A luta por reconhecimento foi objeto de estudo de Axel
Honneth, o qual se empenhou em conectar a perspectiva social com a perspectiva
individual com o intuito de promover uma sociologia acerca do reconhecimento
social. Por definição, trata-se da atitude positiva para consigo mesmo que
permite o auto-conhecimento e auto-realização. O reconhecimento, de acordo com
sua teoria, seria capaz de levar ao respeito e estaria relacionado com a ideia
de reciprocidade. Para que o indivíduo chegue às condições sociais essenciais
para seu auto-conhecimento, faz-se necessária a aquisição cumulativa das três
formas de reconhecimento (amor, auto-respeito, auto-estima). Para tanto, a
individualização se mostra de extrema importância, visto que para se alcançar
resultados coletivos é preciso partir da esfera individual, isto é, conhecer a
si mesmo.
A
gramática moral, na sociologia de Honneth, consiste nas regras inscritas nas
três dimensões do reconhecimento, ou seja, o amor, o direito e a solidariedade.
Na primeira delas, os indivíduos se sentem dependentes um dos outros e se
confirmam mutualmente na natureza concreta de suas carências, fazendo do amor o
sentimento propulsor de tal reconhecimento. Na dimensão do direito,
configura-se uma nova forma de reciprocidade, uma vez que obedecendo à mesma
lei, os sujeitos de direito se reconhecem reciprocamente como pessoas capazes
de decidir com autonomia individual sobre normas morais e tornam-se seguros do
cumprimento social de algumas de suas pretensões. Por fim, na dimensão da
solidariedade, quanto mais os movimentos sociais chamam a atenção da esfera
pública para suas capacidades representadas de modo coletivo, maior a
possibilidade de elevar na sociedade o valor social. Às três formas de
reconhecimento correspondem três tipos de desrespeito, cuja experiência pode
influir no surgimento de conflitos sociais.
Um
exemplo prático dessa luta por reconhecimento se evidencia pela decisão do STF
acerca da união entre pessoas do mesmo sexo. Por unanimidade dos votos,
consolidou-se o reconhecimento dessa forma de união como entidade familiar, de
modo a gozar do mesmo reconhecimento que o Estado concede à união estável entre
homem e mulher. O não reconhecimento apenas legitimava uma cultura homofóbica
enraizada na sociedade, reforçando as injustiças culturais e comprometendo a
capacidade do homossexual de viver a plenitude da sua orientação sexual, além
de privá-lo de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais. Com a
relatoria do ministro Ayres Britto, a ADPF 132 foi reconhecida como ação direta
de inconstitucionalidade, e julgada em conjunto com a ADI 4277. Deu-se a
interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado
do Art. 1723 do Código Civil, o qual enuncia que “É reconhecida como entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família”. Essa técnica de “interpretação conforme a Constituição” foi utilizada
com o intuito de excluir do dispositivo qualquer significado preconceituoso que
impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar.
Trata-se
de uma medida de extrema importância levando-se em conta que estende, aos
companheiros de mesmo sexo, os mesmo direitos e deveres dos companheiros nas
uniões entre homem e mulher. Isso é extraído de princípios constitucionais como
a igualdade, a segurança jurídica (caput Art. 5º), a liberdade (inciso II do
Art. 5º) e a dignidade da pessoa humana (inciso IV do Art. 1º), além da vedação
a discriminações odiosas. Além disso, mostra-se razoável levar em conta o
tratamento constitucional da instituição da família, visto que o caput do Art.
226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado, sem
fazer distinção se é constituída por casais heteroafetivos ou homoafetivos.
Deve-se considerar, ainda, que a homossexualidade constitui um “fato da vida” e
que não viola qualquer norma jurídica e nem é capaz, por si só, de afetar a
vida de terceiros, não havendo qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no
estabelecimento desse tipo de união.
Observa-se,
assim, a direta relação entre a sociologia de Honneth e a luta pelo
reconhecimento da união homoafetiva. A decisão por unanimidade de votos no STF é
apenas um ponto de partida, um reconhecimento parcial e não simboliza a
emancipação plena. No entanto, significa um primeiro passo essencial, visto que
partindo desse tipo de reconhecimento no campo do Direito, talvez se alcance em
outras áreas o reconhecimento pleno. O resultado não será imediato, mas a função
do direito como emancipador é fundamental. Mostra-se, dessa forma, uma
modalidade de luta social, termo explorado por Honneth. Para ele, seria um
processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são
interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de modo
que podem exigir relações ampliadas de reconhecimento. O âmbito coletivo deve
ser destacado na medida em que o surgimento de movimentos sociais depende de
uma semântica coletiva que permite interpretar as experiências de
desapontamento pessoal como algo que afeta não só o eu individual, mas vários
outros sujeitos. Os confrontos sociais, assim, se efetuam segundo o padrão de
uma luta por reconhecimento, a qual consiste em uma articulação do individual
com o coletivo e só pode ser caracterizada como social quando seus objetivos se
deixam generalizar para além das intenções individuais. Conclui-se, com tudo
isso, que a luta por reconhecimento se faz um processo de extrema importância e
pode ser aplicado em diversos âmbitos das relações sociais. Nesse sentido, o
Direito pode exercer papel fundamental, a exemplo do caso da ADI 4277, como
emancipador e facilitador do reconhecimento social.
Gustavo Garutti Moreira – 1º Ano Direito Matutino