No último sábado (1/8) fiz
uma coisa que há muito tempo não fazia: Acessei uma rede social. Por uma série
de motivos de ordem pessoal optei há alguns anos por abandonar essas
plataformas de interação de massa. Com exceção do indispensável WhatsApp, me
isolei desde então na ilusão de anonimato, sem ter de observar da primeira
fileira a vida alheia e nem ter de repassar correntes que não representam meus
interesses. E é justamente sobre esse último aspecto que será erigido o texto.
A rede social escolhida-
por questões que fogem à minha vontade- foi o Twitter. O canarinho azul da
discórdia, como me descreveram os mais jovens, não raro é utilizado como
departamento de reclamações do mundo on-line ou até divã de pessoas
pouco assessoradas psicologicamente. Mas nenhum desses pontos é uma novidade,
questionará o leitor, afinal todas elas podem ser usadas com essa mesma
finalidade. Bom, é verdade. Entretanto, o diferencial do Twitter é o fato de
que ele se baseia em um modelo peculiar de compartilhamento corrente de textos
com um certo limite de caracteres, o que- embora também circulem fotos- o
assimila a um fórum de comentários.
Esse formato maximiza seu
potencial de difusão de opiniões e foi preciso pouco tempo para que eu
testemunhasse um produto indireto dessa dinâmica, que vem ganhando corpo com o
tempo: Um exposed. O fenômeno consiste na exposição dentro da rede, de
uma pessoa- pública ou não- que alegadamente cometeu uma infração social
e, por isso, merece ser penalizada, para o bem geral e melhoria gradual da
sociedade. Na prática, no entanto, está mais para um boicote coletivo a alguém
que não correspondeu aos interesses de um grupo específico, este que determina
as opiniões corretas em nome de uma suposta pauta positiva. Tal comportamento
não me surpreendeu, haja vista que já é previsível e foi- acredite- teorizado.
Émile Durkheim
(1858-1917) foi um pensador francês e, junto a Karl Marx e Max Weber, é
considerado o pai da sociologia. Ele foi responsável pelo estabelecimento do
conceito de “Fato social”. Fatos sociais, segundo o autor, são maneiras de
agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade de existirem fora das
consciências individuais. Representam, além disso, um imperativo sobre as ações
mais corriqueiras, guiando a massa e instigando um pensamento em conjunto. No
caso do exposed, não existe sequer um artigo na lei formal brasileira
que preveja a aplicação de penas a opiniões divergentes- que orbitem no âmbito
legal- e que, portanto, torne legítima a ação de grupos que operam a censura a
contas. Entretanto, essa lógica tem
perspectivas de continuar ocorrendo e com cada vez mais frequência, graças à
adesão de pessoas que podem não concordar, mas temem terem o mesmo destino caso
não sigam a cartilha previamente orientada.
É aqui que chegamos a um
ponto de maior conflito. A cultura do cancelamento- cipoal de penas sociais da
internet- limita a circulação de opiniões espontâneas e mobiliza a massa em
nome do extermínio de dissidentes do pensamento de manada. Nesse mesmo viés, mais
uma parcela de pensamento descrito por Durkheim é notada . De acordo com suas
análises, sociedades pré-modernas em sua organização de Direito, teriam no
Direito penal sua maior expressão, de modo que atos que abalassem a coesão do
grupo e a coletividade deveriam ser retaliados. Os tribunais do cancelamento
incorporam esse sentido ao serem guiados por ímpetos emocionais apenas. Réus são
processados passionalmente e punidos de maneira desproporcional, com vidas e
carreiras potencialmente arrasadas. Além disso, assim como em sociedades
pré-modernas, existe um duplo sentido na pena: Como ela ressoa no grupo por
inteiro. Como em uma execução em praça pública, o condenado sofre o exposed
e simultaneamente é usado como um exemplo para o restante da turba que passa a
agir de maneira condescendente às ações dos inquisidores. Essa conduta forçada
seria uma maneira de manter a coesão social no que Durkheim definiu como solidariedade
mecânica.
Um exemplo mais simples
para ilustrar iria bem, diz o leitor. Pois bem: Diante do momento de inquietação
política no Brasil e no mundo alguém, com grande repercussão no Twitter e no Instagram,
acaba por não se posicionar no que diz respeito ao movimento Black Lives Matter,
por exemplo. Imediatamente, é colocado contra a parede pelo pecado cometido. Em
geral, a pessoa acusada não oferece resistência, se desculpa e adere sem
maiores delongas à estética do movimento. Caso contrário, será cancelada,
perderá seguidores, patrocinadores e eventualmente seu sustento, mesmo que
defenda a causa negra, mas por quaisquer motivos não tenha compartilhado um simbólico
fundo preto. Nada mais primitivo juridicamente.
Durkheim não previu as
redes sociais. Não pode imaginar que seu trabalho de doutoramento- A divisão do
trabalho social- iria ser visto na prática em um meio de comunicação em que o
objetivo era a integração de mentes individualizadas e espontâneas, como em uma
sociedade em que a solidariedade orgânica é predominante. Pelo contrário, um
Direito informal estabelecido em bases de passionalidade e agressividade com o
que pensa diferente é a regra geral e assim continuará, infelizmente.
Bom, ao final, com fatos
sociais inquisitórios a perder de vista e uma solidariedade mecânica a pontuar
no horizonte, nada mais sábio do que aproveitar meu simulacro de isolamento anti-redes
e não me dar ao vexame de adentrar seus portões novamente. E claro, me assumir
enquanto eremita digital.
Fernando Camargo Siqueira- 1°ano- Noturno- RA: 201220954