizado pelo Coletivo Casixtranha, relacionando o filme Madame Satã dirigido pelo cineasta Karim Ainouz e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS). A partir dessas atividades, promoveu-se a discussão sobre a questão do preconceito LGBT+, em especial a transfobia e a homofobia, integrando as influencias dos movimentos sociais tanto no Direito, quanto na Arte. Assim, a própria existência de espaços para esse tipo de discussão, principalmente no ambiente universitário, é a justificativa concreta da importância dessa ADO como expressão não apenas de uma luta contra os crimes que violentam a comunidade LBGT+, mas de uma abertura de diálogo e livre expressão dessas pessoas na sociedade, seja no âmbito político, jurídico, acadêmico ou artístico.

  Dessa forma, percebe-se tanto pelo filme quanto pela palestra do Coletivo a ilustração real das lutas e violências simbólicas do sociólogo francês Pierre Bourdieu, uma vez que os relatos da vida de travestis e transexuais nessas duas atividades são permeados de conflitos por espaço e capital na sociedade, uma vez que são violentados pelo poder simbólico dominante que limita o “espaço do possível” dessas pessoas por meio de todas as formas de violência LGBT+ citadas na ADO 26. A Arte é um ponto de semelhança entre o filme e o coletivo, pois tanto os palestrantes do Casixtranha quanto João Francisco dos Santos – figura retratada talentosamente pelo ator Lázaro Ramos no filme “Madame Satã” lançado em 2002 – atuam  buscando reconhecimento no espaço artístico com o estilo de dança Vogue e apresentações transformistas, respectivamente. O Direito é então influenciado, para Bourdieu devido sua autonomia relativa, pelos movimentos sociais das minorias e suas lutas simbólicas em  busca de segurança e liberdade contando também com o ambiente jurídico e o papel dos tribunais, como bem relatado por Michael W. McCann:

 “Quando os tribunais se tornam atores importantes, eles com frequência levantam os termos em que devem se dar as lutas, os múltiplos fatores que configuram o jogo, aumentando o acesso para uns e diminuindo para outros.” (MCCANN, 2010, p. 192)

  A partir do exposto, são evidentes os efeitos da abertura de diálogo sobre as necessidades dos grupos sociais violentados e marginalizados, produzindo efeitos em diversos campos sociais. As expressões artísticas ampliam ainda mais o espaço para a ação jurídica, pois aumentam a realidade que muitas vezes é invisível aos olhos de alguns. Isso é ilustrado, por exemplo, nas ações e diálogos do filme “Madame Satã”,  como na cena em que eles tentam entrar na boate "High Life Club" e são barrados pelo guarda que nega a entrada dizendo “Porque aqui não entra nem puta nem vagabundo.” e, por isso, é posteriormente enfrentado por João, que exclama “E tem algum desses nomes escritos na minha testa?”. Tal parte do filme relata muito bem a situação da comunidade LGBT+ tanto na sociedade da década de 30 quanto na do século XXI, já que esse tipo de violência se baseia em preconceitos e rotulações para desmoralizar essa comunidade e sua livre expressão humana coletiva e individual. Essa situação de opressão da liberdade é comparada nos dias de hoje com as recentes notícias de veto a filmes com temáticas LGBT+ pelo atual presidente , o qual já realizou afirmações absurdas como “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”.

  Por fim, a esperança pela dignidade e respeito à comunidade LGBT+ é afirmada pelo Direito e pela Arte, os quais se atentam para a contemporaneidade da história real de Madame Satã, fazendo com que o João Francisco de nossos tempos seja reconhecido por ser o notável artista, transformista, cozinheiro, capoeirista e pai adotivo e não seja violentado com os preconceitos que permeiam a descrição policial "preto, pobre, homossexual". 
  

Júlia Jacob Alonso 
1º ano - Direito matutino 

Madame Satã: Do preconceito à luta

     Madame Satã foi uma das personalidades mais fantásticas vistas no Rio de Janeiro do século XX. Nascido no ano de 1900, no interior de Pernambuco, João Francisco dos Santos fugiu para o Rio aos 8 anos, onde tempos depois iniciaria sua carreira artística. Semelhante a uma drag queen dos tempos modernos, João imitava as grandes estrelas femininas de sua época, sonhando em tornar-se uma delas. Contudo, sua derradeira fama surgiu após, como protetora dos oprimidos, sempre enfrentando o opressor. Protegendo prostitutas de clientes violentos, intervindo em qualquer violência policial, Madame Satã construiu seu legado, servindo de inspiração para diversas pessoas até os dias de hoje.
     O cine-debate realizado na VI Semana de Sexualidade e Gênero na UNESP-FRANCA trouxe ao público duas transexuais pertencentes ao coletivo ''Caxistranha'' de Araraquara, que debruçaram-se em analisar não só a personalidade da Madame Satã, mas também todo o cenário contemporâneo acerca da situação dos indivíduos LGBT no Brasil. Entre suas pautas, as participantes destacaram a cultura ballroom, movimento político responsável por ocupar espaços e celebrar a diversidade de gênero, sexualidade e raça, servindo como refúgio à população LGBT. Ademais, abordaram o vogue, dança oriunda das festas ballrooms e popularizada atualmente por cantoras renomadas do pop. Por fim, analisaram as marcas deixadas pela Operação Tarântula, responsável por caçar travestis no Brasil nos anos 1970 e 80, sob o pretexto de vadiagem e malandragem.  
     No dia 13 de junho de 2019, o Plenário do STF julgou a ADO 26 / DF, relatada pelo ministro Celso de Mello, e o MI 4733 de relatoria do ministro Edson Fachin. Por maioria, foi decidido que as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram nos crimes previsto pela Lei n° 7.716/2018. Entre os votos favoráveis a procedência dos pedidos, destaca-se o da Ministra Carmen Lúcia. Segundo a togada, a inércia do legislador brasileiro mostra-se evidente e inconstitucional, haja vista as recorrentes violências direcionadas a sociedade LGBT, culminando em inúmeras mortes a cada ano. Ainda, a magistrada destaca a necessidade da plenitude dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, fazendo-a valer na realidade prática dos cidadãos
     Dessa forma, mostra-se evidente a importância de tal decisão proferida pelo STF, a fim de combater a homofobia e proteger a comunidade LGBT. Assim, a realidade vivenciada por Madame Satã, dura e opressora, pode ser combatida, demonstrando que todo seu esforço e luta para transformar, mesmo que minimamente, seu universo, obtiveram resultado, ainda que o caminho para a plenitude desse combate seja longo e árduo. 

Luan Mendes Menegão - 1° ano - Direito Matutino

Satã alçando glória em meio ao inferno de um preconceito

Madame Satã foi um ícone pícaro e minoritário do século XX. Em meio a todo glamour das inúmeras incursões criminosas e aparições teatrais, uma amostra sólida da homofobia é vista como arraigada perigosamente em toda a estrutura social brasileira. Do nordeste às ruas cariocas, do crime ao teatro e da prisão ao sambódromo, Satã fora sempre um ente dispare da normatividade civil; abrigado em sua "fantasia" transformista, era realmente apenas uma figura ilustrativa, não poderia ser um indivíduo comum apenas por suas afeições diferentes da ordem heterossexual. Em 1976,  morre solitário, permeado pelo mistério entre um câncer pulmonar ou a AIDS. O estado do Rio de Janeiro buscou ocultar ao máximo a morte do criminoso mais estranho possível, "que tinha gosto por ser mulher". Contudo, em terras paulistas Satã ganha a capa da Folha de São Paulo mesmo tendo assinado, anos atrás, um termo de compromisso de não pisar mais nas disposições territoriais desse estado. Na glória sofrida de uma estrela artística combatida, o Brasil mostra um passado sombrio que busca sua iluminação.
João Francisco dos Santos nasceu em pernambuco em 25 de fevereiro de 1900 (data escolhida por ele na falta de exatidão) e logo no começo da vida fora trocado por uma égua, usado de escravo, enganado pelas esperanças de um estado desenvolvido que traria sua riqueza, tomado como escravo novamente e apresentado ao mundo da riqueza fácil, um projeto de malandro. No entanto, apresentado desde os 13 anos ao mundo da sodomia, reconheceu-se logo homossexual e em uma brilhante frase acerca de sua opção sexual, ao citar os bacanais dos quais participava relatou: "...gostava mais e ser bixa, por isso sou bixa". Anos depois, em 1928 foi apresentado ao teatro, sua eterna paixão. Contudo, quando tudo parecia guinar para longe do passado sofrido, a homofobia fez-se presente e condenou João ao cárcere. Em uma noite, estava se divertindo em um bar na Lapa quando fora acometido de vários xingamentos provenientes de um guarda noturno que incessantemente chamava-o de "viado", e ainda foi além. agrediu-o com o cassetete e ordenou que deixasse o local. João Francisco obedeceu, mas no caminho ao se enraivecer pela humilhação passada, volta ao bar e atira no vigilante. Daí então sua vida torna-se quase constante na prisão por meio da vingança de outras autoridade e pelo preconceito sempre presente na mente cível. Uma estrela condenada pela aversão latente de uma sociedade pobre de mente.
Destarte, a criminalização da homofobia sinalizada e sentenciada na segunda década do século XXI é uma ferramenta tardia que integra toda a sofreguidão dos séculos passados; entes brilhantes obscurecidos pelo preconceito que os sufocou. Satã foi premiado como melhor transformista do Rio de Janeiro em um desfile carioca, mas teve seu reconhecimento dentro de uma delegacia, pela segurança civil estar debaixo da heteronormatividade, onde inclusive recebeu o nome de Madame Satã do próprio delegado por seu traje de um morcego pernambucano. A militância da causa não é e nunca foi o bastante, não importa quanto se mostre presente a diferença e quanto se mostre normal mesmo na não semelhança; o preconceito sempre encontra argumentos para combater, agredir e não aceitar qualquer que seja a opção díspar da própria. Deste modo, quando a vida de um ser corre perigo, quando a saúde mental do indivíduo encontra entrave e quando as suas atividades profissionais e acadêmicas sofrem sanção, o crime é descoberto, o crime é imperativamente mostrado, o crime é reconhecido como sempre existente, e então o crime urge ser sufocado.

Madame Satã e a ADO 26


O filme “Madame Satã” (2002), direção de Karim Aïnouz traz a história de João Francisco dos Santos, interpretado por Lazaro Ramos, sujeito homossexual que adota o nome artístico de Madame Satã para  realizar suas performances transformistas  em um cabaré na periferia do Rio de Janeiro, na Lapa. O filme narra um curto período da vida dessa personagem real, focando no período que passa por sua transformação. O drama se passa no século XX em 1930, em um contexto de sociedade racista, homofóbica, classista, com ideologias de uma heranças escravocratas e extremamente desigual. Uma conjuntura não muito distante da sociedade atual.
            João Francisco dos Santos  no inicio do filme é descrito,tendo com base em um registro de um processo judicial interpolado contra ele, como “Desordeiro. Pederasta passivo. Usa suas sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas, alterando até a própria voz. Não tem religião alguma. Fuma, joga e é dado ao vício da embriaguez. Exprime-se com dificuldade e intercala, em sua conversa, palavras da gíria de seu ambiente. É de pouca inteligência. Não gosta do convívio da sociedade por ver que esta o repele, dados seus vícios. É visto sempre entre pederastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível social. Inteiramente nocivo à sociedade.”. Em tal explanação do perfil de João dos Santos evidencia o olhar pejorativo e marginalizador sobre um indivíduo negro, filho de escravos, homossexual, travesti e pobre. Madame Satã representa um grupo de indivíduos que por conta de suas particularidades e pelo simples fato de serem quem são sofreram e ainda sofrem discriminações e  são criminalizados.
            A criminalização devido a orientação sexual e identidade de gênero tem como exemplo uma operação de caça as travestis realizada pela Policia Civil de São Paulo, na década de 1980.  A operação ficou conhecida como “Operação Tarântula” e consistia em uma iniciativa própria dos policiais em prender arbitrariamente travestis na capital, a ação usava como pretexto o combate a Aids. A ação foi aplicada por um curto período, sendo suspensa por pressão de um grupo de defesa dos direitos LGBT. Mas mesmo com a vida curta da operação muitas trans e travestis foram perseguidas, um levantamento mostra que foram mais de 300. Ataques como este demonstram a posição de vulnerabilidade em que a comunidade LGBTQ+ se encontra, a repressão e violência contra o grupo sempre ocorreu e atualmente não é diferente.
         Diante disso, fica muito evidente a importância de colocar em pauta no judiciário a defesa dos direitos dos LGBTQ+ . Se não fossem ativistas fazendo pressão e repudiando a ação da polícia, no caso da operação Tarantula, o número de travestis e mulheres trans perseguidas e assassinadas seria muita mais expressivo. Estou me referindo a vidas humanas que são tiradas a cada 23 horas  no Brasil, repito, apenas por serem quem são; a expectativa de vida, em pleno 2019 ,das travestis é de apenas 35 anos, enquanto para um homem é de 73 anos.
Compreendendo a necessidade de amparo legal e concretização dos direitos de igualdade para esse grupo, foi requerido a  a ADO 26 em  buscando a criminalização de todas as formas de homofobia e transfobia e especificamente, como disposto no acórdão do STF, “Obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima, por ser isto (a criminalização específica) decorrência da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (art. 5º, XLII) ou, subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI) [...]”. A ação de inconstitucionalidade foi aceita e o acórdão foi no sentido de criminalizar as condutas homofóbicas e transfóbicas. A decisão que o Poder Judicial adotou, em decorrência do histórico de preconceitos, perseguições, violências sofridos pelos LGBTQ+ , representado no filme “Madame Satã”,  não poderia ter sido contrária. Firmou-se com ela um grande avanço para a proteção material de direitos desse grupo, além do fato de ,como afirmou  Michael W. McCann (Poder Judiciário e a mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”), os Tribunais são Instituições que com suas decisões geram um estopim de mudanças sociais e paradigmais, assim,com essa criminalização o tribunal consegue influenciar a sociedade e gerar as transformações reais em busca da proteção do direito a vida, igualdade e liberdade para a comunidade LGBTQ+.

Lívia Alves Aguiar  1ºAno - direito matutino

Madame Satã: a conquista de direitos através da arte


“... é conhecidíssimo na jurisdição desse distrito policial como desordeiro sendo frequentador da Lapa e suas mediações. É pederasta passivo, usa as sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas alterando até a própria voz. Não tem religião alguma. Fuma, joga, e é dado ao vício da embriaguez. Sua instrução é rudimentar, exprime-se com dificuldade e intercala em sua conversa palavras da gíria de seu ambiente. É de pouca inteligência, não gosta do convívio da sociedade por ver que esta o repele dado os seus vícios. É visto sempre entre pederastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível social. Ufana-se de possuir economias, mas como não ofere provento de trabalho digno, só pode ser essas economias produtos de atos repulsivo ou criminosos.[...] É um indivíduo de temperamento calculado, propenso ao crime, e por todas as razões inteiramente nocivo à sociedade.”
                  É com esse discurso que o longa metragem “Madame Satã” se inicia. Falando da vida de João Francisco dos Santos, o filme irá tratar de questões que sempre serviram, no meio social, como forma de exclusão total desses indivíduos da sociedade. Pessoas assim como João: negro, pobre, homossexual, travesti, sempre foram vítimas da intolerância pautada em toda uma história de preconceitos e batalham dia e noite para obterem sequer o mínimo de espaço no mundo, fazendo com que sua voz seja ouvida. Seja essa voz sendo explicitada na arte, na luta e até mesmo da quebra de regras, como forma de romper com a ordem instalada, feita para compreender e responder aos anseios de uma classe dominante.
                Um filme que trata dos indivíduos marginalizados pelo meio social é de extrema importância para se compreender as formas de se conquistar os direitos já garantidos pela constituição à todas as pessoas, porém que não se cumpre. Vemos pessoas que não se encaixam no padrão estabelecido pela sociedade sobre o que é certo ou errado, e que automaticamente serão ignoradas, marginalizadas e violentadas de diversas formas. Madame Satã é um ícone de ressurgência, não só carrega uma profundidade personalística como também expele seus desejos de mudança, de conquista por um espaço livre. Livre de amarras ao preconceito, à intolerância, à justificativa racial de crime e desordem pautada em pensamentos repulsivos de superioridade.
                     É com o documento ADO 26 que será exigido legalmente que questões como a homofobia, sejam criminalizadas o mais rápido possível. Com a união de grupos que fazem parte da mesma realidade que João da Silva será possível questionar essa vivência sofrida que inspirou um contingente de pessoas significativo, e também, explorar quais são as razões que fazem com que essas pessoas compartilhem da mesma vivência. Apenas através da luta pelo direito de fato, irão se obter conquistas válidas que poderão fazer jus à todos aqueles personagens da historicidade que lutaram antes por essas mesmas concessões, por esses mesmos direitos.


Beatriz Dias de Sousa,  1 ano Direito - noturno

A continuação do preconceito

Em meio ao século XXI, apesar de diversos avanços científicos e culturais, ainda há a existência de inúmeras formas de preconceito. Como mostrado no filme de Karim Ainouz estreado em 2002: Madame Satã, apesar de estarmos inseridos em uma sociedade teoricamente evoluída ainda há a continuação do preconceito, no caso do filme da homofobia vivenciado pela personagem principal João Francisco dos Santos, uma travesti que resiste em meio a uma sociedade preconceituosa e intolerante.
O preconceito contra pessoas da comunidade LGBTQ+ ainda é muito grande em países como o Brasil. Em pleno 2019 ainda há a discussão de um julgado no STF para a criminalização da homofobia adjunto a outras formas de preconceito como o racismo.
O pensador McCann em sua obra não trata especificamente da homofobia, entretanto, discute o racismo. Porém, podemos relacionar o racismo diretamente com a homofobia, uma vez em que ambos tratam de uma ideologia que prega a superioridade/ inferioridade de um determinado grupo em relação ao outro. Assim, o legislativo tendo o dever de elaborar uma legislação que combata o racismo deve também combater a homofobia e a transfobia, podendo sua omissão ser considerada uma omissão inconstitucional parcial.
Giovanna da Fonseca Lopes – 1º ano Matutino

As lutas de Madame Satã como referência para a criminalização da homofobia


O filme relata a história de João Francisco dos Santos, um garoto negro, filho de escravos, com pouco ensino escolar e, mesmo diante de todas as críticas e preconceitos, homossexual. Residia na cidade do Rio de Janeiro. João tem sua orientação sexual assumida, independente de qualquer repressão social sobre o tema, e inicia sua carreira nas noites da cidade como Madame Satã – personagem comentada até a atualidade no Brasil por seu símbolo de resistência e de combate à marginalização social por conta de orientações sexuais diversas.
Nota-se que, no filme, são retratados temas relacionados diretamente com a atual situação brasileira em que os preconceitos, a marginalização de indivíduos e a repressão social estão em uma taxa de crescimento elevada. No início da obra, João, ao momento de sua prisão, recebe adjetivos danosos como “rudimentar” e “dotado de pouca inteligência”, além disso, é classificado como propenso a cometer delitos e crimes no meio social. Se relacionarmos este momento inicial com a ADO 26 nota-se que os objetivos dos grupos LGBT’s na contemporaneidade referem-se ao respeito de escolha individual na sociedade, fazendo com que toda discriminação, repressão e preconceitos sejam anulados a fim de construir um meio social seguro à todos, independente de qualquer característica pessoal.
A semelhança entre os aspectos, lutas e características fundamentais do filme e os valores discutidos pela criminalização da homofobia são notórias. Percebe-se que, em ambas, a legitimidade individual e as lutas judiciais buscam um bem comum na sociedade fazendo com que haja uma igualdade entre pessoas e o fim dos danos físicos e psicológicos causados pelas práticas de agressão motivadas pelo ódio à orientação sexual dos indivíduos.
O debate a cerca do filme “Madame Satã”  foi efetuado na Unesp Franca e teve como objetivo demonstrar a necessidade real das lutas contra homofobia na sociedade. Os participantes do evento relataram suas vivências e constantes projetos sociais que tem por objetivo acabar com o preconceito enraizado no Brasil e com o caráter conservador existente na mente de grande parte da população.
Portanto, deve-se relatar que as lutas dos grupos LGBT’s são de grande importância não só para os próprios indivíduos identificados com tais orientações sexuais e diferenças de gênero, mas também para a sociedade brasileira em geral, tendo em vista que, com a aprovação da ADO 26 e a criminalização da homofobia, nosso país busca uma quebra no paradigma histórico e social de preconceitos e demonstra uma ampla tentativa de se manter um meio social próprio com bases democráticas pré-estabelecidas em que todos os indivíduos tem seus direitos e deveres, sem restrições quaisquer.


Tomás do Vale Cerqueira Barreto - 1ºano de direito noturno

Madame Satã em Perspectiva da Mobilização do Judiciário


Madame Satã, um filme de 2002, baseado em fatos reais retrata João Francisco dos Santos, ou artisticamente referido como Madame Satã. Foi um travesti, negro e homossexual no Rio de Janeiro, mais especificamente bairro da Lapa (conhecido na época por seus cabarés), na década de 1930.
O filme retrata muito bem a exclusão das minorias sociais. Uma das cenas que evidenciam isso com clareza é a ida à boate “High life club”, lugar frequentado majoritariamente pela elite. João e seus amigos são barrados na porta e como resposta madame Satã agride os seguranças. Outra cena impactante é, João sendo preso por homicídio em decorrência da homofobia.
Ainda assim, o número de ataques a população LGBT só foi aumentando durante muito tempo, há de se informar que o Brasil é o pais que mais mata e discrimina transexuais e afins, também é relevante informar que segundo o Grupo Gay da Bahia em 2013, com os dados referentes ao ano de 2012, a violência homofobica e transfobica cresceu 166% em relação a 2011, tendo sido registradas 9982 violações, das quais 310 foram homicídios.
Referente ao cine debate ocorrido na VI Semana de Sexualidade e Gênero, as palestrantes relataram de forma veemente a luta das pessoas LGBTs, dando enfoque às travestis. Por muito tempo essa parcela da população foi enfaticamente excluída da sociedade e criminalizada. Como prova, assim como foi dito na palestra podemos citar a Operação Tarântula (ou caça às travestis), ocorrida no Rio de Janeiro durante os anos 1970 e 1980. Tais atos consistiam em travestis e prostitutas se cortarem para que policiais não as relassem por medo de DSTs, em especifico AIDS, e assim não as prendessem e matassem.
McCann, trabalha sua obra em cima da mobilização do judiciário em perspectiva de seus usuários, tendo em vista que as minorias sociais devem buscar seus interesses e valores, e assim subverter os princípios do direito, o utilizando como ferramenta de interação política e social. 
Diante desta análise, tem-se a ADO26 referente a criminalização de atos LGBTfóbicos, aprovada pelo STF em 2019. Com a ação de inconstitucionalidade por omissão o judiciário buscou reduzir as manifestações de homofobia bem como transfobia persistentes na sociedade, assim regulamentando algo que há muito tempo deveria ser feito diante da situação de vulnerabilidade persistente á esta comunidade.
Perante os fatos supracitados é possível concluir que tais enfoques sociais, ainda sim frente às realidades tão equidistantes, a mobilização do direito é essencial. Pois, diante da omissão do legislativo, e ainda de minorias tão frágeis e invisibilizadas por parte da sociedade. Madame Satã é a representação dessas minorias em busca de direitos, estes muitas vezes só adquiridos pela mobilização do judiciário.

O Retrato de Madame Satã

  O desenrolar da história apresenta o mundo que rodeia a personagem com o intuito de retratar a vivência dentro de um universo invisível, onde se fazem presentes, a prostituição, a pobreza, o racismo, a homofobia e toda a violência de uma sociedade calada frente ao preconceito e à intolerância vigente. Inicialmente, João, Madame Satã, tem muitas características tipicas do estereótipo malandro carioca sendo que este vive na boemia, é bom de briga e aplica pequenos golpes em pessoas desprevenidas. Também é aspecto principal da obra o fato de que ele é declaradamente homossexual, e dessa forma, deixa esse traço evidente em um diálogo memorável, no qual diz: “Eu sou bicha porque eu quero, mas não deixo de ser homem por isso não”. Trazendo igualmente uma concepção homofóbica do entendimento da homossexualidade e sua forma de expressão.
  Relacionando o contexto do filme com julgado acerca da criminalização da homofobia, é possível deixar algumas questões em destaque. O tema principal dessa discussão, intrínseca a ambos, baseia-se no d
ireito fundamental à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero (extraível do art. 3º, inc. IV, da CF/88), visto que "ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação", palavras do Ministro Celso de Mello. Entretanto, o que se nota nas relações cotidianas é uma "banalidade do mal homofóbico", adaptando a expressão de Hannah Arendt, enquadrando-se na realidade na qual as pessoas comuns se acham detentoras de um "direito" de agredir, discriminar, ofender, ou em casos extremos, matar outras pessoas pelo mero fato de sua orientação sexual ser "diferente". 
  Colocando em pauta também o tópico sobre a liberdade de expressão e relacionando-a ao tema, pode-se dizer, em síntese, que a liberdade de expressão não garante o direito a discursos de ódio e à disseminação do preconceito e da discriminação contra determinado grupo social e dessa maneira, não pode sobrepor-se à dignidade da pessoa humana. Agora, retornando ao filme, Madame Satã é lírico, marginal, sujo e perfumado ao mesmo tempo, e enquadra diversas questões que precisam de maior visibilidade e discussão pertinentes.
   Contemplando tudo comentado e como desfecho, se faz necessário tornar possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.



Sofia Ferrari do Valle - 1º ano matutino - postagem extra


À Madame Satã que ninguém vê

     
                   "Madame Satã" é um filme nacional extremamente provocativo, ao mesmo tempo que não deixa de refletir uma certa contemporaneidade em seus mosaicos cinematográficos. Lançado em 2002, dirigido por Karim Ainouz e estrelado por Lázaro Ramos, o longa metragem conta a história de João Francisco dos Santos. É num bairro periférico do Rio de Janeiro ─ já em grande parte associado à vida marginalizada ─ a Lapa, em 1930, que a trama se sucede. A personagem principal é primeiramente apresentada em uma delegacia, onde sua descrição para ser fichado é feita por um policial: preto, pobre, homossexual, já tendo sido processado por diferentes tipos de crime, incluindo agressão e homicídio, assim descrito pelo narrador como “propenso ao crime”.
Em contrapartida ao esperado, considerado não só o contexto histórico-social como também político em que o enredo transita, João Francisco sem medo apresenta sua sexualidade assim como se identifica e nas noites cariocas em uma casa de show é conhecido pela personagem “Madame Satã”, após ganhar um concurso de fantasia do bloco Caçadores de Veados no carnaval.
“bicha, crioulo, viado, safado, boca de chupar-rola”, são palavras gritadas por um homem embriagado em meio a multidão em uma de suas apresentações. Diante de tais agressões, João leva dele um soco no rosto, posteriormente, em fúria assassinando-o com três tiros – e é condenado a dez anos de prisão.
Assim como cita Anselmo Peres Alós, Mestrando em estudos literários na Universidade Federal de Santa Maria, em  “A rubra ascese queer de João Francisco dos Santos: Madame Satã, do testemunho às telas”:

“Enquanto a polícia mobiliza o discurso médico-jurídico para construir a identidade doentia, marginal e criminosa de João Francisco, ele próprio utilizará uma linguagem não-verbal para se constituir como um 
híbrido de convenções masculinas e femininas”.

Fato é que, ao mesmo tempo que se tem representados diferentes tipos de agressões, não há que se discutir que um cidadão desde que nascido, colocado a margem da sociedade compondo minorias como negro e homossexual, que ainda atua em performances com transformações de gênero – não é hoje uma grande parte da realidade contemporânea. Contudo, uma mobilização do Direto frente à essas dificuldades, pela própria ideia de existência, como a  Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, movida pelo o Supremo Tribunal Federal (STF), transcendem preconceitos herdados e reproduzidos nas diferentes esferas da sociedade, inclusive jurídica. A inclusão de atitudes LGBTfóbicas em alinhamento à Lei nº. 7716/1989, que pauta o  racismo foi intensamente discutida, sendo acatada pelo órgão em face do crescente e violento número de agressões, não só verbais como físicas, provocadas à essa minoria.
Cientes que casos como os vivenciados por João Francisco aconteceram, acontecem e mesmo com a nova decisão do STF vão continuar acontecendo, muitos os quais nunca ouvimos nem ouviremos falar, caminhar por meios democráticos à um novo caráter de existência reconhecido juridicamente, é um passo que deve ser assim considerado "à madame satã que ninguém vê". Que ninguém quer ver, que ninguém quer ouvir, que ninguém quer saber - e que todo mundo finge que não existe, mesmo estando ao nosso lado.  

Existir


O filme Madame Satã (2002), estrelado por Lázaro Ramos, exemplifica claramente a vida dificultosa daqueles que são distintos de padrões construídos e impostos socialmente. Nesta perspectiva, o preconceito enraizado, a discriminação e a falta de oportunidades presentes na vida de indivíduos integrantes de grupos minoritários é exposto com exatidão no longa demonstrando os obstáculos que Madame Satã luta para conquistar seu espaço e realizar seus anseios de ser conhecida artisticamente. Essa situação, mesmo que ocorrida na década de 30, ainda é realidade do grupo LGBT principalmente de pessoas transgêneros e transsexuais que diariamente são vitimas de piadas e até mesmo correm o grande risco de morte em uma sociedade patriarcal e machista.
Diante deste quadro, é de extrema importância que em espaços educacionais, como a universidade, tragam essa discussão ao público para que esses indivíduos excluídos e marginalizados possam ter voz na comunidade. Assim, a VI Semana de Sexualidade e Gênero, evento organizado por alunos da Unesp, trouxe a questão em debate baseando-se no filme citado acima e o relacionando com o que muitas pessoas ainda vivenciam diariamente, o preconceito. Dessa forma, houve informações históricas sobre grupos no Brasil que buscavam a eliminação cruel desses indivíduos para que a ordem e o poder fossem mantidos.
Neste sentido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 aborda sobre a criminalização da homofobia e transfobia apresentando um grande passo para aqueles que precisam notoriamente da proteção do Estado. E também, para o ministro Lewandowski, esse passo do judiciário é antes de tudo obrigatório, uma vez que a Constituição prevê a punição de qualquer tipo de discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais presentes no artigo 5°, inciso XLI. Desse modo, a mobilização do direito tem papel de extrema importância para que não só diversas vidas brasileiras sejam resguardadas, mas também de diversas Madames Satãs que apenas desejam ter seu direito básico de existir.

Ana Laura Albano – 1° Direito (noturno)

Madame Satã, uma história atual


                O filme Madame Satã, conta a história de João Francisco, homem negro, homossexual e pobre, que morava no Rio de Janeiro da década de 1930. História essa inspirada em fatos reais, em um homem real. À vista disso, o filme retrata não apenas essa história em específico, mas a condição marginalizada na qual viviam esses grupos minoritários naquela época.
                Apesar de João apresentar características do típico malandro carioca, sempre assumiu com orgulho sua sexualidade, algo inédito para seu tempo. Assim, Madame Satã foi o nome artístico adotado por ele para realizar suas performances em algumas casas noturnas da Lapa.
                Como homem pertencente a um grupo socialmente minoritário, João sofreu muito preconceito e perseguição, principalmente policial. Entretanto, é possível identificar que, apesar de grandes conquistas, tanto do movimento negro quanto do movimento LGBTQ+, a condição social de pessoas como João não mudou tanto desde 1930.
                Ainda assim, é necessário celebrar cada mínima conquista, pois ela representa um passo em direção a um futuro melhor e mais igualitário. A mais recente dessas conquistas foi à criminalização da homofobia pelo STF. A ADO n°26 julgada, junto a Lei de Racismo, criminalizam todas as formas de homofobia, tanto psíquicas quanto físicas, justamente pelo grupo LGBTQ+ ser historicamente vulnerável e oprimido. Uma vitória para todas as “Madames Satãs” existentes Brasil afora.


Paula Fávero Perrone   1° ano direito-matutino

A relevância da criminalização da homofobia haja vista o filme “Madame Satã”


O filme “Madame Satã”, lançado em novembro de 2002, expõe a realidade de diversas travestis desde a época por ele abordada (anos 30) até os dias atuais. A obra dirigida por Karim Ainouz retrata a vida de João Francisco dos Santos, sujeito que por ser preto, pobre, ex-presidiário e homossexual preenchia todos os requisitos para se encaixar nos padrões de marginalização social da época e que, ainda assim, performava nos bares noturnos com o nome artístico de “Madame Satã”.

Nesse sentido, o cine-debate realizado na VI Semana de Sexualidade e Gênero na Unesp-Franca trouxe duas integrantes transexuais do Coletivo “Casixtranha” de Araraquara para o enriquecimento da discussão. Em suas falas, trouxeram, dentre outras contribuições, a discussão a respeito da vida das travestis, transexuais e performistas ainda no cenário que sucedeu àquele retratado pelo filme, tendo em vista que durante a própria Ditadura Militar foi realizada operação que objetivava o encarceramento desses grupos nas ruas de São Paulo (Operação Tarântula), levando-os a situações extremas para que as prisões fossem evitadas, como a automutilação visando ao afastamento dos guardas policiais que receavam contrair supostas doenças.

Destarte, a pauta da criminalização da homofobia chegou no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de duas ações judiciais: um Mandado de Injunção (MI 4733) requerido em 2012 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), solicitada pelo Partido Popular Socialista (PPS) em 2013. Nas ações, solicitam uma maior especificidade na Constituição Federal a respeito de práticas homo e transfóbicas, mormente em seu artigo 5°, visto que aborda a punição à “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Por 8 votos a 3, a homofobia e a transfobia foram consideradas crimes, incluídas, para tanto, no crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989 e por 10 votos a 1 a mora do Congresso Nacional em legislar sobre tais crimes também foi reconhecida.

Sucede-se, então, a discussão da efetividade da criminalização da LGBTfobia acomodada pelo STF ao levar-se em conta toda a situação acima exposta em que se insere o público LGBTQIA+. De forma geral, mostrava-se clara a necessidade de uma intervenção que abrangesse efeitos morais, isto é, que chamasse a atenção do povo brasileiro ao cenário de violência em seus diversos aspectos a que é submetido esse grupo e, obviamente, efeitos pragmáticos, de modo que esse cenário seja, gradativamente, extinto do contexto social brasileiro.

Entretanto, uma das pautas mais abordadas pelos integrantes do Supremo foi a mora do Legislativo, ou seja, toda a desatenção e atraso na discussão de assuntos que necessitam de soluções cada vez mais imediatas, dentre os quais se encaixa a LGBTfobia. Ora, é claro que deve-se relembrar a problemática da imbricação dos poderes, já abordada por Montesquieu, que demonstra a interposição e a confusão de funções atribuídas aos três poderes, mas, além disso, deve-se relembrar o sistema de freios e contrapesos, que admite a regulação do poder pelo próprio poder, legitimando, no caso, a atuação do Judiciário já que é visível a movimentação do Legislativo em sentido contrário.

Logo, para que o filme “Madame Satã” torne-se cada vez menos atual e mais emblemático, é necessária a luta popular visando à efetivação da decisão do STF, a fim de que esta questão não tenha sido trazida à tona com a mera pretensão do Judiciário de “livrar-se” por ter “feito a sua parte”, sobressaindo, então, a ideia de reparação de danos à um grupo populacional brasileiro que tem sido vítima do preconceito e da violência desde o seu surgimento.

Turma XXXVI - Direito Matutino