“63% dos brasileiros acreditam que os serviços públicos são desvalorizados e carecem de estrutura para atender às necessidades da população.” É o que uma pesquisa do Datafolha evidenciou recentemente. Nesse ínterim, cabe a seguinte reflexão: qual é o papel do neoliberalismo nesse contexto? E de que maneira essa doutrina político-econômica, originária do século XX e caracterizada por uma ampla liberalização financeira — que abrange desde a austeridade fiscal, o livre-comércio e até a desregulamentação — se insere na teoria sociológica de Marx e Engels sobre as facetas do capitalismo nas sociedades?
Sob essa ótica, a priori, vale uma elucidação histórica da implementação da doutrina mencionada, a fim de complementar o tema em questão. Evidencia-se, com isso, o advento do neoliberalismo no país no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, em uma realidade socioeconômica e política profundamente marcada pelo esgotamento do modelo estatal intervencionista, o qual não conseguiu se sustentar e abriu margem para a introdução da nova lógica econômica em território nacional. Somam-se a isso as generalizadas dívidas públicas, a alta inflação e as crises financeiras herdadas desde o período ditatorial, as quais facilitaram o incremento de medidas de reajuste e reformas estruturais propostas pelo novo “padrão” econômico, além da grande influência dos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso no incentivo e na implementação de políticas neoliberais no país.
Em um segundo plano, é de suma importância a concepção de Marx e Engels, especialmente nas obras O Manifesto Comunista (1848) e A Ideologia Alemã (1846), nas quais defendem que o capitalismo é um sistema histórico em constante transformação, autocontraditório, que busca expandir-se e adaptar-se às crises, uma vez que estas são internas e recorrentes nesse modo de produção. Em virtude disso, o neoliberalismo, ao assumir uma perspectiva de “eficiência e esperança” em meio à crise dos Estados intervencionistas — em especial no Brasil — acabou se consolidando como uma expansão dessa nova fase do capitalismo global.
Outrossim, contemporâneos como o austríaco Friedrich Hayek e o estadunidense Milton Friedman já defendiam essa nova doutrina, segundo a qual as pessoas deveriam ser livres da tutela do Estado e, dessa forma, poderiam se desenvolver plenamente por meio do individualismo, da democracia representativa e da liberdade de concorrência econômica no mercado. Em contrapartida, há quem questione, sobretudo considerando a realidade brasileira, os reflexos práticos dessa “eficiência e esperança político-econômica”: desigualdades sociais, violência urbana, precarização trabalhista e, principalmente, a descrença nos serviços públicos. Isso porque a introdução desse modelo neoliberal implica o desmonte do Estado de bem-estar social e, por consequência, da manutenção e implementação efetiva das atividades estatais essenciais, como saúde e educação. Com isso, cria-se uma percepção coletiva de que essas infraestruturas são ineficientes no atendimento às necessidades da população, legitimando e incentivando a descrença nesses serviços.
Assim, por conseguinte, paráfrases como “O trabalho não pertence ao trabalhador, mas ao capital” — Marx (1844) — refletem com precisão o cenário destrutivo dessa nova expansão capitalista, na qual tanto o trabalhador brasileiro quanto os serviços que deveriam suprir suas necessidades essenciais enquanto cidadão acabam sendo vítimas desse caráter neoliberal, reduzidos a meras mercadorias, quase sem proteção ou direitos, conduzidos à uberização, terceirização, privatização, desvalorização...