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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A epistemologia do sul e a linha abissal

 No texto-estudo “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, de Sara Araújo, a autora traz diversas colocações intrigantes a respeito da construção e da constrição do Direito, atribuindo a agentes em locais geográficos a autoria e os louros dessa lógica. Para a autora o Direito, junto a ciência, segue axiomas ditados por grupos hegemônicos, que constrangem e limitam o mesmo, fazendo-o cumprir unicamente uma epistemologia e colocando “pra lá da linha abissal” outros Direitos – locais, específicos, improdutivos, diferentes, atrasados, não evoluídos.


Contra essa lógica surgiria a epistemologia do sul, que em contraposição ao Direito nortenho e eurocêntrico, seguiria princípios que visam estabelecer uma horizontalidade das tradições jurídicas, fazendo-as coexistir e dando visibilidade às diversas civilizações e povos.


Vemos essa quebra de paradigma no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132.


Neste caso foi julgado o reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar, visando a aplicação do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro para qualquer tipo de união estável, e não somente para a união entre homem e mulher.


Os efeitos dessa decisão foram imediatos e de fato fez-se efetivo um direito básico para uma parcela da população antes excluída e não atendida. Nos últimos 10 anos, foram registradas no brasil 21,6 mil escrituras de uniões estáveis homoafetivas. Só em 2020, foram 2.125.


Dessa forma, o fenômeno descrito por Sara Araújo se vê materializado em diversos casos no Direito brasileiro, principalmente nas últimas duas décadas, que inovam e positivam direitos e conceitos antes não atendidos no ordenamento.


Porém, vale-se ressaltar possíveis limitações. O norte geográfico compreende diversas culturas e civilizações, dentre elas muito diferentes. Devemos evitar o maniqueísmo e a simplificação de sistemas jurídicos, culturais e políticos, de forma a os entender em uma lógica limitada e generalizada, a servir muitas vezes um projeto político, como no caso da própria autora. Vemos, por exemplo, teorizações e tradições no Sul geográfico (igualmente diverso e multicultural), que vão em consonância a preceitos tidos como hegemônicos.


Assim, podemos dizer que devemos evitar “jogar o bebê com a água do banho” (ditado anglo-saxônico, com origem alemã, que assim como suas tradições jurídicas e científicas, tem muito a nos ensinar).


Miguel F. C. Rodrigues - Direito NOTURNO - 2° Semestre

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail dia 06 de dez. de 2021, 00h21

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