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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021


O pensamento do Norte, ou seja, o branco, eurocêntrico, patriarcal e capitalista, permeia todas as esferas da sociedade ocidental, estende suas raízes para todos os aspectos da nossa vida cotidiana e, para o Direito, não poderia ser diferente. De acordo com Sara Araújo, em seu artigo “O Primado do Direito e suas exclusões Abissais: reconstruir certos conceitos, desafiar o cânone", o Norte (hegemônico) deslegitimizou e diminuiu o Direito, a cultura, do Sul (oprimido). Tudo que não fosse de interesse para a sociedade capitalista, tudo que não pudesse gerar lucro de alguma forma, foi descartado e rotulado como atrasado, selvagem o herege. O mundo já não é feito para as pessoas, mas sim para o capital, para a propriedade privada, e nosso Direito reflete isso.

A dinâmica de colonizador-colonizado não acabou no século passado, ela continua viva e o Direito atual nada mais é do que uma ferramenta para manter essa dinâmica opressora funcionando. Não há abertura para outros pensamentos que não sejam aqueles dentro do padrão estabelecido por uma elite branca, cis e hétero. O Direito, quando exercido para punir aqueles que saem da norma, sempre funciona para qualquer classe fora dessa esfera, estranhamente falhando quando em conflito com tal elite. Quanto aos direitos garantidos, há uma seleção de quando os Direitos Humanos são úteis ou não. A justiça só existe quando para defender o capital.

Nesse contexto, o julgamento para conceder a gratuidade de uma cirurgia de mudança de sexo exemplifica muito bem como o direito não tem em mente o bem estar do ser humano. Uma mulher transsexual estava encaminhada para fazer sua cirurgia de mudança de sexo quando o hospital de sua cidade avisou que eles não mais ofereceriam tratamento para ela ou qualquer pessoa trans, fossem hormônios ou a própria cirurgia. O único local que oferecia a cirurgia era um hospital particular, com o custo de vinte mil reais. O fato de uma cirurgia extremamente importante para a saúde psicológica de uma parte da população não ser oferecida de graça, como qualquer outro procedimento, e, com isso, ser necessário o desgaste de entrar na justiça para conseguir algo que deveria ser um direito demonstra que a lei não se importa, de fato, com os cidadãos. 

A monocultura do jurídico, focado no pensamento eurocêntrico, é um dos grandes fatores culpados por constituições e leis falhas que visam apenas o interesse de um grupo hegemônico. Buscar em outros lugares, em outras culturas, formas mais humanas de se lidar com certas situações, não apenas tomar nosso sistema atual como a melhor expressão de um sistema jurídico, ajudaria a quebrar certas correntes. Apesar de quase tudo à nossa volta nos envolver em uma bolha dos ideais do Norte, uma bolha que parece muito difícil de se estourar, nosso planeta é muito rico em pensamentos, ideias, culturas. Precisa-se democratizar, portanto, o acesso à educação, para, assim, estimular o pensamento crítico e despertar o interesse em buscar formas mais efetivas de se defender o interesse público, não apenas de uma parcela da sociedade.


Isabelle Carrijo Mouammar - Matutino


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