Relação do caso em tela com o texto de Boaventura de Souza Santos:
No livro “Para uma revolução democrática da justiça”, Boaventura de Sousa Santos discorre a respeito do modelo do Direito Europeu praticado sob a ótica da ocidentalidade e os efeitos danosos que o discurso falsamente equânime como gerador de desigualdades decorrentes de um poder quase inquestionável: “ a uniformidade, a igualização e a homogeneização dos indivíduos facilita o exercício do poder absoluto em vez de impedi-lo.” 4 Se as promessas da modernidade continham em si um vigoroso potencial emancipatório, o afunilamento deste projeto político-cultural, a par do avanço e da consolidação do capitalismo como modo de produção, transformou a emancipação e a regulação social em duas faces da mesma moeda.”
Além do exposto acima, Boaventura de Sousa Santos defende novos olhares para as práticas jurídicas. Tais práticas “requerem que se amplie a compreensão do direito como princípio e instrumento universal da transformação social politicamente legitimada, dando atenção para o que tenho vindo a designar legalidade cosmopolita ou subalterna. Noutras palavras, deve-se deslocar o olhar para a prática de grupos e classes socialmente oprimidas que, lutando contra a opressão, a exclusão, a discriminação, a destruição do meio ambiente, recorrem a diferentes formas de direito como instrumento de oposição. À medida que recorrem a lutas jurídicas, a atuação destes grupos tem devolvido ao direito o seu caráter insurgente e emancipatório.”
Ao tentarmos relacionar a sequência processual do caso do Pinheirinho, bem como a postura dos membros do Judiciário envolvidos, podemos relacionar com as ideias defendidas por Boaventura de Sousa Santos. Especificamente em relação ao
massacre do Pinheirinho, a relação é de não prática ou de desdém das ideias do autor português por parte dos membros do TJ-SP:
- Judiciário como possível medida de combate à pobreza e capaz de garantir interesses coletivos e difusos. No caso do Pinheirinho, nada disso aconteceu: o senso de urgência para a reintegração de posse foi, no mínimo, espantoso, a ponto de os juízes e desembargadores envolvidos no caso terem sido objeto de moção de repúdio e objeto de ação disciplinar no CNJ.
- Papel das defensorias e suas vantagens potenciais ao aplicarem a sociologia das ausências. Outro conceito de Sousa Santos desdenhado, especialmente pela juíza de primeira instância, que foi tratada como terceiro interessado no caso
- Promotorias legais populares e o papel da advocacia popular como defensor de moradia popular urbana. Especificamente, no caso do Pinheirinho, o papel da defesa dos interesses difusos, além de ter sido exercido pela DPU, associações também ampararam os moradores (Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais – ADMDS e CONLUTAS – Central Sindical e Popular).
- Advocacia popular como praticante de práxis própria como contraposição ao funcionamento tradicional da advocacia, com base no conteúdo epistêmico compromissado a causas populares e solidariedade social e pragmática. Infelizmente, no caso do Pinheirinho, as associações populares e a Defensoria Pública não conseguiram subverter pressupostos de imparcialidade e neutralidade de profissões jurídicas de alguns membros do TJ-SP.
- Formação profissional não foi por completo criada para responder a novas demandas sociais. As decisões do TJ-SP foram céleres para que houvesse exclusão dos moradores do local. Teria sido uma medida higienista?
- Cultura generalista do direito em exercício do privilégio do poder e cultura autoritária dos privilégios do acesso à justiça para alguns indivíduos em detrimentos de outros. A velocidade de decisão favorável à reintegração de posse à massa falida da empresa, bem como a truculenta forma de expulsão dos moradores deu o tom do exercício do poder.
- Conhecimento do direito como sistema e ordenamento sem conectar à realidade e às práticas de resolução de problemáticas sociais. O terreno do Pinheirinho já estava servindo como morada já há sete anos, no mínimo. Desprezo à função social da propriedade.
- Faculdades de direito propõem hermetismo ao dialogar com grupos sociais. Não é possível afirmar que as formações jurídicas dos componentes do TJ envolvidos no caso praticam tal hermetismo. Mas preceito constitucional foi desprezado. E a violência injustificada para retirada dos habitantes deu a medida do “tratamento jurídico”.
CURSO: DIREITO – Período Noturno
Disciplina: Sociologia do Direito
Ricardo Camacho Bologna Garcia – Número UNESP: 211221511
Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 5 de dez. de 2021, 11h14
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