A ação
judicial de reintegração de posse, relativa à área conhecida como comunidade do
Pinheirinho, foi executada em 22 de janeiro de 2012, um domingo, em favor da Massa Falida do grupo Selecta.
Inesperadamente, dois mil homens da Polícia Civil de São Paulo concentraram
forças no terreno de mais de um milhão de metros quadrados com uma finalidade
simples e óbvia: retirar daquele local 5.500 pessoas, 1.600 famílias de
trabalhadores. Como se seus objetivos já não fossem por si só degradantes o
suficiente, toda a ação se deu embasada por extrema violência e por uma série
de abusos por parte dos policiais militares – ocorreram mortes, denúncias de
estupros e inúmeras outras denúncias relativas a tantos outros tipos de
violação da dignidade humana.
Quando se
observa a condução do caso do Pinheirinho, como é conhecido, facilmente se
estabelece uma relação entre o ocorrido e a teoria de Karl Marx. Marx afirmava
que o Direito era elaborado e conduzido por uma classe, servindo a um Estado
que, por sua vez, também existia e funcionava em favor dessa classe dominante.
Talvez não haja, de fato, exemplo mais nítido daquilo que afirmou Marx do que o
próprio Massacre do Pinheirinho.
Aqueles responsáveis por aplicar e fazer valer o Direito com racionalidade,
imparcialidade e responsabilidade social simplesmente responderam àquilo que
estão condicionados a responder: à classe dominante e à defesa de seus
interesses, expressa na ordem de reintegração de posse.
Quando o
Judiciário constata que a ação de reintegração de posse do Pinheirinho
confronta dois direitos constitucionais de mesma hierarquia, o direito à
propriedade e o direito de moradia, não hesita em decidir pela defesa do
direito à propriedade, já que ele representa o direito do ter, e é esse direito que o Estado burguês valoriza. O direito à
moradia, por outro lado, é muito mais o direito do ser – para aquelas pessoas que, há pelo menos sete anos ocupavam a
região, uma moradia era infinitamente mais do que uma propriedade. Para aqueles
trabalhadores e suas famílias, suas moradias representavam a construção de uma
vida e de seus sonhos. Mas, como Marx afirma, o Direito serve a uma classe, e a
ela fielmente serviu nesse caso, ainda que houvesse a possibilidade de ter
feito a coisa certa.
Constitucionalmente,
a situação poderia (e deveria) ter sido conduzida com respeito aos valores
democráticos e aos princípios constitucionais. Até mesmo o Direito burguês
menciona a necessidade de haver uma função social da terra – mas a juíza
encarregada, e tantos outros envolvidos no caso, escolheu atender aos
interesses do capital, e não da pessoa humana.
A decisão do Judiciário, inclusive, não corresponde ao que se encontra
estabelecido em muitos dos pactos internacionais de que o Brasil é signatário –
pactos esses que valorizam o direito à moradia e a ideia de função social da
terra.
O que se
percebe é que a juíza, os defensores e promotores envolvidos no caso, como Marx
defendia, contribuíram para que se consolidasse a ideia de que o Direito não
almeja promover a felicidade geral, mas sim uma felicidade de classe – a
felicidade da classe dominante. Naquele dia, no Pinheirinho, trabalhadores
tiveram direitos fundamentais violados simplesmente porque deram uma função
social à terra – função esta que o imóvel não possuía antes de sua ocupação;
função que Naji Nahas, o proprietário, nunca intencionou conferir a ela – seus
fins eram meramente especulativos. Assim, percebe-se que a teoria marxista,
apesar de parecer absurda e surreal para muitos, não raramente se manifesta com
uma clareza assustadora na sociedade contemporânea, sendo o Direito
frequentemente usado a favor da classe dominante, como forma de pressionar e
subjugar os dominados – por isso a necessidade gritante de que, cada vez mais,
aqueles encarregados de administrar o Direito atentem-se às necessidades
sociais.
Heloísa Ferreira Cintrão
1º ano - Direito Diurno