Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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segunda-feira, 19 de maio de 2025
O poder que exclui
O racismo estrutural não se resume aos atos individuais de preconceito. Como explica Silvio Almeida em "O que é racismo estrutural", ele é parte do próprio funcionamento da sociedade e está presente nas instituições, nas leis e nas formas de organização social. O racismo não é um desvio, mas sim um elemento constitutivo da estrutura social brasileira, que foi construída historicamente sobre a escravidão e o colonialismo.
Para Weber, toda relação de dominação, ou seja, toda situação em que um grupo exerce poder sobre outro, precisa de algum tipo de legitimação, onde as pessoas obedecem porque acreditam que aquele poder é válido, seja porque ele vem da tradição, do carisma de um líder ou da legalidade de regras e leis. No mundo moderno, a dominação ocorre principalmente de forma racional-legal, baseada em normas impessoais e instituições burocráticas. Mas, como mostra Almeida, essa impessoalidade muitas vezes esconde desigualdades profundas, especialmente de ordem racial.
É o caso, por exemplo, da sub-representação negra no Judiciário brasileiro. Embora mais da metade da população se identifique como negra ou parda, a esmagadora maioria dos magistrados é branca. O acesso não é igual para todos porque a base de partida nunca foi a mesma. O discurso da meritocracia e da igualdade formal ignora as barreiras históricas que impedem o acesso de pessoas negras a esses espaços e o que vemos é uma forma de dominação racional-legal que continua racializada, mas agora disfarçada de impessoalidade que acaba reproduzindo a exclusão racial de maneira sistemática.
Nicole Barbosa Garcia- 1º ano de Direito(Noturno)
Poder, Estado e Racismo
No texto “Raça e Racismo”, Sílvio Almeida destaca que a discriminação racial depende fundamentalmente do exercício do poder, ou seja, do uso efetivo da força. Sem poder, não há possibilidade de atribuir vantagens ou desvantagens com base na raça.
Além disso, Almeida ressalta que o Estado é um dos principais responsáveis pela perpetuação do racismo, como evidenciado em regimes históricos como a Alemanha nazista e o Apartheid na África do Sul. Dessa forma, o racismo pode ser transformado por meio da ação estatal e das instituições, que têm o poder de modificar os significados sociais atribuídos à raça, demonstrando que o racismo está intrinsecamente ligado à conjuntura jurídica.
Ademais, Almeida relaciona que, ao longo da história, a simbiose entre direito e poder frequentemente teve o racismo como elemento central, especialmente porque o direito legitimou e sustentou regimes discriminatórios racialmente.
Ao conectar essa perspectiva à noção de poder de Max Weber, entende-se que poder é “toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Para Weber, o Estado detém o monopólio legítimo do uso da força, consolidando-se como a principal instância de poder na sociedade.
Assim, ao combinar as ideias de Weber e de Sílvio Almeida, conclui-se que o Estado é um dos responsáveis pela discriminação racial enfrentada por parte da população, justamente porque o racismo é, essencialmente, um exercício do poder, e o Estado detém o monopólio legítimo desse poder.
Percebe-se, portanto, que a perpetuação e manutenção do racismo são estratégias estatais para preservar as classes dominantes no poder, em detrimento das classes subalternizadas.
Maria Clara Destito Yano- 1º Ano Direito Matutino
A “Legitimidade” do Racismo na Sociedade
No livro “O que é racismo estrutural?”, Silvio Almeida estabelece uma diferença entre o racismo e a discriminação racial, sendo esta “a atribuição de tratamentos diferenciados a membros de grupos racialmente identificados”, enquanto aquele “uma forma de discriminação que tem a raça como fundamento”, portanto, o racismo se materializa com a discriminação racial e é definido pelo seu caráter sistêmico. É necessário pontuar que essa tem como fator necessário para a sua consecução a supremacia do poder estatal, que serve como meio para “legitimar” a instituição de políticas que visem a perpetuação da dominação racial no âmbito da sociedade.
Essa “legitimidade”,
segundo Weber, pode se dar de três maneiras: a de caráter racional (baseada na
ordem legal, ou seja, positivada); a de caráter tradicional (pautada nos dogmas
tradicionais de uma sociedade, passados de geração em geração); e a de caráter
carismático (baseada no poder de convencimento que certas pessoas ou ideologias
incidem nas pessoas). É necessário frisar que a dominação racial incide nas
três esferas de “legitimidade” propostas por Weber.
Para exemplificar,
utilizaremos os trechos do livro de Silvio Almeida que versam sobre o racismo,
junto de exemplos reais.
A “legitimidade”
de caráter racional se dá pelo uso do aparato burocrático-opressor para impor
seus interesses políticos e econômicos, de forma a tornar a população oprimida
em reféns do seu próprio sistema, isso se evidencia – de acordo com Silvio
Almeida – com o estabelecimento de
parâmetros discriminatórios que servem para manter a hegemonia do grupo racial
no poder, por meio da omissão de espaços em que se discuta essa disparidade
racial nas instituições públicas, por exemplo.
A “legitimidade”
de caráter tradicional é evidenciada pelo contexto histórico de opressão perpetrada
pela raça dominante desde as épocas do colonialismo que se perpetua até os dias
atuais, essa classificação de legitimação conversa melhor com a “concepção
individualista” de racismo que é conceituada como sendo uma visão sobre a raça
em uma esfera comportamental dos indivíduos e suas atitudes racistas.
Por fim, a “legitimidade”
de caráter carismático é a que instiga a população pela aceitação e continuação
do pensamento preconceituoso. Isso acontece quando líderes (religiosos, intelectuais
ou políticos) averbam frases que condicionam as massas a terem opiniões
miméticas sobre tais assuntos. Um exemplo disso é quando um ex-chefe do poder
executivo, ao se referir sobre uma comunidade quilombola que visitou, disse: “O
afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Acho que nem
pra procriadores servem mais”. Ou quando o atual chefe do executivo diz que: “Afrodescendente
assim gosta de um batuque, de um tambor”, ao se referir a uma trabalhadora
negra, em uma cerimônia de anúncio de investimentos em uma fábrica.
Yago Arbex Parro Costa – 1° Ano de Direito
(Noturno).
A dominação da normalidade
A dominação
da normalidade
No
Brasil, a desigualdade social não é apenas uma realidade estatística, ela é,
sobretudo, uma paisagem silenciosa do cotidiano. Tão presente quanto invisível,
ela parece fazer parte da ordem natural das coisas. A ideia de que algumas
pessoas “sempre viveram assim” ou de que “cada um tem o que merece” expressa
uma lógica perversa: a naturalização da desigualdade. Para compreender esse
fenômeno, é necessário olhar para além das aparências e perceber como a
dominação se constrói e se sustenta no tecido social. Max Weber, ao tratar dos
tipos de dominação, mostra que a obediência às autoridades e às estruturas
sociais não ocorre apenas pela força, mas também porque essas formas de poder
são aceitas como legítimas. Assim, quando a desigualdade é justificada por
discursos meritocráticos ou pela ideia de esforço individual, ela se transforma
em algo que deixa de ser questionado — e, portanto, permanece.
Além
disso, é fundamental considerar que essa aceitação não acontece de forma neutra
ou espontânea. Ela é resultado de um processo histórico marcado por exclusões e
privilégios. Nesse sentido, o pensamento de Silvio Almeida sobre o racismo
estrutural é essencial para compreender como a desigualdade racial é produzida
e reproduzida no Brasil. Para o autor, o racismo não se limita a atitudes
individuais, mas estrutura o funcionamento das instituições, das relações
econômicas e dos padrões culturais. Consequentemente, quando a população negra
é sistematicamente empurrada para as margens seja nas estatísticas de renda,
seja na sub-representação política ou nas taxas de violência, isso não é um
acaso, mas uma manifestação concreta dessa dominação que opera de forma
silenciosa e persistente.
É
justamente essa persistência que torna a desigualdade ainda mais difícil de
enfrentar. Quando as diferenças de acesso, oportunidade e reconhecimento são
tratadas como parte da normalidade social, qualquer tentativa de transformação
parece desnecessária ou até mesmo injusta com aqueles que “venceram por
mérito”. O discurso meritocrático, amplamente difundido, funciona como um dos
principais mecanismos de manutenção da ordem social, pois oculta as
desigualdades estruturais sob uma aparência de justiça e imparcialidade. Assim,
a dominação se atualiza e se renova sem precisar recorrer à violência direta:
basta que continue parecendo legítima aos olhos da maioria.
Portanto, romper com a naturalização das desigualdades exige, antes de tudo, desfazer os discursos que as sustentam e iluminar as estruturas que as produzem. É necessário expor os mecanismos simbólicos e institucionais que transformam a injustiça em rotina e o privilégio em mérito. Só assim será possível construir uma sociedade em que as diferenças não sejam desculpas para a exclusão, mas pontos de partida para a equidade. Enquanto a dominação continuar disfarçada de normalidade, a desigualdade seguirá como regra e não como exceção a ser combatida.
Felipe Bechelli Caldas 1ºano matutino
A Autoridade como Estrutura de Dominação na Contemporaneidade
A autoridade, em sua dimensão clássica, é compreendida como um mecanismo necessário para a organização e o funcionamento das sociedades. No entanto, essa estrutura, longe de se limitar ao campo da neutralidade normativa, opera historicamente como um instrumento de manutenção de privilégios e exclusões. Em contextos marcados por desigualdades profundas, como o brasileiro, o exercício da autoridade muitas vezes se confunde com práticas autoritárias, seletivas e violentas. A análise crítica desse fenômeno, à luz das contribuições de Max Weber e Silvio Almeida, permite compreender como a autoridade se articula com sistemas de dominação que persistem na atualidade.
Segundo Max Weber, a autoridade pode se manifestar sob formas tradicional, carismática ou racional-legal. Esta última, base dos sistemas burocráticos modernos, legitima-se pela crença na legalidade das normas e na competência institucional. No entanto, tal legitimidade pode ser questionada quando o aparato legal falha em garantir equidade. A seletividade penal, a impunidade de elites econômicas e a criminalização de populações periféricas demonstram que a autoridade racional-legal, no Brasil, é frequentemente moldada por interesses de classe e raça. O distanciamento entre o ideal normativo e a prática concreta enfraquece o pacto social e evidencia a autoridade como ferramenta de dominação e exclusão.
Sob essa perspectiva crítica, Silvio Almeida, em Racismo Estrutural, aprofunda a compreensão das engrenagens sociais que sustentam a autoridade em sociedades racializadas. O autor demonstra que, em contextos como o brasileiro, o racismo não é um desvio pontual, mas parte constitutiva da organização social e institucional. A autoridade policial, por exemplo, tem sido exercida com desproporcional violência sobre corpos negros, como o caso de abordagem a turistas negros, filhos de diplomatas, no Rio de Janeiro em julho de 2024. Essa ocorrência não é exceção, mas sintoma de uma estrutura em que a autoridade legitima e reproduz desigualdades históricas. Assim, a autoridade revela-se frequentemente como um dispositivo de silenciamento de grupos subalternizados.
Dessa maneira, a autoridade não se reduz a uma função organizadora da sociedade, mas aparece como um elemento ativo na reprodução de hierarquias sociais e de desigualdade racial e econômica. A permanência de práticas excludentes, legitimadas pelo aparato institucional, indica a necessidade de repensar criticamente a legitimidade e os limites da autoridade em contextos democráticos. Desvincular a autoridade da dominação, especialmente quando racializada e classista, constitui um dos principais desafios das sociedades contemporâneas na busca por justiça e igualdade substantiva.