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sábado, 1 de outubro de 2016

O Capital Sobre o Direito

Em meados de 2004, trabalhadores sem teto da região do vale do paraíba e suas famílias, aproximadamente 6 mil pessoas, iniciaram um movimento de posse de um decimo de uma área de mais de 1 milhão de metros quadrados que era ocupada por apenas um homem, o caseiro, Joao Alves de Siqueira, cuja a única função era assegurar legislativamente a posse de toda aquela terra. Terra essa que se encontrava totalmente improdutiva e sem nenhuma função social. Essa área compreendia-se como massa falida da empresa Selecta Comércio e Indústria que tinha como acionista majoritário o megaespeculador financeiro Naji Nahas que em um primeiro momento não se interessou pela situação. Dessa maneira, essas famílias transformaram aquela região em seus lares, em sua comunidade nomeada Pinheirinho.
No entanto, após 8 anos de tranquilidade, de desenvolvimento, do crescimento do vínculo dessas pessoas com o local que fora por tanto tempo seu espaço de felicidade, segurança, amor, aonde dia após dia construíram suas casas, solidificaram suas vidas e suas relações, desenvolveram comércios e empregos locais, garantindo a sobrevivência diária, o judiciário através da juíza Marcia Faria Mathey Loureiro declara a sentença que determina a desocupação da área por essas 1600 famílias, alegando ser a função da justiça fazer valer a constituição, não importando as causas sociais, não importando ser o dono do terreno um pessoa física ou jurídica, uma vez que ele é alguém que trabalhou, se esforçou, merece e tem o dever de ter seu direito a propriedade assegurado, não importando qual seria o destino e o que aconteceria com essas famílias após a desocupação, sobrepondo o direito à propriedade ao direito de moradia, se isentando do dever de avaliar e tomar a melhor decisão para preservar a vida, a dignidade, o psicológico, a felicidade e principalmente o bem mínimo, que é possuir um local para viver de tantas famílias.
Dessa Forma, tamanho absurdo culminou na ordem de desapropriação que levou 2 mil policiais ao Pinheirinho para exercer a soberania do mais “forte” e expulsar todas as pessoas e com elas todos os sonhos, toda a vida construída e todos os laços desenvolvidos. Essa desapropriação ocorreu de forma monstruosa, os policias utilizaram de armas de fogo e atiraram contra a população civil que se armava com estilingue, não permitindo nem a retirada dos pertences de suas residências, deixando um lastro de violência física e psicológica, com diversas denúncias de agressão, pessoas baleadas, abusos sexuais, humilhação e até morte de animais. Soma-se a toda essa brutalidade, como grande final as famílias do Pinheirinho assistiram suas casas sendo demolidas com seus pertences dentro.
Podemos ver neste caso um claro exemplo da reflexão sobre qual a função do Direito dentro do Estado e como devem os juristas agirem. O papel do Estado seria apenas o de seguir as normas escritas e pensar racionalmente operando no mundo das ideias, sem conhecer e estudar a peça em seu sentido social, sem avaliar quais os danos que a sentença acarretará, sem se pautar na neutralidade, sem ser humanizado, sem buscar o melhor para todos? Seguindo os dizeres de Hegel, sim, uma vez que o direito garante a liberdade de todos conquistarem sua propriedade. Neste caso, o bairro Pinheirinho pertenceria àquele que tivesse sua posse legal, uma escritura de compra, um nome no cartório, mesmo que nunca tenha pisado ali. Assim, o Estado deveria prezar pela lei e não pela justiça; os juristas deveriam ser instrumentos de um código e não cientistas sociais pensantes. Toda essa teoria se comporta como uma grande falácia, utilizada para justificar as imoralidades, a falta de humanidade que compõem os órgãos de dominação do estado que primam sempre pelo capital, sendo o direito um instrumento das classes dominantes.
Para a classe beneficiada do capitalismo adepta da visão de Hegel, deixar pessoas desfavorecidas fora de seus lares para defender o direito à propriedade de uma empresa que já não existe é uma decisão justa e não criminosa, afinal o direito à propriedade não pode ser suprimido em prol da vida digna, e o direito à moradia não pode existir às custas da “invasão” de uma propriedade particular.
Nesse contexto, as afirmações de Marx traçaram e ainda traçam a forma de organização da sociedade. Marx, crítica a concepção estatal hegeliana como uma abstração, que só é possível no mundo das ideias, na prática, o Estado existe apenas para resguardar a segurança de acumulação dos homens que possuem o capital. Dessa perspectiva, o Direito é usado a fim de perpetuar a lógica de acumulação capitalista. Através do uso da força, encarnada nos policiais militares, a burguesia manda e desmanda e ao dominados, a classe proletariado cabe a opressão, a exclusão e a submissão.  A união da teoria marxista com o caso do Pinheirinho confirma que toda a sociedade se organiza a partir do modo de produção, e que no capitalismo o pressuposto da igualdade perante o estado é uma mentira que mascara a realidade e esconde as injustiças para manter o poder da classe dominante. Se 1600 famílias se dirigirem a um terreno inutilizado e o ocupam, não é por mera escolha e sim porque foram forçados por um sistema desigual e desumano que passa a falsa imagem de que as desigualdades e condições de exploração da classe burguesa com a classe operária é algo natural e legal e não historicamente condicionado.

Jéssica Xavier
1° ano noturno


Um retrato de resistência, injustiça e opressão

Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida

Morte e vida severina, João Cabral de Melo Neto

A falta de acesso à terra e à moradia é um dos sintomas mais expressivos da exclusão socioeconômica capitalista. Embora a Constituição Federal brasileira esteja alicerçada na dignidade da pessoa humana- que inclui o acesso a moradia- e sejamos signatários de uma série de documentos que apontam na mesma direção, na prática- como ocorreu no Pinheirinho- a propriedade privada (concentrada nas mãos de poucos) se sobrepõe a vida de milhares de pessoas, deixando claro que o Estado e o Direito servem aqueles que detêm o capital.

Vinte e um de janeiro de 2012 é mais um sábado comum no Pinheirinho, terreno localizado na zona Sul de São José dos Campos que estivera abandonado por 12 anos e só a partir de 2004, com a ocupação pelos sem-teto, adquiriu vida, desenvolvendo-se em um complexo de relações afetivas, políticas e jurídicas autônomas. Nesse dia corriqueiro, as 1700 famílias que abrigavam o bairro nem imaginavam que teriam o sono e a vida interrompidos na madrugada que se aproximava. O morador David Washington Furtado estava a poucas horas de ser baleado pela arma da polícia enquanto protegia sua filha pequena e sua companheira; Antonio Dutra Santana de 71 anos seria atropelado durante a operação de guerra de desocupação e viria a falecer; Ivo Teles dos Santos também perderia a vida vítima de espancamento policial; mulheres seriam submetidas a uma das faces mais cruéis da violência de gênero: o abuso sexual e os sobreviventes ao massacre seriam dominados pelo completo desamparo material e emocional.
Por detrás desse cenário chocante havia várias arbitrariedades jurídicas e o interesse do mega especulador Naji Nahas que ficou conhecido, inicialmente, por estar envolvido com esquemas fraudulentos na bolsa de valores. Nahas é o suposto proprietário da região onde o Pinheirinho foi construído, terreno abandonado desde a falência da empresa Selecta SA, em 1990. Logo nos primeiros anos de ocupação, a Massa Falida entrou com pedido de reintegração de posse, o qual foi negado duas vezes pelo TRF. Porém, contrariando a decisão federal e violando a regra de que “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas” (CPC, artigo 471), a juíza Márcia Faria decidiu ressuscitar uma liminar de reintegração. Tanto Márcia quando o juiz Capez- designado pelo desembargador Ivan Sartori para dirigir o massacre da desocupação- afirmaram que a justiça agiu de acordo com a Constituição e colocaram a culpa da situação anterior e posterior a desocupação ora no Estado (como se o Judiciário não fizesse parte do Estado), ora nos próprios moradores. Para além da questão moral, ética e de empatia, as posturas dos juízes se aproximam da perspectiva hegeliana do Direito.
Para Hegel a lei é o império da liberdade e a expressão da vontade universal. Dessa forma, uma vez que a nossa Constituição garante o direito à propriedade, aqueles que não têm acesso a ela, não o tem por culpa própria. Essa visão, pois, não considera as relações materiais, a prática e tampouco que muitos princípios elencados normativamente são um ‘’dever ser’’, isto é, ideais que o Estado almeja alcançar e deverá prover esforços para tal. Marx, no entanto- captando a discrepância entre o direito material e formal- critica essa visão idealizada do direito de Hegel. O sistema normativo longe de ser a liberdade universal é, na verdade, um instrumento de dominação política e social de uma classe sobre outra e a liberdade que vigora é, portanto, a liberdade de mercado e de propriedade.
Desde antes da reintegração de posse propriamente, a tese marxista fica evidente. Apesar de a constituição brasileira prever a dignidade da pessoa humana e a moradia como fundamentais, ao analisar a vida material, observa-se que São José dos Campos conta com um déficit habitacional de 30 mil moradias, daí a formação de comunidades habitacionais como o Pinheirinho. Os dias de desocupação e a ação policial também exemplificam as afirmações de Marx. No plano das idéias, a polícia serve para proteger a sociedade, porém, a população do Pinheirinho foi massacrada por quem, em tese, deveria protegê-la. Ainda sobre o cenário de guerra estabelecido entre moradores e policiais, Marx afirma em Crítica a filosofia do Direito de Hegel: ‘’cada classe, no preciso momento em que inicia a luta contra a classe superior, fica envolvida numa luta contra a classe inferior’’. Assim, o Pinheirinho representa a materialização das contradições do sistema capitalista, uma afronta aos interesses da classe hegemônica como a propriedade privada e a especulação; os policiais, por sua vez, incorporaram de tal forma a ideologia dominante que embora estejam mais próximos- em termos de classe social- dos moradores do Pinheirinho, defenderam os interesses da burguesia, isto é, da classe superior.
O caso Pinheirinho é o retrato trágico de mil e setecentas famílias obrigadas ao êxodo, de pessoas sendo espancadas e mortas como se nada fossem em prol da manutenção dos status quo e dos interesses de indivíduos imorais, tanto do ponto de vista legal quanto ético. O que ocorreu no Pinheirinho, porém, não é exceção, as atrocidades cometidas durante a desocupação são constantes na vida daqueles que tem o acesso a moradia  negado e resistem pela via da ocupação. Tais paradigmas, marcados pela truculência e desumanidade estatal frente as contradições do sistema socioeconômico vigente, esclarecem a afirmação de Marx de que o Estado burguês e todos seus instrumentos- como o direito- servem a burguesia e que enquanto esse Estado persistir o máximo que as classes subjugadas conseguem são direitos pontuais, dentre os quais muitos permanecem e permanecerão apenas no plano formal, pois concretizá-los contraria os interesses do capital. Isso significa que a emancipação humana, como assinala Drummond nos versos de Elegia 1938, permanecerá distante, no horizonte. 

''Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras''. 

Drummond, Sentimento do mundo

Juliana Inácio- Direito noturno

Para que lado pende a moral social?

Sem Terra - Zé Ramalho
 
A bandeira vermelha se moveu
É um povo tomando posição
Deixe o medo de tudo pra depois
Puxe a faca, desarme sua mão
Fique muito tranqüilo pra lutar
Desamarre a linha da invasão
A reforma está vindo devagar
Desembocar no rio da razão
Disparada de vacas e de bois
É o povo tomando posição
É o povo tomando direção

A letra da música de Zé Ramalho retrata muito da visão marxista sobre o problema dos sem terra no Brasil. No caso do Pinheirinho, os moradores tiveram suas casas destruídas pelo fato de terem sido julgados como invasores, a comunidade que lá residiam fazem parte do MST, movimento muito conhecido no Brasil, já moravam lá por um tempo considerável e além disso constituíram uma correlação entre os moradores. É importante considerar também o fato de que o que foi alegado pela Justiça foi que a terra era uma propriedade privada. Como Marx, não defende a propriedade privada, nesse caso ele diria que a terra pertence a quem faz uso dela, a quem necessita dela para sobreviver.
Há uma forte moral relacionada a esse caso, o que a Justiça no Brasil privilegia? Quais são os valores morais considerados pelo Tribunal? No caso do Pinheirinho foram considerados valores inteiramente capitalistas sem considerar o fato de que a nossa Constituição preve que todos temos Direito a moradia e à felicidade, o que não foi levado em conta antes da destruição do Pinheirinho.
A expulsão dos moradores bem como a destruição de suas casas é uma afronta direta aos direitos humanos. A midia, totalmente influenciada pelo capitalismo e pelos interesses do capital privado retratou os moradores como vândalos, sendo que a comunidade que ali residia era majoritariamente familiar e garantiam seu sustento por meio da terra que moravam.
No Brasil, a luta dos sem terra é algo constante, e mal compreendido pela maioria das pessoas, é dificil provar que uma terra possua dono e mesmo quando ela possui o fato de utiliza-la como moradia é muito mais digno do que deixa-la parada ao ponto de se tornar infertil somente pela ideia de valoriza-la e manter o status na sociedade capitalista. Os ataques são feitos pela perspectiva de Hegel, a qual esse defende a propriedade privada e afirma que todos temos o direito dela. Mas algo além disso, é valorizar a dignidade da pessoa humana, algo também previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que não é garantida aos sem terra, mesmo devendo ser.

Fernanda da Silva Miguel - Direito Noturno

Liberdade, opressão e justiça

         No tribunal, a difícil decisão contra o pedido de cancelamento da reintegração de posse, na rua mais de 5000 pessoas despejadas e reprimidas pela Polícia Militar. Esse caso da comunidade do Pinheirinho trouxe consigo o conflito entre o direito à propriedade, reivindicado pelo proprietário Naji Nahamas, e o direito a moradia, esperado por toda a população que vivia no local. Tais direitos, de mesmo patamar hierárquico, evocam discussões como a neutralidade, a universalidade e a materialidade do Direito, junto a liberdade, a opressão, o interesse privado e público e o próprio conceito de justiça.
         Analisando tal situação, sob uma ótica focada na teoria de Hegel, é possível buscar o direito como racionalidade expressa pelo homem. Assim, esse direto a moradia reivindicado por aquela população e expresso na Constituição deve ser respeitado e garantido, mas sua execução não deve ser feita por particulares e sim pelo Estado, no caso pela prefeitura da cidade de São José dos Campos. A personalidade deve ser considerada e ninguém precisa ser privado de sua propriedade para garantir o direito de outros. Além disso, para Hegel a lei representa a evolução da liberdade, e assim o direito é universalizante e pressuposto da felicidade, garantindo tais direitos e mantendo uma determinada ordem.
         Contudo, essa liberdade e felicidade precisa ser analisada sob o ponto de vista da situação daquela comunidade, baseando- se nas condições materiais de vivência daquela população. Essa materialidade é um dos pontos que Marx evoca para a crítica a Hegel.  Considerando toda a história daquela população, o tempo de permanência naquele local, as condições econômicas, sem seus direitos garantidos e sem opções de moradia, a forma como todo o processo ocorreu incluindo a atuação da polícia, mostra a ideia do direito como instrumento opressor defendida por Marx. Para ele, a ideia do direito como liberdade não é universalizante e não garante a felicidade geral. Esse direito sem neutralidade favorece aquele que detém o poder, se tornando uma falsa ideologia incutida por uma classe. Todos esses pontos podem ser observados com o desenrolar do caso do Pinheirinho e da derrota de uma classe de trabalhadores em detrimento a uma elite.
         Em suma, Hegel nos traz comparando- se com o caso Pinheirinhos, a importância da lei, da vontade humana, da liberdade e também dos interesses particulares, enquanto Marx baseado no materialismo, nos mostra a real configuração da situação, negando tal ideologia do direito e do Estado. Partindo -se disso, é preciso refletir sobre a funcionalidade do Direito e como ele pode garantir a liberdade e baseando-se na realidade concreta como podemos realizar a justiça.

Gabriela Guesso Pereira
1º ano Direito diurno

Na posse do poder, todos são Naji Nahas.

Aqui estamos mais uma vez. Dessa vez, discutimos um problema maior: a justiça e o Direito, mais precisamente, o acesso a moradia e propriedade no Brasil, caso posto: a reintegração de posse no Pinheirinho, 2012. 

“Construímos nossa maloca
Mas um dia, nós nem pode se alembrá
Veio os homis c'as ferramentas
O dono mandô derrubá
Peguemos todas nossas coisas
E fumos pro meio da rua
Apreciá a demolição
Que tristeza que nós sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração [...]”

“Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia
Eu nasci pequenininho
Como todo mundo nasceu
Todo mundo mora direito
Quem mora torto sou eu
Eu não tenho onde morar [...]”

“Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E, contra seu desejo
Entregou pra seu narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
— É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
— Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não [...]”

“Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague [...]”.

Mas não é somente nas letras e canções dos tempos áureos tupiniquins que o problema da moradia é desnudado. É factível perceber que desde muito tempo, talvez desde o que o Brasil é Brasil, existe um grande problema de moradia em nosso país. Há donos de terras em toda parte.

Mas temos a impressão (ou realidade ocultada) de que existem Naji Nahas em cada esquina, inclusive fazendo as leis. Pela história temos: 
450 a.C - Lex Duodecim Tabularum. Tabua III: Adversus hostem aeterna auctoritas esto. Determina que contra um inimigo o direito de propriedade é válido para sempre. Tal norma é decorrência das guerras travadas contra outros povos. Se um inimigo tivesse o domínio de determinada terra essa ainda pertenceria a seu antigo dono, que poderia reavê-la por meio da força. Tábua VI: De domínio et possessione.
1600 d.C. - Há donos de terras em toda parte. Os primeiros pedaços de terra foram chamados de capitanias hereditárias, logo, eram capitães. Mas herdados de quem? Não se explica. O Estado português nunca deu devidas ou maiores explicações.
1824 d.C. - Constituição Imperial de 1824, a propriedade era tida como um direito individual, sem qualquer atenção para o seu interesse social.
1850 d.C. - Lei de Terras, como ficou conhecida a lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil. O Estado impediu negros, mulatos e outros brasileiros de ter acesso ao pedaço de Terra.  Ficou estabelecido, a partir desta data, que só poderiam adquirir terras por compra e venda ou por doação do Estado. Não seria mais permitido obter terras por meio de posse ou por meio de cultivo. Vilania.
1856 d.C. - O Estado, a partir do ano de 1856, começa a dificultar a construção de novas moradias populares no centro da cidade, posteriormente proíbe a sua construção, fechando-as, e em alguns casos, efetua a sua demolição.
Até aqui, o Estado e as leis só prejudicaram ou retardaram o acesso à terra e a propriedade. Sob perspectiva hegeliana, o Direito seria uma forma de atingir a liberdade, com características isonômicas e garantidoras da felicidade. Não ocorreu. Prossigamos, pois.
Vejamos um exemplo de como as leis foram modificando o Brasil no que tange a moradia:
1930 d.C - No início do século XX, devido à rápida industrialização, as cidades atraíram grande parte da população, porém, inexistiam políticas habitacionais que impedissem a formação de áreas urbanas irregulares e ilegais. As áreas ocupadas ilegalmente são expressões diretas da ausência de políticas de habitação social. As políticas habitacionais propostas foram, em sua maioria, ineficazes devido a diversos fatores políticos, sociais, econômicos e culturais.
1934 d.C. - a Constituição de 1934 dispôs sobre o princípio da função social da propriedade, princípio este que fora mantido nas Constituições de 1937 e 1946, sendo que na última constou também o direito à propriedade dentre os direitos individuais, além do social.
1964 d.C - Sistema Financeiro de Habitação (SFH), instituído pela Lei 4.380/64, que objetivava a dinamização da política de captação de recursos para financiar habitações por meio das cadernetas de poupança e recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) através do Banco Nacional de Habitação (BNH). Entretanto, com crises econômicas, arrocho salarial e perda do poder aquisitivo, as prestações da relação contratual muitas vezes foram corrigidas em desacordo com o aumento salarial, o que gerou uma inadimplência acentuada. O resultado é o que SFH beneficiou muito mais as classes com renda mais elevada (acima de 8 salários mínimos), do que aquelas de baixa renda (abaixo de 3 salários mínimos).
1967 d.C. - A Constituição Federal de 1967 destacou o tema da “função social da propriedade”, mantida inclusive na Emenda Constitucional de 1969, permanecendo o direito de propriedade sob os dois aspectos (social e individual).
1988 d. C. - Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
2001 d.C. - Lei 10.257/2001, chamada de Estatuto da Cidade, tornando assim o direito à moradia mais viável para os milhões de moradores da “cidade ilegal”, através de novas políticas de regularização fundiária.
2005 d.C. - LEI Nº 11.124, DE 16 DE JUNHO DE 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS.
Art. 2o Fica instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, com o objetivo: I – viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e sustentável;
2009 d.C. - Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) foi lançado em março de 2009 pelo Governo Federal para permitir o acesso à casa própria para famílias de baixa renda.
Aqui já temos uma evolução mais próxima do modelo idealístico de Direito hegeliano, algumas leis tentaram suplantar defeituosidades e garantir a felicidade de um segmento da população.
Porém, ainda nesses programas, em especial o MCMV, temos os resquícios da perpetuação dominadora no país, em recente pesquisa a socióloga Melissa Fernandes Arrigotia, da London School of Economics (LSU), diz que o programa, apesar de boas intenções, mascara e reproduz desigualdades sociais em vez de diminuí-las. Ela diz que, apesar de agora possuírem um teto para morar, têm também novas dificuldades financeiras e de mobilidade, como por exemplo a distância e o custo de transporte até o local de trabalho. Em outro argumento, o arquiteto Héctor Vigliecca, diz que o Minha Casa, Minha Vida acaba gerando ainda mais exclusão. O poder público constrói "depósitos de prédios", com o objetivo de atingir metas numéricas, mas sem se preocupar com estruturas que promovam a cidadania. 
ORA, temos um choque de realidade ao nos deparamos com as escrituras legislativas e o que realmente acontece. Por exemplo, no caso de Pinheirinho, onde mais de 4 mil pessoas foram retiradas de um espaço de terra em S.J. dos Campos, no ano de 2012, mesmo com tantas palavras bonitas expressas e assinadas em acordos internacionais pelo governo brasileiro. Temos problemas, sob a ótica marxista, pode-se inferir que o Direito serve a alguém - que não é a classe trabalhadora- no embate entre Naji Nahas e moradores, o Direito posicionou-se ao lado do proprietário legal, evidencias da natureza classista do aparelho jurídico do Estado numa sociedade capitalista.  No sistema jurídico nacional tudo se passa como se a legalidade da posse da terra se repercutisse sobre todas as outras relações sociais, inclusive contra os direitos humanos e outros básicos. Ou seja, sendo, pela ótica de Marx, o direito é um falseamento da realidade ou seja, direito superestrutura do sistema capitalista, está arraigado no pensamento burguês, sendo paliativo, mais precisamente o ópio do povo. Ademais, o Direito não nasce espontaneamente dessas relações, mas é posto pela vontade. O problema que se verifica é que tal vontade é somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou seja, a vontade da classe dominante, sendo o Direito expresso de um lado pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei.
Mas o fato é que, de modo geral e abarcando a universalidade dos fatos, a evolução do Direito trouxe evolução da liberdade, ao compararmos o direito romano com as liberdades de sua época, veremos que de século em século, escravos foram ganhando alguns direitos, mulheres também. No egípcio temos a mesma percepção, se compararmos leis de outros séculos, com o hodierno, veremos que vivemos muito melhor e com mais liberdade do que nossos antepassados.
Mas, insisto em dizer que o Direito também serve como promotor do bem-estar, não podemos vilanizar decisões judiciais, afinal, temos um ordenamento jurídico a seguir e, se quisermos atingir melhores níveis, será pelo respeito a ele, achando brechas dentro dele. Se nós, com nosso pouco pedaço de construção, o tivesse essa parte invadida, ocupada, metade do seu quintal utilizado por pessoas que não lhes são familiares, qual seria a nossa reação? De querer reaver? De deixar usarem? Ou de firmar um acordo? Difícil responder. Entretanto, em seu argumento, a juíza deixa claro que ambos os direitos estão em pé de igualdade (propriedade e de moradia), como de fato estão, o primeiro está no art 5°, XXII e o segundo, no art 6°, da Constituição Federal de 1988, e ela [juíza], sendo um dos três pilares de poder no Brasil, não poderia usurpar funções que cabem ao Executivo e Legislativo. Se dois poderes estão estagnados, devemos nós força-lo a funcionar. E em outro ponto, acena para que as partes, em conjunto com o governo, façam um “acordo”, ela diz: “seria mais eficiente destinar outro local com custos menores e melhor planejamento?”. Assim como tudo na vida, o Direito pode servir para bem ou para o mal. De certa forma, nos últimos anos, a população tem visto muito de suas conquistas, seus direitos efetivados, serem fruto da ação das leis e de juízes, entretanto, acostumados com a inépcia dos outros poderes, o desespero faz com que peçamos socorro à toga, enquanto esta, ao meu ver, não está legitimada a fazê-lo, uma vez que não foram eleitos, não passaram pelo crivo da população e nem colocaram planos de governo ou projetos em referendo eleitoral. 
Outro ponto crucial, reside no fato de ‘quem’ faz as leis e ‘porque’ faz ou ‘por quem’ o faz. Uma pesquisa revelou que metade nos nossos legisladores são milionários, assim como o Naji Nahas, ou seja, será que podemos esperar algum retorno positivo do Estado? Após recentes casos de corrupção, desvio de dinheiro e projetos comprados, tudo desnudado pela Operação Lava-Jato, temos a percepção de que nem mesmo aqueles que elegeram-se com discurso popular estão mantendo suas palavras.
Na posse de terras, nem sempre querem mais terras.
Na posse do poder, há que sempre querer mais poder.
No posse do poder, todos são Naji Nahas.

(Victor Hugo Xavier, 1° Direito - Noturno)