Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade.
(Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
O
pensamento de Durkheim acerca dos comportamentos e instituições organizados
pela sociedade vem da análise das funções e necessidades que essa cria. Toda a
funcionalidade de uma organização de indivíduos seria, portanto, fruto da sua
própria criação, atendendo a interesses coletivos e privados, que possam
alcançar um maior número de indivíduos – no caso, o “bem comum”.
Ao
mesmo tempo em que essas instituições são criadas pela própria sociedade, fica
cada vez mais difícil a criação de novos hábitos e costumes. Ao nascer, o
indivíduo já tem o nome, o estilo de vida, a sua classe social, sua língua,
enfim, todo o aparato do corpo social em que ele estará submergido. Dessa
forma, cria-se uma contradição: é a própria sociedade que cria os seus
mecanismos e as suas necessidades, ou as instituições são impostas por classes
dominantes, atendendo a interesses políticos e comerciais?
Yasmim Silva Fortes - 1º ano noturno
As Baratas Durkheiminianas
Gregor Samsa
era um homem normal, caixeiro-viajante, trabalhador, sustentava sua família com
suas atividades laborais. Suas responsabilidades familiares não eram nada mais
do que sua obrigação quanto cidadão de boa moral, mesmo que isso lhe custasse à
renúncia de seus desejos e de suas expectativas pessoais. Tudo mudou em uma
manhã qualquer, quando, após um sonho agitado, viu que se transformara em um
inseto monstruoso. Suas pernas foram transformadas em inúmeras articuladas
patas, suas costas agora estavam duras como couraça e o seu corpo se resumia a
um todo asqueroso de quitina marrom. A família desesperada não entendia a
mutação, procuraram ajuda, chamaram médicos, precisavam trazer de volta o seu
querido Samsa. Não houve jeito, a mutação estava completa e imutável, o que
restava era abandonar aquela aberração em
seu quarto, esquecido e escondido como um escândalo familiar. Com o tempo Gregor
foi esquecido, permanecia vivo apenas pela ajuda de sua irmã que lhe levava
algum alimento esporádico. Era uma aberração, nada além disso.
A obra
kafkaniana metaforiza com excelência o estado de anomia social descrito pelo
sociólogo Émile Durkheim. A negação da individualidade em detrimento ao bem
estar coletivo configura um fato social, pois o indivíduo sente-se coagido pelo
pensamento massivo que lhe impõem regras sociais a serem cumpridas. Dessa forma,
muitas vezes a normalidade não é algo natural, mesmo que para o indivíduo possa
parecer como tal. A normalidade seria, por sua vez, um estado de consciência coletiva,
que dita às normas sócias a serem seguida; e qualquer indivíduo que ouse
infringir essas normas é castigado pela crítica coletiva ou até mesmo pelos
ordenamentos jurídicos, já que, segundo durkheim, a maioria dos fatos sociais
tendem a serem normatizados.
A sociedade
assume, assim, uma forma organicista. Os indivíduos são partes de um corpo
social, cada um exercendo uma função especializada, que, na somatória das
partes, surgiria como um todo funcional e equilibrado. Essa visão organicista,
apesar de fornecer uma análise funcional e objetiva ao ordenamento social,
enquadra o diferente como um tumor. Outrossim, cada indivíduo estaria reduzido
a uma engrenagem de uma máquina,isto é, uma célula de um corpo social.
Gregor Samsa
ao deixar de cumprir sua função de trabalhador e mantenedor da família,
torna-se um tumor social, pois desrespeita os ditames da consciência coletiva.
Assim, assume a forma de barata, um ser repulsivo, a excreção desse corpo
social consolidado. Contudo, a quitina que lhe enrijece o corpo serve como um
instrumento de libertação da alma. Ao senti-se abandonado pela família e pelos
amigos, Samsa analisa, depois de muito tempo de trabalho robótico, o sentido e
a veracidade de sua vida anterior.
Dessa forma
surge o questionamento: Valeria a pena a negação de sua individualidade para a
manutenção de uma ordem estabelecida? O personagem de Kafka morre sozinho,
escondido e esquecido, mas mantém a sua forma de inseto. Talvez seja realmente
essa a resposta: Antes ser essa mutação asquerosa que desafia a normalidade, do
que apenas seguir a moralidade imposta por uma sociedade caduca.
José Roberto Bernardo Bettarello - Direito Noturno
Conectando as ideias da
existência de um organismo social – que seria o conjunto completo formador da
sociedade – com a existência de “causas eficientes”, que, na visão
durkheiminiana, é a verdadeira causa de reprodução de acontecimentos dos fatos
sociais, encontra-se uma já montada planilha sobre a qual a sociedade se
desenvolve.
As instituições e as práticas
sociais surgem das “causas eficientes” durkheiminianas, que se vinculam ao
ordenamento geral do organismo social. Um belo exemplo que completa essa teoria
é a origem do Direito. Este surge da necessidade de haver um equilíbrio no
corpo social, isso é, na sociedade, não simplesmente da vontade – individual ou
não - de sua existência.
É interessante notar que muitas
de nossas características que rotulamos como base do que é o homem, ou seja,
rotulamos como inatas do ser humano são, na verdade, resultados dessa organização
social, podendo até ser explicados como resultado de certa impressão de
maneiras de agir, pensar e viver da sociedade. Dessa maneira, aquele pensamento
de que nossas ações são a base do corpo social, pode também ser rotulado como
mais um originado do próprio pensamento coletivo.
Assim, pois, podemos afirmar a
existência de uma dinâmica social responsável por linhas de raciocínio e
atitudes diferentes das que seriam tomadas pelos edificadores desse corpo
social, isto é, a coletividade não representa a junção do pensamento individual
das pessoas que a compõem. O pensamento coletivo é, por si só, autossuficiente no
quesito de existir.
O sociólogo, para Durkheim, não pode se valer de finalismos para a construção de suas análises. Ele deve buscar incessantemente as causas eficientes, isto é, as necessidades, que se vinculam ao ordenamento geral e ao organismo social, pelas quais os fatos sociais, a fim de supri-las, surgem. Além disso, deve-se evitar as explicações sociais baseadas puramente na psicologia.
As necessidades gerais dão margem à origem de práticas e instituições cujas funções sejam referentes ao restabelecimento da harmonia social. Dessa forma, tais práticas e instituições acabam consolidando-se de maneira a perpetuar a existência das causas de que derivam. Nota-se, nesse contexto, que o cumprimento das funções não é intencional, como uma abordagem finalista pode aparentar, mas instintivo aos indivíduos.
O tempo pode fornecer base para que as práticas se modifiquem. Isso ocorre de tal forma que a mudança seja estritamente relativa à funcionalidade, ou seja, de modo que a aparência do fato social permaneça inalterada.
A sociedade consiste na expressão da consciência coletiva. Esta não representa, entretanto, a soma das consciências individuais, já que as individualidades podem se combinar de infinitas maneiras. Cada uma dessas formas apresenta, portanto, características únicas que a distingue das demais. Assim, é impossível que se explique acertadamente fatos sociais por meio de acepções psicológicas, pois isso elimina a especificidade dos fenômenos.
Moldes mentais
“Não
podemos escolher a forma de nossas casas, nem nossas roupas, pois uma é tão
obrigatória quanto a outra.” Durkheim defendia que o indivíduo é fruto das
imposições sociais, logo tudo aquilo que lhe parece característico, individual
e psicológico nada mais é do que disposições engendradas pelo social. Ora,
muitos dos costumes de uma determinada sociedade são evidentemente moldados
para determinados fins: o ciúme é incutido em sociedades monogâmicas, a “profissão
de fé” é imposta desde a infância, a própria opção sexual é determinada desde o
nascimento quando defini-se que o quarto de um menino é de todo azul, ao passo
que uma garota é permeado pelo rosa.
Desta
forma, segundo o pai da sociologia moderna, a sociedade não representaria a
soma das consciências individuais, mas sim a “expressão de uma consciência de
outra natureza, com outro conteúdo, a consciência coletiva.” Ou seja, as
disposições individuais não explicam o caráter geral dos fenômenos sociais.
Flexibilização saudável
Saúde.
Virilidade. Longevidade. Durkheim, ao denominar a sociedade como um organismo,
salienta que tais itens anteriormente citados só podem ser adquiridos caso cada
instituição, cada ser componente da sociedade cumpra sua função. Tal função é
incumbida a uma pessoa anteriormente à possibilidade de realizar escolhas de
maneira autônoma. O disciplinamento desde o
nosso nascimento objetiva o enquadramento em papéis específicos, os quais são
denominados “solidários” por Durkheim. Solidariedade a qual devemos compreender
como orgânica. Agir em prol de sua realização significa evitar a “anomia”, ou
seja, um colapso de todas as regras vigentes. E cabe ao Direito a reparação dos
tendenciosos ao caos.Contudo, após essa acepção
durkheiminiana, abre-se um leque de questionamentos: existe a possibilidade de
optar por qual papel específico seguir? A anomia, é realmente inválida em
quaisquer circunstâncias? O Direito, ao opor-se ao “colapso”, poderá sufocar
expressões revolucionárias, porém oportunas? Na área da saúde,
constantemente deparamos com novidades, as quais podem até mesmo refutar
anúncios anteriores. O ovo já passou de vilão para mocinho na alimentação. O
famoso “Biotônico Fontoura”
receitado por inúmeros médicos foi banido até alterar uma nova formulação, a
qual excluísse o álcool etílico. Aproveitando a linha
de raciocínio organicista de Durkheim, alcançar a verdadeira saúde do organismo
social também implica em constantes renovações. Portanto, se a medicina também está sujeita a
alterações na busca pela saúde, assim também está a sociedade ao almejar seu
bem-estar. Mulheres com isonomia salarial, possibilidade de uniões estáveis
homoafetivas, o homem exercendo funções domésticas, o negro conquistando seu
espaço na universidade. O não admissível passou, agora – mesmo que engatinhando
–a ser admissível. A sociedade, bem como sua solidariedade, necessitam de
flexibilidade e esse caráter deve refletir-se também no Direito, fazendo com que ele não seja sinônimo de dominação, e sim de
ponderação. Assim, a sociedade poderá usufruir de plena saúde.
Daniele Zilioti de Sousa - 1º ano Direito Noturno
Força coercitiva da sociedade
Émile Durkheim nos mostra seu entendimento acerca do funcionamento da sociedade em sua obra: As Regras do Método Sociológico. Nessa obra, ele apresenta um novo objeto de estudo para a sociologia - os fatos sociais.
Para Durkheim, o indivíduo é coagido a seguir as regras impostas pela sociedade em que ele vive, fatos sociais, portanto, suas ações são originadas a partir de um pensar coletivo, e não individual. Segundo ele, o fato social é algo que está implícito em nossa formação. É o que forja, a partir do indivíduo, o ser social
Com a finalidade de melhor entender a força coercitiva exercida pela sociedade, ele procura encontrar suas origens. Segundo Durkheim, as instituições sociais não surgem do nada, elas resultam das necessidades, de causas eficientes,que se vinculam ao ordenamento geral do organismo social.
Amanda Silva Trevisan,
1º ano - direito noturno.
Em seu livro As Regras do método Sociológico, Émile Durkheim compreende a sociedade como um corpo social, em que os indivíduos são as células formadoras.
Segundo Durkheim, quando há colapso das regras, das normas estabelecidas, começamos a viver em uma sociedade em que vale tudo, em estado de anomia. Desse modo, a sociedade quando se organiza constrói mecanismos para a sua manutenção.
Para Durkheim, a sociologia consiste em entender o que gera o fato social, ou seja, a sua causa eficiente, vital para a existência do corpo social. Os fatos socias nascem da necessidade do organismo social de equilíbrio e derivam de maneira imediata da natureza humana, seja ela primitiva ou derivada.
A sociedade é dinâmica segundo Durkheim, e a divisão do trabalho é um exemplo desse condicionamento interno. A divisão do trabalho é fruto de perspectiva social e não econômica, nasce das modificações do comportamento coletivo no âmbito da luta pela vida e estabelece que os homens dependam uns dos outros.
De acordo com Durkheim, a sociedade não representa a soma das consciências individuais. A sociedade é a expressão de uma consciência de outra natureza, a consciência coletiva. As consciências individuais são geradas pelas emoções e por isso não prevalecem, pois gerariam o caos.
Com
base nas ferramentas que Durkheim deixou em “As regras do método sociológico”,
é possível se fazer uma breve análise a respeito da grande divulgação e
reviravolta que o homossexualismo e, até mesmo, o casamento homoafetivo vêm
tomando com lugares de destaque no mundo atual, trazendo uma nova visão a esta
sociedade. EH importante citar que cada
indivíduo de um ambiente pode agir diferentemente frente a um mesmo fato, um
tentando modificar o primeiro e o outro tentando modificar a si mesmo. Partindo-se
do pressuposto de que é preciso entender a causa e a finalidade do novo fato
social, mas o trabalho de maior importância é saber se há correspondência entre
o fato considerado e as necessidades gerais do organismo social. Segundo o
próprio autor, torna-se mais eficaz o início pelas causas e posteriormente, os
efeitos. Primeiramente, um tópico
amplamente divulgado, com a ascensão de Marcos Feliciano à presidência da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias, é a forma com que a raça ou grupos étnicos
afetam a evolução social. Durkheim nega explicitamente tal afirmação usando o
argumento de que certos acontecimentos ocorrem em grupos étnicos totalmente
dessemelhantes, demonstrando que não se pode atribuir à raça. Já os efeitos devem ser
analisados segundo, principalmente, a sociedade e não de naturezas individuais,
já que elas são apenas a matéria indeterminada que o fator social determina e
transforma. Ademais, as lutas individuais nunca poderiam adquirir as formas
definidas e complexas que caracterizam os fenômenos sociais. Portanto, é mister utilizar-se
deste novo fato social e saber, principalmente, se a sociedade o estimula ou
refuta, podendo, assim, evoluir-se, uma vez que individualismos não têm vez
nesse segmento.
A análise do fato social proposta por Durkheim, tendo em
vista a anterior definição e abrangência do conceito de fato social, assume um
papel intrigante.
Posto tudo aquilo que o fato social pode conter, e descritas
as suas diversas formas de manifestação é possível olhar para o fato social de
forma pragmática. Apesar de ser um conceito criado para suplantar um método
sociológico, é possível observar numa óptica mais concreta e prática o que o
fato social resulta em sim.
Para tanto Durkheim propõe várias formas de fato social, analisando
a função que determinada relação social, por exemplo, exerce na sociedade num
todo. Não só relações sociais, como papéis sociais, comportamentos, tudo está intrínseco
no fato social. Dessa forma, pode-se distinguir com mais clareza os motivos e
causas de determinada ação social, além de tornar-se mais fácil enxergar as implicâncias
de um fato social.
Portanto, nota-se que o caráter intrigante que assume o
papel do fato social embasa-se no seu caráter selecionador. Durkheim não
discrimina nenhum tipo de fato social por mais que pareça negativo,
prejudicial, como roubos, ou até o suicídio. A partir de uma visão de certa
forma calculista, o método durkheiminiano propõe ressaltar o fato em sim, em seguida
as possíveis causas motivadoras, logo após os reflexos sociais que isso trará. Sendo assim, não se deve primeiramente julgar
um fato social sem antes saber qual função ele exerce na sociedade. Uma determinada
ação social, mesmo que essencialmente negativa, pode assumir um papel
importante na sociedade causando, por exemplo, um equilíbrio de forças.
Outro ponto a ser destacado é o caráter pragmático, ou seja,
tudo aquilo que o fato social engloba e todas em tentativas de negligenciar
determinado fato social (por exemplo, um médico renegar-se a trabalhar) relacionam-se
em si. E tais tentativas de negligência só se tornar válidas a partir do
momento que determinada ação não afetará o funcionamento e o andamento da sociedade,
do contrário é ilegítimo um profissional burlar suas responsabilidades
(anomias).
Ademais, Durkheim coloca de certa forma as anomias sociais
como fator que desanda e prejudica todo o andamento da sociedade. Além disso,
coloca desvios sociais como algo “normal” à medida que é impossível viver em
uma sociedade perfeita. Todavia, se há um exagero, um contingente exacerbado de
tais desvios isso afetará o funcionamento da sociedade em si, podendo gerar a
anomia, neste caso tais desvios devem ser combatidos e assim se justifica
determinadas punições sociais.
As obras da série “Feios”, escritas por Scott Westerfeld,
descrevem uma sociedade que exemplifica perfeitamente as idéias de Durkheim e
pode ser comparada de forma assustadora com a nossa. No mundo fictício
existente no livro, todos os adolescentes são considerados feios e vivem
isolados até que completem 16 anos e ganhem uma “maravilhosa” cirurgia plástica
que elimina toda e qualquer imperfeição, inserindo-os em um novo ambiente.
Há, logo no início, a imposição de um padrão, uma regra de
conduta já tão presente na sociedade que mal abre espaço para dúvidas e críticas,
como o fato social de Durkheim. Claro, ao longo das obras também é mostrada a
existência de um motivo e a verdadeira função dessa cirurgia obrigatória, que
tem conseqüências que vão muito além de questões estéticas. Outro ponto
interessante é como esta permite a vida em sociedade, a aceitação, e chega a
moldar até mesmo a personalidade dos novos “perfeitos”. Esse suposto equilíbrio
pode ser relacionado com o conceito de densidade dinâmica.
Também é possível notar o poder coercitivo do fato social,
pois aqueles que se recusam a fazer a cirurgia são completamente excluídos da
sociedade. Eles perceberam que havia algo estranho no sistema, ao contrário dos
perfeitos, que estavam ocupados demais se divertindo. Até mesmo as regras
burladas por estes já são atitudes esperadas que se tornaram perfeitamente normais,
não um início de revolução, mas apenas mais um fato social. Enfim, os livros apresentam
um tema que, mesmo envolvendo estética, aborda de certa forma mais o contexto político e social
do que a natureza humana em si.
Durkhein
acredita que o indivíduo é fruto das pressões da sociedade, logo, muito daquilo
que ele faz, pensa ou sente tem origem não individual, mas social. Essas regras
impostas são por si só coercitivas, uma vez que a pressão social é tão grande
que o indivíduo, mesmo quando nem chegar a quebrar uma delas, prefere na
maioria das vezes aceitar a imposição e se sentir incluído no grupo a sofrer
constantemente com esses atos coercitivos.
É
a partir da educação que o ser social é forjado, e aos poucos, as regras que
lhe são impelidas são interiorizadas, de modo que o raciocínio lógico e o tipo
adequado de comportamento são enraizados sem que o indivíduo chegue por conta
própria de que aquilo é a melhor atitude a se tomar. As formas de
comportamento, mesmo que expressadas por um único ser, são hábitos forjados na
dimensão do coletivo. Segundo o pensador, a própria estrutura política de um
país é um reflexo das decisões coletivas sobre as formas de sociabilidade.
Contudo,
onde o Estado não está presente, ocorre algo caracterizado por Durkhein como
“estado de anomia”, em que a lei que rege esses locais é a consuetudinária,
algo semelhante ao que ocorre nas favelas cariocas.
A
grande dúvida que surge, no entanto, é o que cria esse fato social? Eles não
surgem do nada, mas da necessidade de causas eficientes, vinculadas ao
ordenamento geral do organismo social. Para tal é necessário que os indivíduos
possuam condições internas que impliquem nesses fenômenos, como por exemplo a
divisão do trabalho, que resulta em modificações do modo de vida coletivo na
luta pela vida.
Enfim,
ele acredita que a sociedade não representa a soma das consciências
individuais, mas a expressão de uma consciência de outra natureza, a
consciência coletiva.
Pela obra de Émile Durkheim, As Regras do Método Sociológico, podemos ter uma ideia de como funcionam os mecanismos de nossa sociedade.
Durkheim afirma que os aspectos psicológicos influenciam na constituição dos fatos sociais, porém não são suficientes para explicá-los.
As práticas sociais não surgem do nada, mas sim da necessidades, ou seja, devem haver implicações dentro da sociedade que condicionem os fenômenos sociais.
O fato social representa as necessidades do organismo social, precisando a sociedade de uma resposta para a ação de um ou mais indivíduos que possam interferir na paz da mesma.
Além disso podemos constatar que um fato social explica o outro, ou seja o que ocorre na sociedade está sempre na vida em sociedade.
Émile Durkheim, ao conceituar o fato social como "todo aquele que independe do indivíduo e tem como substrato agir do homem em sociedade, de acordo com as regras sociais", mostra que cada cidadão tem seu papel bem delineado dentro do corpo social, independente de sua vontade particular. É a força do todo em detrimento do indivíduo.
Assim sendo, a sociedade apresenta-se como uma verdadeira engrenagem social, haja vista a necessidade de que todas as personagens estejam em consonância para seu perfeito funcionamento. O encaixe defeituso entre as engrenagens é chamado por Durkheim de anomia, ou seja, quando um indivíduo ou instituição não desempenha o papel a eles atribuídos, causado prejuízo para o funcionamento de toda a sociedade. A anomia, portanto, deve ser combatida pela mão forte do Estado, que é o responsável por manter em pleno funcionamento dessa engrenagem, que é a própria sociedade. E, para que isso seja possível, as individualidades devem ser cada vez mais sufocadas em nome do funcionamento das instituições sociais, como sintetizado nas palavras do próprio autor: "O grupo pensa, sente, age diferentemente da maneira de pensar, sentir e agir de seus membros quando isolados"
Sobre a observação dos fatos sociais, segundo Durkheim, podemos concluir que estes se estabelecem a partir da coerção externa que existe sob os indivíduos a partir do momento que se inserem na vida em sociedade. Isto se diz respeito a valores, hábitos e conceitos que são impostos sobre todos nos sem que percebamos, e acreditamos que isto partiu da própria consciência.
Estas situações são impostas inconscientemente, mas são necessárias para continuar o funcionamento do organismo social. Desta maneira esta imposição entra em conflito a idéia de livre-arbítrio, que se cria ilusoriamente a sensação de podermos fazer, e de que fazemos somente o que nos convém segundo a nossa própria consciência, o que esta diretamente ligada a influencia externa na qual estamos submetidos.
Estes costumes não são datados no tempo, mas são próprios de cada sociedade. Por isto, o pensamento de Durkheim foi importantíssimo para entendermos a nossa própria maneira de se comportar diante dos fatos cotidianos e as demais ações da sociedade. No entanto, este comportamento pode entrar em conflito com transformações que ocorreram através do tempo, e causam grande impacto em uma sociedade, ou então, gerar a alienação de uma sociedade inteira e desta maneira sua estagnação.
Em 2540, a vasta maioria da população vive unificada num
Estado totalitário em que a paz reina eternamente, a sociedade é absolutamente
estável, os recursos são infinitamente abundantes e todos – sim, todos, sem
exceção – são felizes. Parece bom? Essa é a realidade retratada pelo brilhante
americano Aldous Huxley em sua obra prima Admirável Mundo Novo.O livro foi lançado no longínquo ano de 1931, e fica mais
assustador conforme os anos passam e se percebe que nossa sociedade se
assemelha cada vez mais com a distopia retratada por ele. A discussão nesse
texto, no entanto, não é exatamente essa; será feita uma breve análise da
função e da aplicabilidade dos fatos sociais descritos por Durkheim no
indivíduo e na sociedade huxleana.
Em Admirável Mundo Novo todos os cidadãos são gerados em
provetas de laboratório, de maneira que são desde antes de nascer moldados para
se adequarem à casta que foram designados. O tipo de coerção exercida pelos
fatos sociais na obra vai muito além de hábitos e costumes intrínsecos à
sociedade, eles tornam-se coerções químicas, psíquicas e até mesmo físicas. Como no mundo de hoje,
por exemplo, altura é um atributo de beleza, portanto na obra os indivíduos das castas mais
inferiores recebem dentro do útero artificial inibidores que previnem um
crescimento correspondente a outra casta. Uma vez fora do útero, os bebês passam por um seríssimo
processo de doutrinação – para não dizer lavagem cerebral. O intuito dessa
doutrinação é fazer com que os novos cidadãos não só aceitem sua condição –
seja lá qual for – mas amem-na de maneira genuína. É claro que numa sociedade
alguns indivíduos terão que exercer tarefas de certa forma indignas, e o
processo de doutrinação é responsável por fazer com que as castas designadas a
essas tarefas não sintam-se desfavorecidas, muito pelo contrário aliás. São
colocados durante horas em um ambiente em que são obrigados a ouvir dezenas de
milhares de vezes frases como “A casta Delta, minha casta, é a melhor casta que
existe.”
Um bebê cuja profissão fosse ser de catador de lixo ouviria “Ser
catador de lixo é a tarefa mais nobre que um ser humano pode exercer, tenho
muita sorte de ter essa oportunidade.” Huxley escancarou o fato social na cara
do leitor. No caso do catador de lixo, ainda que seja uma tarefa importante,
por limpar a cidade, melhorar o ar que respiramos e a aparência da comunidade,
hoje na nossa sociedade essa é considerada uma tarefa pouco honrosa, isso não é
no entanto nos ensinado dogmaticamente, é algo que se aprende hodierna e
subconscientemente. O condicionamento social é contínuo, ocorre durante toda a
vida do indivíduo. Existem jornais específicos para cada casta, em que cada
indivíduo tem a oportunidade de ouvir o que quer/precisa ouvir. O mesmo ocorre
na nossa sociedade hoje, existem informativos de cunho popular e de cunho mais
culto, ainda que a divisão de castas não seja aberta como na obra.
Um dos aspectos mais interessantes do livro é a maneira como
os indivíduos se relacionam com o prazer. O sexo é incentivado abertamente em
todos os níveis da sociedade, e não tem nenhuma conotação reprodutiva; todos os
cidadãos recebem cotas semanais de uma droga do Estado chamado SOMA, que lhes
proporciona êxtase indescritível. Na nossa sociedade hoje, é inimaginável que,
como na obra, se incentivasse crianças a investigar mais a fundo sua
curiosidade sexual. No entanto, na obra, o inimaginável seria o oposto. Isso
ocorre porque em ambas as sociedades – a huxleana e a nossa – os indivíduos
foram condicionados pelos fatos sociais a, no primeiro caso, ter atividade
sexual desde a infância, e no segundo caso, a se evitar tocar no assunto.
O aspecto coercitivo do fato social, que faz com que ele
sobressaia-se ao indivíduo é visível nesse caso. Qualquer criança que, por
exemplo, demonstre na escola interesse – ainda que certamente por pura
curiosidade inocente – no órgão sexual de outra criança é reprimida, e os pais
da criança certamente são avisados do ocorrido, e é esperado deles que
tomem as devidas medidas para que isso não volte a ocorrer. A criança teve interesse, e o fato social interviu como se
dizendo-lhe “Você não pode fazer isso.” Ao mesmo tempo, na sociedade huxleana
uma criança que não tivesse a menor curiosidade no assunto seria literalmente
forçada a se interessar. Algo semelhante ocorre no filme The Wall do Pink
Floyd, em uma cena em que o professor zomba do aluno que estava escrevendo poemas na aula e
logo em seguida começa a dogmaticamente ditar regras matemáticas para seus
alunos reproduzirem. Nos três casos, os fatos sociais tem a função de manter a
ordem, de não chocar, de manter as coisas como estão. Na nossa sociedade eles
são velados e camuflados, mas estão intrinsecamente presente em cada ditado, em
cada hábito, e cada costume, em cada olhar repreensivo dos pais e dos
professores, em cada congratulação. Na sociedade de Huxley eles estão
escancarados, por isso a análise é mais fácil.
Comunidade, Identidade, Estabilidade. Esse é o lema do
Estado da sociedade huxleana. Muitas das insatisfações são oriundas de
conflitos entre desejos pessoais e os fatos sociais. A sociedade dita uma
regra, mas sua mente dita outra, e esse conflito gera infelicidade. Os fatos sociais são um moedor de carne invisível, moldando seus indivíduos para que pensemos todos iguais e ajamos
todos iguais. Qualquer pedaço de massa que sobressaia ao molde é impiedosamente
retirado como um câncer social. Como foi dito no primeiro parágrafo,
absolutamente todos os indivíduos da sociedade huxleana são plenamente felizes,
visto que os fatos sociais são diferentes para cada casta. Talvez para nós seja inimaginável incentivar crianças a terem interesse sexual, mas acharíamos absolutamente normal caso tivéssemos nascidos nessa sociedade e tivéssemos aprendido dessa maneira desde cedo. Interpretando o lema do Estado huxleano, pode se dizer que nossa Comunidade é
uma só, mas existem inúmeras Identidades, que quando diferem da padrão devem ser
oprimidas em prol da Estabilidade. Por isso é de extrema importância que a casa
e a escola sejam ambientes de reflexão, e não de reprodução; que pais e professores
ensinem não o que pensar, mas como pensar, de forma que a criança não seja
apenas mais um tijolo no muro social.