Pedido inimaginável na sociedade de 15, 20, 30 anos atrás, a cirurgia de mudança de sexo foi conteúdo de uma tutela antecipada perante o Juizado especial da Fazenda Pública da comarca de Jales. O juiz de direito Fernando Antônio de Lima, se utilizando de diversos argumentos de ordem jurisprudencial, técnica e doutrinária, deferiu o pedido. Destarte, A judicialização de ações como esta não surte efeito apenas na vida de quem a propõe, mas também cria precedente para que outras pessoas possam se beneficiar destes direitos conquistados.
Em linhas gerais, o caso supracitado se encaixa
perfeitamente na definição de Mobilização do direito, de Michael McCann: “mobilização
do direito se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da
realização de seus interesses e valores.”. Este conceito vem revestido de um caráter
inovador e de progresso dos direitos, ou seja, uma força motriz que traz à tona
as demandas da sociedade que antes não chegavam aos tribunais. Os magistrados,
por sua vez, têm a missão de analisar os pedidos e ponderar sobre o que é cabível
ou não, o que representa uma demanda que é reflexo dos novos tempos ou é apenas
um absurdo.
De maneira semelhante a
McCann, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso em sua obra
“Os papéis das Supremas Cortes e Tribunais Constitucionais nas democracias
contemporâneas” traz três papeis que esses respectivos órgãos da justiça devem desempenhar:
o Contramajoritário, o Representativo e
o Iluminista. O Min. Barroso analisa este último da seguinte forma: “ao longo
da história, alguns avanços imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome da
razão, contra o senso comum, as leis vigentes e a vontade majoritária da sociedade.
A abolição da escravidão ou a proteção de mulheres, negros, homossexuais,
transgêneros e minorias religiosas, por exemplo, nem sempre pôde ser feita
adequadamente pelos mecanismos tradicionais de canalização de reivindicações
sociais”. O Prof. Dr. Pedro Lenza acrescenta: Essa atuação do
Poder Judiciário, no sentido de “empurrar a história na direção do progresso
social”, superando bloqueios institucionais, caracteriza o papel iluminista das
Cortes descrito pelo ilustre professor. Conforme adverte, “o termo iluminista
está sendo empregado para identificar decisão que não corresponde à vontade do
Congresso Nacional nem ao sentimento majoritário da sociedade, mas ainda assim
é vista como correta, justa e legítima”.
Para ilustrar o conceito “papel
iluminista”, Barroso traz exemplos da jurisprudência americana, dentre eles o
que a “Suprema
Corte dos EUA, por 7 x 2, reconheceu a possibilidade de interrupção da gravidez
até o primeiro trimestre, tendo por fundamento o direito à privacidade da
mulher e a interpretação dada à 14.ª emenda, assegurando-lhe a decisão sobre a
continuidade ou não da gestação. Conforme anotou Barroso,
essa decisão veio a ser revisitada pela Corte em precedentes seguintes e, sem
dúvida, contrariou a vontade de uma maioria, tendo, inclusive, gerado forte
reação social (denominada backlash) dos segmentos derrotados”.
Matheus Oliveira de Carvalho. 2º semestre, noturno.