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domingo, 20 de novembro de 2022

Análise sociológica sobre a ADPF 186

 O Supremo Tribunal Federal julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, requerida pelo Partido Democratas (DEM) que questionava a constitucionalidade da implementação de cotas raciais na Universidade de Brasília. Por unanimidade entre os ministrou, decidiu-se pela improcedência da ADPF e pela constitucionalidade da implementação da política de cotas étinico-raciais na universidade, baseada no princípio da igualdade e no direito fundamental ao acesso à educação encontrado nos Arts. 6, 204 e 214 da Constituição. 

A tentativa do partido em remover e questionar a política de cotas na universidade representa não só um conflito no conhecido “espaço dos possíveis” de Pierre Bourdieu, mas também a perpetuação da violência simbólica, conceito estudado e difundido, também, pelo filósofo. Há, na sociedade, a existência de uma estrutura de poder que perpetua a violência contra grupos minoritários não apenas de forma física, mas, principalmente, de forma moral e psicológica, em que condiciona e coloca os grupos em situações de violência silenciosa, restringindo cada vez mais seus direitos e liberdades. Nesse contexto, a decisão do STF que foi contra a perpetuação da violência institucional e estrutural, prezando pela igualdade no acesso à educação e no direito a tal, ampliou o Espaço dos Possíveis em prol da expansão e da manutenção dos direitos, bem como possibilitou a historicização da norma.

Sob a perspectiva de Garapon, o Direito apresenta-se como resultado das ações sociais que dão visibilidade às pautas sociais coletivas. A luta antirracista e os movimentos sociais inserem-se como força política capaz de pedir e, neste caso, conseguir mudanças, em um contexto de um país fundado e desenvolvido sob a tradição e o pensamento racista e elitista perpetuado entre gerações, e que pouco fez (ou faz) políticas públicas efetivas visando não só a inclusão, como também a redução da discriminação. Sendo o Direito uma ferramenta de transformação social, esta se consolida quando as demandas e as necessidades sociais são ouvidas, analisadas e atendidas de maneira adequada. 

Na mesma perspectiva, a mobilização pública e social é vista como uma resposta à falta de garantia de direitos e de políticas efetivas pelo Estado, por McCann. As ações coletivas que pressionam os poderes políticos, ganham determinada relevância no campo político fazendo com que, eventualmente, de fato as reivindicações sejam atendidas. Com a improcedência da referida ADPF, concedeu-se um precedente para que logo após a Lei de Cotas fosse promulgada e a política de cotas fosse obrigatória nas universidades, representando um avanço nas políticas públicas sociais antirracistas.

A perpetuação da discriminação e da tentativa de manutenção de tal violência simbólica tem fundamento nos estudos da epistemologista Sarah Araújo. Para ela, o anseio pela segregação vem do não reconhecimento do outro como um igual, mas sim do outro como um selvagem, primitivo e inferior e, sendo inferior, não poderia se misturar bem como conviver com o resto da sociedade. De tal pensamento advém, também, o conceito de alterocídio, que trata da busca por eliminar aqueles que são diferentes, pois são reconhecidos como dessemelhantes racialmente.

Em conclusão, em um país racista marcado pela elite branca, a decisão do Supremo Tribunal Federal inseriu-se como um avanço nas políticas públicas sociais, de suma importância para a redução da violência simbólica e um caminho para a garantia de igualdade material e não apenas formal entre os indivíduos, conforme roga os artigos da Constituição.


Ana Laura Murari Silva 

1o ano Direito - matutino


ADPF 186 e sua luta pela igualdade material

     A ADPF 186 trata nada mais do que a a legitimação da cota racial dentro de processos seletivos públicos o que pode ser considerado um grande avanço dentro da jurisprudência tendo em vista a evolução do pensamento dentro do corpo social vislumbrando uma maioria dentro da sociedade brasileira.

    Tendo em vista a fala de Bourdieu, é preciso estabelecer espaços dos possíveis para que um corpo social consiga se unificar e deixar com o que a maior parte de benefícios e direitos sejam exercidos pela população como um todo e não apenas sob apenas uma elite da mesma, então a decisão abarca uma instituição de ferramentas para que essa efetiva concretização do princípio da equidade e igualdade material como fonte seja alcançado.

    Para mais, segundo Araújo, "tudo o que é local ou particular é invisibilizado pela lógica da escala global.”, assertiva que podemos claramente identificar com a realidade da população preta dentro das comunidades levando em consideração a sua marginalização e exclusão notória de aspectos e acessos como em universidades, cargos públicos e muitos outros devido, principalmente, à falta de condições igualadas com as que os brancos possuem na sociedade racista em que era e ainda se apresenta. Em conjunto com os preceitos de McCann é possível visualizar a necessidade da mobilização institucional para ações estratégicas dentro do direito, como vemos na APPF aqui discutida que argumenta em prol de uma ação coletiva que visa a prospecção de um ambiente cada dia mais igualitário sob suas determinadas circunstâncias da realidade.

    Desta forma, essa luta cotidiana da coletividade preta conquistada com a ADPF 186, pode ser visto como um pequeno passo para a evolução jurídica e social da sociedade em que vivemos assim como a necessidade do protagonismo de tribunais, conforme explicita Garapon, para que seja viável essa distorção da realidade para algumas pessoas brancas se exaurir e conseguirmos prosseguir com a criação de demais instrumentos que igualem a vida dentro de uma mesma esfera.

Melissa Banin - 1º ano Direito - NOTURNO

ADPF 186: Caminhos para Reparação e Promoção da Pluralidade nas Universidades Brasileiras

     A Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental (ADPF) 186 fora ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) e colocava como improcedente e inconstitucional a existência de cotas étnico-raciais, precisamente expressas pela a Ata da Reunião Extraordinária do Conselho Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), realizada em 06 de junho de 2003; a Resolução 38 do CEPE, de 18 de junho de 2003; o Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial, no que concerne a seus objetivos, ações para alcançá-los, definição do acesso à universidade, permanência na universidade e caminhos para a implementação do plano; e itens do Edital 2, referente ao segundo vestibular de 2009, de 20 de abril de 2009, do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE) da Universidade de Brasília (UnB), sendo esta uma instituição vanguardista no país ao promover este sistema de inclusão. Nesse sentido, o parecer do Supremo Tribunal Federal foi de considerar como improcedente esta ADPF, de modo a afirmar as cotas étnico-raciais como constitucionais representando um passo importante para a promoção de garantias de direitos a grupos historicamente excluídos. Dessa maneira, faz-se imperiosa a discussão acerca da importância do sistema de integração por meio das cotas étnico-raciais nas universidades brasileiras, de modo a discorrer sobre os seguinte tópicos: acerca de sua pertinência, sobre a ação do tribunal, os efeitos desta ação, e a propiciação da ecologia dos saberes.

    Em primeiro plano, é preciso ressaltar que as cotas representam um avanço na promoção e asseguração de direitos materiais, de modo a ser, desta forma, de extrema relevância e pertinência ao país. Nesse sentido, do panorama histórico, entende-se que a população preta sempre sofrera com estigmas e preconceitos baseados em raízes do passado escravocrata do país que, dado uma Lei Aurea tardia e sem provisão de integração - demonstrando uma postura negligente quanto a estes grupos – propiciou a manutenção de um quadro de exclusão. Além disso, observa-se que o mito da democracia racial, colocado pela obra Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire, muito cultuado e ainda presente no imaginário de alguns brasileiros, demostra nada mais do que um véu sobre o racismo presente nas relações sociais do país. Tal tópico é discutido no voto do Min. Luiz Fux, o qual ressalta que Não se trata, como afirmou o partido requerente da ADPF, de uma “infeliz correlação entre a cor do indivíduo, pobreza e a qualidade do estudo”, fazendo crer que tudo não passaria de obra inescapável do destino, uma triste coincidência. As estatísticas de hoje são produto de ações pretéritas. Revelam com objetividade as cicatrizes profundas deixadas pela opressão racial de anos de escravidão negra no Brasil. Nesse período da história nacional, a cor da pele dizia,sem qualquer pudor, o lugar do indivíduo na sociedade  Dessa maneira, entende-se que, compreendidos em um panorama histórico de exclusão, que se reflete na entrada nas universidades, é de extrema importância a integração através das cotas, uma vez que tal ação está compreendida no “Espaço dos Possíveis” de Pierre Bourdieu – referente as possibilidades de efetivação e compatibilização da norma com sua realidade -, referidos tanto por lutas sociais quanto positivos em, por exemplo, na Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil em 1968, segundo o qual ações afirmativas são “(...) medidas especiais e concretas para assegurar como convier o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais de indivíduos pertencentes a estes grupos com o objetivo de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ”,  ela se faz permanente já que viabiliza a promoção da igualdade material dos Direitos pleiteados decorrendo de uma historicização desta demanda por este grupo. Acerca deste cenário, a jurista Daniela Ikawa expõe que: “O princípio formal de igualdade, aplicado com exclusividade, acarreta injustiças (...) ao desconsiderar diferenças em identidade. (...) Apenas o princípio da igualdade material, prescrito como critério distributivo, percebe tanto aquela igualdade inicial, quanto essa diferença em identidade e contexto. Para respeitar a igualdade inicial em dignidade e a diferença, não basta, portanto, um princípio de igualdade formal. (...) As políticas universalistas materiais e as políticas afirmativas têm (...) o mesmo fundamento: o princípio constitucional da igualdade material.” Nesse sentido, verifica-se que devem existir mecanismos que promoção a igualdade material, de modo a superar seu caráter meramente formal que não disponibiliza os mecanismos práticos de efetivação dos direitos, reforça, tal visão, Boa Ventura de Souza Santos em “Há necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. Logo, verifica-se que as questões históricas ligadas a exclusão e preconceitos para com esses grupos demandam de ações que promovam a igualdade material, estando essas contempladas pelo Espaço dos Possíveis, pertinentes ao caráter de historicização da norma, e refletem um sistema racionalizado que garante direitos na área educacional.

Em segundo plano, são necessárias reflexões acerca da ação do Supremo Tribunal Federal no caso proposto. Nesse panorama, compreende-se o julgamento da ADPF como mecanismo previsto no próprio corpo Constitucional, de modo a servir como ferramenta para que o judiciário, mediante provocação – neste caso, proposta pelo Partido Democratas – verse soluções que determinem a constitucionalidade, ou a ausência dela na ação em questão. Desta forma, tal processo é natural da Constituição e demostra um aprofundamento da democracia, uma vez que traz à tona questões recorrentes, muitas vezes a grupos historicamente excluídos, os quais as demandas, muitas vezes são negligenciadas no campo legislativo, que se mostra omisso na promoção de produções que deem voz a essas problemáticas que, no caso, estavam expressas constitucionalmente através dos conceitos de “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”; “pluralismo de ideias”; e “gestão democrática do ensino público. Nesse sentido, tal panorama é reforçado pelo pensador Garapon, que expões a necessidade da ação dos tribunais como atores que promovam a magistratura dos sujeitos que por via da autodeterminação não possuem expressão suficiente para mudança de ainda arcaicos e rígidos manutentores do poder político no país. Assim, observa-se que o Julgamento pelo Supremo Tribunal Federal oferece uma promoção de garantias de direitos educacionais ao versar como constitucional o sistema de ingresso universitário via cotas.

Ainda, é necessário discorrer acerca da mobilização do direito no caso e sobre as consequentes mudanças decorrentes da decisão. Nesse sentido, a decisão, primeiramente, de promoção das cotas viera da Universidade de Brasília, uma vez lhe conferida autonomia de dispor de certas questões referentes a sua gestão - art. 207 (CF, 1988) garante às universidades, entre outras prerrogativas funcionais, a autonomia didático-científica e administrativa, fazendo-as repousar, ainda, sobre o tripé ensino, pesquisa e extensão.-, em contraposto, o partido Democratas surge como uma disposição contrária a essa prática, julgando-a inconstitucional. Nesse sentido, o STF, entende que a medida é constitucional e, dessa forma, propicia a expansão da promoção desta forma de ingresso em outras universidades do país. Dessa maneira, McCann expressa a mobilização do Direito como as ações de indivíduos e grupos de determinada luta social que conseguem por meio dessa devida expressão no campo do Direito, assegurando ou pleiteando sua materialidade, tal panorama promove, na visão do autor, um sentido de maior visibilidade que influência as ações futuras com relação ao tema discutido. Esse panorama é elucidado também, pelos pensadores Frankfurtianos: “as minorias étnicas e culturais se defendem da opressão, marginalização e desprezo, lutando, assim, pelo reconhecimento de identidades coletivas, seja no contexto de uma cultura majoritária, seja em meio à comunidade dos povos. São movimentos de emancipação cujos objetivos políticos coletivos se definem culturalmente, em primeira linha, ainda que as dependências políticas e desigualdades sociais e econômicas também estejam sempre em jogo.” Por fim, os efeitos das mobilizações travadas possibilitam a expansão da promoção e garantia de direitos.

Dessa forma, cabe discussão da questão do pensamento abissal e a propiciação do ecologia dos saberes aplicados a ADPF 186. Nessa continuidade, o pensamento abissal é categorizado, de acordo com Sara Araújo, como a “inexistência” de pensamentos e produções que aconteçam “do lado de lá” das premissas “modernas” de conhecimento abarcadas por ideais eurocêntricos, de modo a construir uma divisão - o pensamento moderno impõe e estabelece os limites de uma linha abissal que divide o mundo entre o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. Dessa maneira, a ecologia dos saberes constituiria um panorama de quebra com essa visão monopolizada do Direito, promovendo a agregação, a integralização de diversas lutas jurídicas, -  tal como a promoção da inserção do sistema de cotas como meio reparador e de promoção do acesso as universidades, tal ação promove, consoante a Oscar Vieira, o benefício do “bem público da educação” pelos menos favorecidos descritos no circulo histórico de exclusão; assegura a construção de um ambiente que favoreça a dignidade humana e uma sociedade mais justa, além de produzir conhecimentos que tragam o ponto de vista desses grupos, enriquecendo o fazer cientifico. Dessarte, compreende-se a importância da construção de uma ecologia dos saberes no campo jurídico e educacional como forma de ceifar o pensamento abissal alicerçado por ideais limitantes e de base preconceituosa.

Depreende-se, portanto, que a decisão do Supremo Tribunal Federal pela Constitucionalidade das cotas raciais nas universidades brasileiras fora de extrema pertinência para garantia de direitos básicos a educação . Para tal análise foram abarcados, principalmente, ideias dos pensadores Bourdieu, Garapon, MaCann, e Sara Araujo, que forneceram base aos tópicos aqui discutidos. Destarte, compreende-se a importância da decisão como um passo importante no caminho para a reparação e promoção da pluralidade dos espaços universitários do país

 Larissa Vitória Moreira, Segundo Semestre de Direito - UNESP Noturno

 

O "Estado racializado" e o "racismo reverso"

     Em 2012, o partido político Democratas (DEM) ajuizou a ADPF 186, com o objetivo de provar inconstitucionalidade no sistema de cotas adotado pela UnB (Universidade de Brasília), alegando a violação dos direitos de igualdade e de não-discriminação, dizendo que o sistema somente faria do Brasil um “Estado racializado”. 

    Cabe aqui uma reflexão sobre a necessidade de ações afirmativas em nosso país, que mesmo após anos da abolição da escravatura, ainda sofre com as feridas incuráveis desse período. É visível que o acesso não só à educação superior, como à educação básica para pessoas pretas, pardas e indígenas foi dificultado por obstáculos estruturais, históricos e econômicos. As cotas raciais são uma medida de reparação e de garantia de direitos para essa população, vítima de séculos de discriminação e violência institucional. 

    O ajuizamento da ADPF causou a manifestação de diversos órgãos de defesa e proteção dos direitos ligados às pessoas pretas, pardas e indígenas, mostrando-se contra a ação, e neste sentido, ocupando o espaço de grupo conflitante com o partido responsável pelo processo. 

    Segundo a teoria do espaço dos possíveis de Pierre Bourdieu, há o embate entre dois campos simbólicos, o movimento negro que busca manter a validação jurídica das cotas raciais, e o campo político de direita, que acredita não ser possível haver dentro do campo do Direito a legitimação de uma ação afirmativa baseada em critérios étnicos-raciais. Para o autor, o Direito deve evitar o instrumentalismo, portanto, não deve estar à serviço da classe dominante, neste caso, pessoas brancas, com poder político e econômico, que tentam mascarar seu racismo com a ideia de “segregação do Brasil” ou com o famigerado “racismo reverso”. 

    Por unanimidade, o arguimento é julgado improcedente. A existência das cotas é uma ótima demonstração do Direito como antecipação, pois caracteriza uma forma de reparar um sistema que levou uma parte das pessoas pretas, pardas e indígenas à pobreza, sem acesso à educação, assim possibilitando que o acesso às universidades equipare os níveis tão desiguais que prevalecem no Brasil. 

    Atualmente, já é possível observar que a justiça caminhou em pequenos passos neste sentido. De acordo com dados que dizem que, nos últimos 17 anos, o número de pessoas dessa minoria que ingressaram em uma universidade quadruplicou.¹ Portanto, o ativismo judicial se fez indispensável, já que em um país que continua tão racista, seria praticamente impossível garantir esses direitos sem a intervenção jurídica.

    Para McCann, com a mobilização do Direito, é viável a transferência do foco dos tribunais para o sujeito em questão. Sendo assim, a participação do movimento negro mobilizando a atenção dos magistrados, em prol da compensação pela dívida histórica do Brasil com o povo pertencente a essa minoria, se tornasse tão adequada. 

    Por fim, demonstram também uma superação da monocultura do saber, que ao dizer que cotas raciais seriam o mesmo que segregação e discriminação, sendo esse saber ultrapassado e desigual, a não-aceitação da ação quebra com esse pensamento.


"Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai

Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história"²

¹ https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-05/cotas-foram-revolucao-silenciosa-no-brasil-afirma-especialista
² "Identidade", composição de Jorge Aragão.

Ana Beatriz Cordeiro Santos - segundo semestre de Direito (noturno)

Reparação Histórica e a ADPF 186

 ADPF 186, concretizada pelo Supremo Tribunal Federal, contou com votos unanimes através do relator, RIcardo Lewandowski, considerando constitucional a criação de cotas que geram acesso ao ensono superior na universidade de Brasília, que no ano de 2004, não proporcionava o acesso a educação de maneira proporcional, consequentemente influenciando na universalização do direito básico á educação. 

Toda a questão do histórico envolvendo pessoas de diferentes raças e etnias que não sejam brancas deve ser considerada quando se trata da reparação por trás do intuito da instauração das cotas. Bourdieu trazia o espaço dos possíveis como local de fundamentar acontecimentos de acordo com o tempo e contexto, enfatizando as características temporais por trás da norma que precisam ser levadas em conta no momento de sua aplicação. Há também a historização das normas que acompanha esse encontro das necessidades que surgem de acordo com determinado tempo. 


A questão das cotas então não trata apenas de acesso a universidade por indivíduos radicalizados, mas sim da retratação que a história e o atraso com o processo escravocrata no Brasil geraram para povos que hoje se encontram em local de estrema vulnerabilidade e fragilidade social e econômica. A garantia desses povos ao local de formação é função do direito que mesmo com o voto contra apresentado pelo partido dos Democratas efetiva o acesso pelo poder judiciário. 


O racismo estrutural e institucional continua enraizado na sociedade brasileira, e isso é inegável e a caminhada para restaurar os sujeitos que sofrem com ele todos os dias em local de destaque ainda é longa e precisa continuar com o auxílio das normas e dos instrumentos jurídicos, para que a luta que é reivindicada através dos movimentos sociais possa ser legitimada, e que os espaços acadêmicos e educacionais continuem sendo ocupados. 


Júlia Lima Souza

1° Ano Direito - Matutino

As cotas raciais e sua importância na luta antirracista

Em 2012, foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, requerida pelo  Partido Democratas (DEM) para questionar a constitucionalidade da implementação de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). Assim, os ministros do STF acordaram por unanimidade que a ADPF era totalmente improcedente, ou seja, foi reconhecida constitucionalidade na política de cotas étnico-raciais na universidade pública, uma vez que o direito à educação é fundamental e deve ser universalizado com base no princípio de igualdade e da dignidade humana e na luta antirracista. No entanto, mesmo com a decisão de improcedência da ADPF 186 e com a implementação da Lei de Cotas, também em 2012, ainda há os que contestam o direito que pessoas pretas, pardas e indígenas têm a vagas nas universidades por meio de discursos que reforçam a desigualdade racial. Por essa razão, tais cotas e sua legislação são de suma importância, visto que promovem, por meios formais, a igualdade material por meio de oportunidades iguais para o ingresso na universidade.

Nesse sentido, fica evidente que os negros são vítimas do que Bourdieu chama de “violência simbólica”, pois a violência não é exercida apenas fisicamente, mas também moral e psicologicamente. No caso, o fato de pretos serem minoria na universidade e a tentativa do Democratas de remover, por meio da ADPF 186, as cotas raciais, que dão condições igualitárias para o ingresso nelas, são exemplos da violência simbólica sofrida associada ao poder simbólico que pessoas brancas representam na sociedade, um conflito dentro do espaço dos possíveis. Logo, o estabelecimento das cotas raciais representa uma ampliação dos direitos de acordo com o momento histórico vigente, de legitimação da luta antirracista, o que, para Bourdieu, é visto como historicização da norma.

Na situação, a perspectiva de Garapon faz-se presente quanto à atuação do Poder Judiciário, representado pelo STF, na decisão do caso, que a reconheceria como um caso de "magistratura do sujeito". Mesmo que se questione sua capacidade de fazer decisões de caráter social, diante da negligência dos outros poderes políticos e da omissão quanto ao debate, a ação do STF é necessária para a garantia de tais direitos tão importantes que foram negligenciados. Além disso, pode-se ressaltar o pensamento de McCann em relação à ação do Judiciário, sendo este um caso de mobilização do direito, pois faz-se presente a reivindicação de direitos e princípios por pessoas negras e indígenas e a relevância do tema da luta antirracista ganha destaque no meio político, jurídico e social. Logo, a decisão do STF na ADPF é legítima, pois não é um ato de força ou de abuso do poder, mas sim uma medida para garantir direitos à população.

Logo, a partir do pensamento apresentado por Sara Araújo, verifica-se que a política de cotas raciais é uma forma de reagir ao modelo hegemônico. Araújo reconhece uma divisão mundial, em que a cultura do sul é historicamente subordinada à do norte, que impõe seus valores de forma dominante em escala global, assim, o sul é invalidado pelo norte, que só reconhece importância no que é produzido por si. Dessa forma, diante dessa separação, deve-se valorizar a ecologia do direito e das justiças, com a inclusão de lutas jurídicas que surgem na interlegalidade dos encontros jurídicos e nas lacunas do Estado, para criar um direito mais amplo e inclusivo, como foi feito com a decisão da ADPF 186.

Portanto, tendo em vista o que foi apresentado e com base no art. 5° da Constituição Federal, que prevê o princípio da igualdade material, fica evidente a importância da concessão de cotas étnico-raciais e da decisão do STF na ADPF n°186. Isso, pois a luta antirracista é essencial no Brasil, uma vez que a população negra ainda é extremamente maginalizada e foi historicamente prejudicada. Logo, diante da falta de medidas governamentais para equidade racial, deve-se cumprir a dívida histórica em relação à população negra e indígena, para que haja efetivação dos direitos que lhes competem.


Luiza Polo Rosario - 1º ano matutino

O reconhecimento da pluralidade

          O reconhecimento da pluralidade

           Em 2004, o Partido Democratas ajuizou uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal, ADPF nº 186/ DF, questionando a Universidade de Brasileira e seu pioneirismo na adoção de cotas raciais. O debate dessa discussão girava em torno da legitimidade e constitucionalidade dessa decisão, questionando se a decisão não feria normas constitucionais. 

          De inicio, compreende-se por cotas raciais uma ação afirmativa de reservas de vaga em instituições de ensino, por raça ou etnia, com o objetivo de conter os preconceitos e as desigualdades socioeconômicas que compõem a estrutura da sociedade brasileira. O principal argumento do Partido Democrata era que as cotas feriam inúmeros fundamentos constitucionais, como o princípio da dignidade humana, direito universal à educação e a necessidade de promover o bem de todos sem distinções. Todavia, é evidente que,  em razão das condições históricas das pessoas negras brasileiras e em função do racismo estrutural perpetuado na sociedade brasileira, há uma desigualdade no acesso às universidades - muito mais difícil para pretos, pardos e indígenas. Contudo, o que o partido questionava era um "racismo reverso", ou seja, afirmavam que essa ação afirmativa de cotas promoveria uma desigualdade entre os beneficiados por ela e aqueles que nela não estavam inseridos, alegando serem medidas racistas e que ferem a dignidade da pessoa beneficiada. 

          Esse debate resultou no reconhecimento, por unanimidade, do STF à legitimidade das cotas raciais e sua implementação, que, posteriormente, resultaria na formulação das Leis de Cotas. 

          Para Pierre Bourdieu, o direito deve tolerar e aderir às complexidades e heterogeneidades do meio social, solucionando as disputas existentes em seu interior, de maneira justa, conciliando essas desigualdades. Em outras palavras, o direito é uma força resultantes das demandas e disputas sociais, assim, se faz preciso que as normas jurídicas trabalhem em cima da inclusão. Logo, compreende-se que as cotas reafirmam direitos de igualdade, que não são materialmente cumpridos, favorecendo aqueles que são marginalizados e que sofrem do racismo estrutural existente na sociedade brasileira. 

          Nessa perspectiva, os negros, então, são vítimas de uma violência que não é só física, mas também simbólica - isto é, moral e psicológica. Isso em função do habitus da classe dominante que transpassa seu discurso racista de geração por geração, assegurando uma hierarquia e desigualdade social que coloca os brancos como dominantes. Por essa razão, é essencial que ocorra uma historização da norma, ou seja, que as normas sejam adaptadas às demandas sociais contemporâneas, atendendo aos direitos fundamentais . 

          Ainda nessa linha de raciocínio de Bourdieu, por fim, discute-se sobre os espaços dos possíveis. é fato que a dinâmica social altera o espaço dos possíveis, o qual é delimitado pelo ordenamento jurídico. Primeiro, compreende-se que esse espaço abrange tudo aquilo que é realizável em um meio. Porém, se esse espaço é delimitado pela ordem jurídica, o direito não deve ser algo estático, mas sim variável ao tempo, espaço e a moral dominante na sociedade. Com isso, entende-se com mais facilidade a importância da historização das normas, a fim de que as intolerâncias às minorias sejam juridicamente combatidas e a moral social alterada. 

          Segundo Garapon, o Direito é resultado de ações sociais que dão visibilidades a pautas coletivas. Assim, a justiça trabalha com a garantia da igualdade material de direitos. Se cotidianamente o sistema marginaliza determinado segmento social, a ação afirmativa debatida em questão não só se torna essencial, como também atua no aprofundamento da democracia. Logo, para o pensador, o Direito atua como uma ferramenta de transformação social, indo contrário a reprodução de discursos discriminatórios. 

          No caso discutido, visto a inércia do Poder Legislativo e a nula elaboração de políticas públicas coube aos magistrados fomentar a inclusão e mitigar a discriminação. É por essa razão que Garapon diz que as democracias atuais amplificam a necessidade de atuação da justiça, visto que é transferido ao Poder Judiciário a função de assegurar a busca de direitos. Em outras palavras, a sociedade recorre à justiça para socorrer aqueles socialmente marginalizados. Como defendido por Luís Roberto Barroso, ministro do STF, o juiz deve empurrar a história quando ela emperrar, analisando com ousadia o sentido social e histórico de certas normas. 

          Ademais, vale ressaltar as ideias de McCann, o qual enxerga a mobilização do direito como uma resposta à ausência de políticas e normas públicas. Dessa forma, a mobilização do direito, vista como uma ação coletiva, pressionam os poderes políticos, em especial o judiciário, inertes à problemática discutida. Portanto, um tema ganha relevância no meio político, jurídico e social e a reinvindicação de direitos também, possibilitando que a cultura dominante desigual seja superada ou diminuída. 

          Segundo Sara Araújo, há uma epistemologia do norte que impõe culturas e valores para o mundo todo, de modo que o sul fique esquecido. Assim, a invalidação do sul pelo norte colaboram para que sejam consideradas válidas apenas aquelas culturas e ideologias produzidas pelos dominantes. Logo, conforme Sara, o direito que engloba as perspectivas jurídicas atuais é fundamentado em velhos conceitos eurocêntricos. 

          Contudo, a ADPF 186 vai contra esse eurocentrismo, afirmando a possibilidade de, através de ações afirmativas, amenizar as desigualdades sociais e a marginalização de uma minoria, superando um preconceito histórico. Sendo assim, a monocultura global eurocêntrica abre espaço para um pluralismo que aceita e tolera os marginalizados. 

           Consequentemente, evidencia-se que a decisão do STF sobre a ADPF 186 foi extremamente necessária, contribuindo para a concretização da igualdade material buscada pelo texto constitucional, além de ser uma tentativa de diminuir a desigualdade estrutural brasileira. Assim, nota-se a ampliação da democracia, em vista da proteção das minorias e o reconhecimento do racismo estrutural como uma problemática a ser combatida. Por fim, reconhecer as cotas raciais garantem que a democracia acompanhe as demandas sociais. 


MIRELLA BERNARDI VECHIATO - MATUTINO

A busca pela igualdade material pela lei de cotas.

 

No ano de 2009, frente ao STF, o partido Democratas (DEM), ajuizou uma ação questionando a Universidade de Brasília sobre seu sistema de cotas raciais, este que destinava 20% das vagas do vestibular para pessoas pretas e 20 vagas para estudantes indígenas. O partido, em sua fundamentação, alegou a inconstitucionalidade dos atos administrativos do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília, afirmando que esses atos violariam tais fundamentos constitucionais:

       a)                  princípio da dignidade da pessoa humana;

b)                  repúdio ao racismo;

c)                  princípio da igualdade;

d)                  direito universal à educação;

e)                  meritocracia.

 

Por unanimidade do STF, o pedido feito pelo partido foi julgado improcedente, para melhor elucidação dos argumentos citarei parte do discurso do ex ministro Joaquim Barbosa “não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão em relação a uma parcela expressiva da sua população”. Assentou que existe “no Direito Comparado, vários casos de medidas de ações afirmativas desenhadas pelo Poder Judiciário em casos em que a discriminação é tão flagrante e a exclusão é tão absoluta, que o Judiciário não teve outra alternativa senão, ele próprio, determinar e desenhar medidas de ação afirmativa, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, especialmente em alguns estados do sul”.

Os demais ministros fundamentaram resumidamente que cabe sim ao Estado entender e enfrentar desigualdades materiais, assegurando que as cotas raciais são compatíveis com a Constituição Federal pois preservam a proporcionalidade e a função social da universidade.  

Á vista do primeiro pensador discutido, a ação do partido caracteriza um retrocesso, um passo pra trás do que Pierre Bordieu designa como espaço dos possíveis. O que a Universidade de Brasília efetivava não era um favor ou um privilégio as pessoas pretas, mas uma iniciativa de equiparação devido todo histórico que a escravidão e o preconceito ainda presentes conduziram. Dessa forma, o espaço dos possíveis foi diminuído, questionado, e por meio do protagonismo judicial foi preservado.

Protagonismo esse muito salientado pelo segundo pensador, Antoine Garapon, que evidenciava de forma natural um maior fortalecimento do poder judiciário, contemplando o texto constitucional de maneira mais ampla. Papel esse que antes era feito pelo legislativo por meio de leis ordinárias, mas devida a lentidão do mesmo para alcançar resultados efetivos e atender as demandas sociais, coube ao judiciário. De forma alguma, e como infelizmente acreditam muitos, essa e outras decisões do judiciário representam um possível risco a legitimidade democrática. O que estamos vendo é justamente o oposto, o judiciário segue fazendo o que a própria Constituição federal o delimitou a fazer, é realmente uma consequência de nosso ordenamento, não uma prática puramente política. Como sustenta Garapon, cabe ao judiciário dar perceber as expressões vagas do ordenamento e dar a elas sentido, pois, incutir a ele somente uma tarefa de decisão o torna meramente mecânico.

 A mobilização do direito, nesse caso, foi fruto das longas e intensas batalhas de um grupo excluído e oprimido por séculos. Quando, depois de muito tempo, esse grupo recebe ações publicas que são suas por direito, isso incomoda a classe opressora, que estava confortável com a igualdade formal. Essa decisão não foi gerada simplesmente por ideias deliberadas do magistrado, nem somente pelas lutas sociais dos grupos, foi sem dúvida um exemplo concreto da mobilização do direito, onde os tribunais representaram apenas um dos agentes significativos na batalha pelo progresso democrático.

Politicas publicas como a de cotas, buscam diminuir a linha abissal que ainda perdura na sociedade contemporânea. A segregação, o entendimento de que, como expõe Sara Araújo “o outro não é só selvagem, é atrasado, primitivo, arcaico” e por isso não devem se misturar, propagam e reforçam essa separação entre raças ainda presente no nosso país com a falsa retórica de que a mera igualdade formal basta. O branco, nessa narrativa racista, é e sempre foi para quem o direito serve. Dessa forma, muitas vezes preservam e garantem apenas direitos que estão presentes na realidade branca, como se fosse a realidade vivida por todos os cidadãos. Conclui-se, assim, como importante e adequada a decisão do STF, buscando enxergar todo o contexto e objetivo das cotas raciais para a realidade brasileira.



Vinicius Alves do Nascimento

Direito Matutino 

 A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF - 186 instituiu um sistema de vagas com base em critério étnico-racial, isto é, cotas, no processo de seleção para ingresso em instituição pública de ensino superior. Essa ocorrência é importante na história do Brasil, um país que historicamente marginaliza pessoas racializadas, concomitante a alegação, por parte de muitos brasileiros, de que existiria democracia racial no território brasileiro. Esse conceito foi desenvolvido por Gilberto Freyre em "Casa-grande e Senzala", onde há a afirmação de que os senhores - brancos - e os escravizados - pretos - viviam em uma relação cordial. Entretanto, cabe destacar que isso inexistiu no período colonial, assim como inexiste no panorama hodierno brasileiro: entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, ao passo que o índice de feminicídios de brancas caiu 10% no mesmo período de tempo (Mapa da Violência 2015), a população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios (IPEA), mais da metade (61,6%) da população prisional do Brasil são pretos e pardos (Infopen), entre outros infelizes dados. 

      Nesse sentido, a vivência de pessoas brancas e de pessoas racializadas são marcadas por profundas divergências no que tange à educação, saúde, segurança e ao trabalho digno, ou seja, não existe igualdade no acesso de oportunidades. É justamente nessa chave que as cotas raciais para ingresso no ensino superior ganham destaque, a fim de minimizar tal diferença e propiciar maior acesso à cidadania plena por parte de pessoas pretas, visto que a educação é fundamental para a construção de uma vida digna e autônoma. Assim, ainda não está dentro do espaço dos possíveis a equiparação da vivência de pessoas brancas e racializadas, porém, foi possível a inserção de cotas raciais, visando o aumento de pessoas pretas em faculdades públicas. Essa instituição, a partir da ADPF 186, estava dentro do espaço dos possíveis pois respeita e está de acordo com a Constituição Federal, a composição social do Brasil, o campo jurídico e o campo dos movimentos sociais. 

      Entretanto, apesar da instituição das cotas ter sido bem recebida pelos campos supracitados, parcela significativa da sociedade brasileira se mobilizou contra, através da afirmação de que isso violaria o conceito de igualdade presente na Constituição. Importante sublinhar que essa ideia refere-se à igualdade formal, e as cotas raciais estão calcadas na igualdade material. Ademais, a Câmara e o Senado são orgãos representativos dessa mesma sociedade, majoritariamente racista, e, portanto, qualquer mudança via legislativo seria mais difícil do que pelo judiciário, como a ADPF em questão. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal teve o papel de magistratura do sujeito, pois tutelou direitos imprescindíveis à população racializada brasileira, e que provavelmente demorariam anos para ocorrer através da Câmara, devido ao racismo estrutural vigente na mentalidade da maioria dos brasileiros e de seus representantes institucionais. 

      À vista disso, ocorreu um aprofundamento da democracia e dos valores da Constituição Cidadã de 1988, pois o aumento de pessoas racializadas em faculdades públicas aumenta a vivência de uma cidadania plena para grande parte da população brasileira, além de deixar as salas de aulas em uma composição semelhante ao Brasil, em que 54% da população é negra, de acordo com o IBGE. 

      Além de estender a cidadania, esse resultado modifica diretamente a vida de milhares de pessoas, de forma fática, estrutural, cultural e, também, no que concerne às lutas posteriores. A priori, modifica fática e estruturalmente pois a educação superior oferece inúmeras oportunidades relativas à educação, intercâmbios, melhores empregos etc que culminam na possibilidade de aumentar a renda familiar. Outrossim, culturalmente, pois traz à tona e vira objeto de discussão o fato de as pessoas pretas serem historicamente marginalizadas do processo educacional brasileiro. Também, o acesso à universidade possibilita a produção acadêmica, inclusive de teorias que podem servir de base à luta antirracista. Ainda no que concerne a essa luta, a inserção de cotas raciais também modifica esse panorama, visto que viabiliza a cobrança da melhoria e ampliação desse sistema, mais acesso à educação, investimento das universidades, entre outros. 

    Está presente no Acordão da ADPF 186 a afirmação de que essa metodologia diferenciada de seleção assegura que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, o que está de acordo com a rejeição da monocultura do saber, conceito presente no artigo de Sara Araújo. Segundo ela, "a monocultura do saber e do rigor do saber transforma a ciência moderna e da alta cultura em princípios únicos de verdade e qualidade estética. Tudo o que não reconhece, não existe ou é irrelevante", ou seja, o pensamento dominante, que é branco, é tido como universalizante, ao passo que outras ideais são minimizadas e entendidas como inferiores. Portanto, o sistema de cotas raciais também possibilita o pluralismo de ideias, concomitante à desconstrução de que apenas o saber historicamente hegemônico, o branco, seria válido. 

      Além disso, é importante salientar que além das críticas ao sistema de cotas raciais serem baseados na concepção de igualdade sob o ponto de vista formal, também são baseadas em argumentos falaciosos, com a efabulação, isto é, construção de fatos inventados sobre pessoas pretas. Como exemplo, pode-se mencionar o entendimento imaginário de que pessoas pretas estariam tirando oportunidade de pessoas brancas, sendo que a maioria dessas já tem seus direitos garantidos e, na verdade, o que ocorre é a equiparação de oportunidades. Por fim, destaca-se que essas falácias decorrem da desumanização de pessoas racializadas, ou seja, a anulação delas enquanto indivíduos que merecem direitos relativos à educação. 

Bárbara Canavês Domingos - 1° ano direito noturno