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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O papel iluminista dos tribunais e a mobilização do direito.

 

Pedido inimaginável na sociedade de 15, 20, 30 anos atrás, a cirurgia de mudança de sexo foi conteúdo de uma tutela antecipada perante o Juizado especial da Fazenda Pública da comarca de Jales.  O juiz de direito Fernando Antônio de Lima, se utilizando de diversos argumentos de ordem jurisprudencial, técnica e doutrinária, deferiu o pedido. Destarte,  A judicialização de ações como esta não surte efeito apenas na vida de quem a propõe, mas também cria precedente para que outras pessoas possam se beneficiar destes direitos conquistados.

Em linhas gerais, o caso supracitado se encaixa perfeitamente na definição de Mobilização do direito, de Michael McCann: “mobilização do direito se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores.”. Este conceito vem revestido de um caráter inovador e de progresso dos direitos, ou seja, uma força motriz que traz à tona as demandas da sociedade que antes não chegavam aos tribunais. Os magistrados, por sua vez, têm a missão de analisar os pedidos e ponderar sobre o que é cabível ou não, o que representa uma demanda que é reflexo dos novos tempos ou é apenas um absurdo.

De maneira semelhante a McCann, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso em sua obra “Os papéis das Supremas Cortes e Tribunais Constitucionais nas democracias contemporâneas” traz três papeis que esses respectivos órgãos da justiça devem desempenhar: o Contramajoritário, o Representativo  e o Iluminista. O Min. Barroso analisa este último da seguinte forma: “ao longo da história, alguns avanços imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome da razão, contra o senso comum, as leis vigentes e a vontade majoritária da sociedade. A abolição da escravidão ou a proteção de mulheres, negros, homossexuais, transgêneros e minorias religiosas, por exemplo, nem sempre pôde ser feita adequadamente pelos mecanismos tradicionais de canalização de reivindicações sociais”. O Prof. Dr. Pedro Lenza acrescenta: Essa atuação do Poder Judiciário, no sentido de “empurrar a história na direção do progresso social”, superando bloqueios institucionais, caracteriza o papel iluminista das Cortes descrito pelo ilustre professor. Conforme adverte, “o termo iluminista está sendo empregado para identificar decisão que não corresponde à vontade do Congresso Nacional nem ao sentimento majoritário da sociedade, mas ainda assim é vista como correta, justa e legítima”.

Para ilustrar o conceito “papel iluminista”, Barroso traz exemplos da jurisprudência americana, dentre eles o que a “Suprema Corte dos EUA, por 7 x 2, reconheceu a possibilidade de interrupção da gravidez até o primeiro trimestre, tendo por fundamento o direito à privacidade da mulher e a interpretação dada à 14.ª emenda, assegurando-lhe a decisão sobre a continuidade ou não da gestação. Conforme anotou Barroso, essa decisão veio a ser revisitada pela Corte em precedentes seguintes e, sem dúvida, contrariou a vontade de uma maioria, tendo, inclusive, gerado forte reação social (denominada backlash) dos segmentos derrotados”.

 

Matheus Oliveira de Carvalho. 2º semestre, noturno.