Na sociedade são diversas as formas de dominação, no sentido de imposição de vontade unilateral. Algumas teorias divergem, principalmente no que tange à aceitação/percepção pelo dominado de sua condição. Nesse sentido, discute-se sobre a utilidade do Direito na instrumentalização dessa dominação e seu caráter implícito como sugere a teoria do Poder Simbólico de Bourdieu.
No Egito da antiguidade, os escribas eram, em determinadas épocas não muito específicas, a casta mais poderosa da sociedade. Isso porque tinham a habilidade de ler e escrever, restrita à maioria da população e às vezes até mesmo ao faraó. O poder de dominação deles não pressupunha o uso da força e, pelo que se pode deduzir, não contavam com a consciência por parte do dominado a respeito de seu uso: era um poder natural, implícito e contra o qual não haveria por que resistir. Paralelo interessante é possível de ser feito quanto aos operadores do direito.
O direito, além do caráter inacessível decorrente de sua complexidade e dos forçados jargões, tem o fator de carregar mandamentos normativos. As leis são feitas para ser seguidas, e contra elas não há resistência consistente. Isso por que ao nascermos, a estrutura republicana já é posta, e aceitá-las é natural.
Inicialmente, vale ressaltar que, embora o Legislativo crie as leis, cabe ao Judiciário aplicá-la. É portanto nesse órgão que vigora o foco do uso do Direito como forma de Poder. A situação torna-se mais notável quando consideramos o fenômeno do neoconstitucionalismo, que reconhece a norma como composta por regra e princípio, e o neoprocessualismo, que com o CPC de 2015 passou a admitir a força dos precedentes, noção posteriormente transbordada ao processo penal. Dessa forma, o Juiz torna-se de fato o porta-voz do Direito, mas muitas vezes não pautado na letra fria da lei, a consequência é o ativismo judicial.
Ainda na teoria de Bourdieu, ganha relevo sua concepção sobre o habitus, pela qual haveria uma estrutura social uniforme que ganha corpo com o acúmulo de experiências passadas e mantém o status quo. A situação dirige o indivíduo inserido, de forma que este passa a aceitar as regras, instituições, valores, etc. inconscientemente. A estruturação do habitus pode ter diversas fontes, inclusive o Direito.
A instrumentalização do Direito como forma de consolidar o poder simbólico reflete a judicialização da política, fenômeno jurídico que implica o direcionamento da política conforme as orientações do Direito, principalmente quando aplicado no caso concreto. Sua efetivação é visível após análise de relevantes julgados de tribunais superiores, que afetaram o status quo, normalizando ou reprovando determinadas condutas que até mesmo extrapolam o dever funcional de aplicar o direito.
Tendo como exemplo a ADPF 54, na qual foi descriminalizado o aborto quando da deficiência no feto que torne inviável sua vida, entre outros fatores, muitas discussões foram promovidas até a decisão. Notável foi a participação de diversos setores sociais, de variados ramos do saber na construção do quórum. Ocorre que é questionável ser o Judiciário o terreno fértil para consolidar o entendimento a respeito do que seria a vida ou a morte, por exemplo.
A inapropriação do uso do Direito para recepcionar esses debates começa quando o já mencionado inacessível saber jurídico torna-se indispensável. Basta notar as densas bibliografias nas quais pautaram-se os ministros na ADPF 54, completamente alheias à realidade de maioria qualificada da população. Como pode esses assuntos de tamanha relevância terem que acessar uma bolha da elite intelectual para serem discutidos efetivamente, quando muitas vezes tal elite sequer é afetada pelos problemas em questão? Obviamente uma condição de dominação silenciosa e imperceptível.
Nota-se ainda que o Judiciário é a única função do Estado para a qual o ingresso não pressupõe aprovação popular, tornando clara a ausência de representatividade de seus membros. Daí o agravante de se ocuparem proativamente de questões políticas, mesmo que envolvam a suposta aplicação da justiça. Por essa ausência de legitimidade e a força impositiva das decisões, inegável é o risco presente nesse modelo.
Em síntese, o poder pode ser exercido com base em estrutura já consolidada na sociedade, de forma que torna-se imperceptível sua imposição. O judiciário tem sido forte agente no uso do direito para estabelecer aquilo que a sociedade deve ou não aceitar, isso de forma arbitrária, já que extrapolam os limites da letra fria da lei, e inacessível a boa parte da população. O poder simbólico aplicado é evidente, assim como o habitus presente e mantido por nossas instituições republicanas.
Gabriel Nagy Nascimento 3º ano Direito Noturno
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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segunda-feira, 19 de agosto de 2019
Freio cristão
O primeiro tópico que surge durante a reflexão da aprovação do aborto/ antecipação terapêutica do parto é a respeito da teoria vigente em nosso país, formulada por Montesquieu, dividindo-o em três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (três poderes independentes e com influência igualitária). Desse modo, o pensamento inicial é o de sobreposição do judiciário em detrimento do legislativo, ou seja, se quebra a estrutura linear quando um poder "atravessa" o outro. Todavia, na Constituição Federal de 1988, existe a prerrogativa da possibilidade do judiciário criar bases legais para novos julgamentos, mesmo sem alterações no texto legislativo, em caso de negligência, morosidade, indisposição ou desinteresse do Congresso em tramitar uma lei de suma importância para a sociedade.
Partindo, portanto, da premissa da urgência de se debater a antecipação terapêutica do parto de embriões com anencefalia, ao julgar o caso, de forma vinculante, o Supremo Tribunal Federal, em nenhum momento, desrespeitou a legislação ou, até mesmo, a Constituição.
O Código Penal Brasileiro, ainda que com alterações, foi promulgado na década de 1940, época em que a tecnologia aplicada à medicina era uma fração da atual. Sendo assim, condenar tanto o médico que praticava o aborto, quanto a gestante que carregava a criança com anencefalia, era lógico, legalmente, uma vez que era muito difícil, quase impossível, identificar tal patologia embrionária com os recursos disponíveis.
Entretanto, com esse significativo avanço das técnicas médicas, tornou-se possível, através de estudos atestar que a totalidade dos fetos anencéfalos nascem já mortos ou falecem pouco tempo após o nascimento.
Sim, deve-se ao Congresso, a missão de legislar, porém, como tal assunto reverbera uma situação polêmica e que envolve religião, o instrumento legislativo se torna engessado e impossibilitado de acompanhar a medicina. Vale lembrar, ainda, que o laicidade do Estado, embora exista na teoria, não acompanha a prática e, desse modo, cabe ao judiciário que, como na teoria do sociólogo Bourdieu, não pode ser apenas um instrumento positivado e sim ter influência para avaliar e utilizar da judicialização para adaptar as normas à sociedade na qual estão vigentes.
Mateus Ferraz - Direito Matutino
Partindo, portanto, da premissa da urgência de se debater a antecipação terapêutica do parto de embriões com anencefalia, ao julgar o caso, de forma vinculante, o Supremo Tribunal Federal, em nenhum momento, desrespeitou a legislação ou, até mesmo, a Constituição.
O Código Penal Brasileiro, ainda que com alterações, foi promulgado na década de 1940, época em que a tecnologia aplicada à medicina era uma fração da atual. Sendo assim, condenar tanto o médico que praticava o aborto, quanto a gestante que carregava a criança com anencefalia, era lógico, legalmente, uma vez que era muito difícil, quase impossível, identificar tal patologia embrionária com os recursos disponíveis.
Entretanto, com esse significativo avanço das técnicas médicas, tornou-se possível, através de estudos atestar que a totalidade dos fetos anencéfalos nascem já mortos ou falecem pouco tempo após o nascimento.
Sim, deve-se ao Congresso, a missão de legislar, porém, como tal assunto reverbera uma situação polêmica e que envolve religião, o instrumento legislativo se torna engessado e impossibilitado de acompanhar a medicina. Vale lembrar, ainda, que o laicidade do Estado, embora exista na teoria, não acompanha a prática e, desse modo, cabe ao judiciário que, como na teoria do sociólogo Bourdieu, não pode ser apenas um instrumento positivado e sim ter influência para avaliar e utilizar da judicialização para adaptar as normas à sociedade na qual estão vigentes.
Mateus Ferraz - Direito Matutino
Aborto em fetos anencéfalos como uma forma
de se entender o mundo em Bourdieu
Sempre houveram diversas discussões e diferentes opiniões acerca de assuntos como aborto, assim como muitos outros que são demasiadamente ignorados na maioria das vezes, a fim de evitar uma grande movimentação em torno desses tópicos que, de certa forma, ferem significativamente uma parcela específica da sociedade, por diversos motivos, podendo ser eles culturais, sociais ou religiosos. Este último, encontra-se no ápice dos motivos, digamos assim. Toda a fundamentação de opiniões, quando existem duas delas que sejam contrárias, na maioria dos casos é fruto de um embate entre a ciência e a religião. Dessa forma, cabe ao sistema jurídico e ao Direito em si ponderar a melhores alternativas que auxilie a sociedade da melhor forma possível, e isso não seria diferente quando se trata de aborto em fetos anencéfalos, assunto que desperta embates longos e diversificados, que incitam um estudo criterioso em detrimento de saúde pública, principalmente.
Para Bourdieu, existem três formas diferentes de se entender o mundo. A primeira delas é de acordo com a fenomenologia, na qual diz que ver o mundo de acordo com essa forma seria enxergar os fenômenos como eles são, ter um viés imediatista, seria o que se consegue ver no momento e atribuir consequências vigentes para tal fenômeno a partir do momento em que ele aconteceu. Assim se dão muitas opiniões quando trata-se da vida, e isso ocorre porque algumas pessoas, por enxergar determinados casos com um olhar religioso, acreditam que as coisas são porque são, e a razão do acontecimento de algum fenômeno ou as consequências que o mesmo pode trazer são ignoradas, porque assim é o acontecimento, assim foi quisto por Deus, e nada pode ser feito para reverter a situação.
Pensando por este lado, o caso de liberação do aborto em fetos anencéfalos têm sido uma polêmica, afinal, muitos acreditam que é inaceitável que tirar a vida de alguém seja algo livre, mesmo que os fatos não sejam exatamente esses e hajam múltiplos motivos com embasamento legal que permitem que esse aborto seja realizado de forma rápida e segura para que não haja o sofrimento exacerbado que costuma agredir a mulher, tanto física como psicologicamente.
O anencéfalo é um embrião que no início de sua concepção foi formado sem a caixa craniana ou sem o cérebro, e as crianças que são diagnosticadas com essa formação são, de acordo com a Biologia, inviáveis. O anencéfalo pode ter um período de vida de horas assim como em alguns casos pode ter um prazo mais prolongado, porém, em certo ponto todos os fetos portadores da anencefalia irão à óbito. Ou seja, trata-se de uma questão patológica e não fisiológica, sendo equivocado tratar do aborto de anencéfalos da mesma forma que se trata o aborto convencional, afinal, no caso dos fetos anencéfalos não há nenhuma chance de desenvolvimento extra-uterino.
Chegando nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal se sensibilizou com essa questão, já que isso diz respeito a determinados preceitos fundamentais dentro do sistema jurídico como a dignidade da pessoa humana (obrigar uma mulher a gerar um feto que irá a óbito fazendo-a amar e se preparar para a maternidade daquela criança é uma ação análoga à tortura), a legalidade, liberdade, autonomia da vontade e por fim, o direito à saúde.
No documento desenvolvido pelo STF revelando a decisão do tribunal encontra-se a seguinte informação: “O pleito final versa sobre a técnica da interpretação conforme a Constituição, assentada a premissa de que apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo do crime de aborto”.(Esclareceu Nelson Hungria aquilo que condiz com sua visão)
“Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há como falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto”. (NELSON HUNGRIA, em “Comentários ao Código Penal”)
De volta para Bourdieu, analisamos a fala de Nelson Hungria ao passo que caminhamos para a segunda forma de se entender o mundo segundo Bourdieu, que seria a forma objetivista. Percebe-se que esta forma está sendo utilizada quando você começa a compreender as relações de causa e efeito e, principalmente as relações socioeconômicas entre os fenômenos. Assim, podemos notar que quando algumas mulheres de determinadas classes como C e D, que são consideradas inferiores, possuem muito mais dificuldade para recorrer por seus direitos no campo jurídico quando se encontram em situação de gravidez de um feto anencéfalo, acontece devido a falta de escolaridade e a falta de poder aquisitivo dessas mulheres, que não só são desprotegidas no âmbito da saúde como são desprotegidas juridicamente também. Enquanto isso, as classes A e B, por serem classes onde as mulheres pertencentes possuem mais poder aquisitivo, sempre tiveram a possibilidade de abortar mesmo que isso pudesse significar, em algum ponto, um procedimento às margens da lei.
Por fim, há a forma praxiológica, que seria a terceira forma de se entender o mundo para Bourdieu. Esta, realizaria a ponte entre as duas formas anteriores: fenomenológica e objetivista. Com esse método é possível compreender as situações socioeconômicas que interferem em determinados casos e causam uma certa situação problemática. É o ponto que enxerga-se a mudança e realiza-se a interiorização das situações que são externas a nós, a ponto de incluirmos nosso individual dentro do todo.
Assim observamos que, os casos de aborto de anencéfalos diz respeito à saúde pública geral, e que pensar no bem estar de uma mulher é determinar um habitus — para Bourdieu, o habitus realiza a ponte entre o coletivo e o individual, e este determina que as formas de comportamento e as formas de agir obedecem a padrões sociais — e pensar no coletivo para além de um individualismo que ocupa apenas um espaço que abrange um campo conservador.
Desse modo, pensar em um habitus que inclua e pense em todos os indivíduos e suas necessidades é ocupar um campo que abriga outras pessoas e pensa na coletividade de forma equânime, sem sofrimento e com ênfase no livre arbítrio.
Beatriz Dias de Sousa
1º ano Direito - Noturno
A definição de vida segundo diferentes prismas.
Com a descrição
delicada e sensível exposta na canção “gente” de Caetano veloso, é possível
analisar a grandeza e a complexidade de determinar o conceito de vida, sendo
assim completamente distinto da ideia de sobrevivência. Desse modo, por meio da
ADPF 54, que trata sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o aborto
de anencéfalo no Brasil, é possível analisar que as esferas sociais, como a
moral, a religiosidade, a área de ciências biológicas e principalmente o
direito, não conseguem definir com delicadeza e com senso humanitário o que é
realmente a vida, visto que de modo sucinto, todas essas esferas possuem como
foco a sobrevivência do ser humano, não definindo assim, o real sentido da
vida.
Mesmo que os ministros
do STF que votaram nessa ADPF 54 sejam muitíssimo preparados e de alta patente,
a definição de “o que é uma vida” ainda se faz deficiente nesse meio (e também
entre os juízes de outras estancias). Levando em consideração o conceito de
Habitus, que Bourdieu tanto levanta em seu livro “O poder simbólico”, a
condição de vida da maioria desses juízes que pertencem desde sua infância a
classes sociais mais favorecidas, faz com que suas a visões de mundo não sejam
tão sensíveis e compreensivas perante os vários cenários sociais do Brasil, que
se faz totalmente diferente da realidade social desses juristas, e por isso
aumentando ainda mais a dificuldade em definir de maneira cabível e sensível a
diferença de viver e sobreviver.
Contudo, seguindo mais
uma vez a ideia de Bourdieu, tal cenário tende a mudar lentamente, visto que
mais indivíduos que pertencem a classes sócias desfavorecidas, ascendem a
cargos de grande importância para o ramo do jurídico, e assim podendo julgar o
caso com maior sensibilidade e com maior lugar de fala.
Além disso, o direito
não consegue definir com real perspicácia o que é a vida, pois esses juristas também
devem analisar a sociedade brasileira que ainda segue as ideias estabelecidas
pela moral e religiosidade, e ambas definem a vida como sinônimo de sobrevivência
ou como um “presente” oriundo de Deus, independentemente dos riscos que pode
apresentar a mulher, ao feto ou as condições sociais e financeiras após o
parto, e assim desconsiderando a discrepante desigualdade social que há no Brasil,
além de ignorar totalmente a decisão da mulher sob seu corpo e sua vida.
Entretanto, até mesmo área das ciências biológicas, também definem a vida como
sinonímia de sobrevivência, visto que sua função muitas vezes se limita a manutenção
da sobrevivência do indivíduo, não suas condições sociais e qualidade de vida.
Por conseguinte, são
todas essas circunstâncias citadas, que fazem com que aborto de anecefalos gere
uma polemica tão grande, e que deve ser analisado sob o prisma de diversas esferas sociais
brasileiras, ainda que tal decisão deveria, desde o princípio, se restringir
apenas decisão da mulher e com um viés constitucional, visto sua prioridade
hierárquica parente todas repartições do direito. Ademais, é indubitável, que a
definição de vida é extremamente complexa, e vai muito mais além do que a ideia de sobrevivência, as quais na pratica não condiz com o conceito de viver exposto por Caetano veloso.
Lívia Ribeiro Cunha DIREITO-NOTURNO
Inserção
social no campo jurídico
A concepção que o direito é um sistema que funciona
na sua independência, a parte de qualquer ramo derivado das relações sociais
não encontra embasamento histórico, pois em sua análise encontramos diversas
influencias. O campo jurídico fecha-se em seu umbigo produzindo conteúdo
doutrinas e jurisprudências acreditando estar apenas em seu âmbito sem
quaisquer interferências sociais. Não buscando contrapor a esta concepção, pois
isso acarretaria a falsa analise do fato, como explicado por Bourdieu , mas sim
buscar nas analises históricas de sua construção mostrar que a sua capacidade
de decidir por si só é falsa , que verdadeiramente só pode ser construída no
espaço em que sociedade o clamava , que sua existência e necessidade de
eficácia é imprescindível, para coordenar a sociedade.
Derivado das concepções sociais, sofre grande influência
do interesse das classe dominantes e de seus interesses, no qual buscam manter
a sociedade em seu status quo, fortalecendo
a impenetrabilidade do campo jurídico, o aprisionando em sua hierarquia de
decisões doutrinas e jurisprudências. A hierarquia do direito mostra-nos em
suas respectivas instancias uma diversidade de decisões, contrapondo a teoria
da impenetrabilidade do campo jurídico, onde não deverá sofrer, por
interpretações diversas, já que apenas as lei podem dizer o direito sem
influencia social.
Na ADPF 54 temos um processo em sua última instancia,
que passou por várias decisões até atingir esta patamar, a suprema corte. O STF
que por sua capacidade de criar leis através das sumulas vinculantes é acionado
pela falta ou conflito das leis gerando a ineficácia destas diante das
necessidades atuais da população. O direito utilizado com estas regras nos
mostram a influência social no âmbito jurídico o provocando a decidir algo
carregado de emoções e crenças no qual uma lei não o especifica ou não o
abrange por completo. Ministros que formados no mesmo curso, e que dispõe da
mesma constituição para ser seguida como referência divergem sobre suas
decisões, que nos mostra a influência que cada ministro sofreu pelo meio social
do qual se desenvolveu influenciando nas suas decisões que são acionadas nas
lacunas da lei.
Em exemplos da ADPF 54 os ministros Marco Aurélio e
Luís Roberto Barroso fundamentam suas decisões em pesquisas cientificas, com
aplicações medicas para explicar sua s decisões favoráveis ao aborto de
anencéfalo. No qual estes argumentos não se fariam lei caso a sociedade e suas
necessidades não pudessem penetrar no espaço jurídico e influenciar na criação
de leis com suas novas perspectivas de mundo, o campo jurídico ficaria preso a
seus próprios conceitos e doutrinas, e praticara sua própria autocondenação de
se repetir e perpetuar a retrocidade de suas ideias, formadas em outras
concepções de momentos históricos.
André Gomes Quintino – Direito Noturno
Procedente?
Segundo a ciência médica, anencefalia é a má formação
congênita do feto, devido ausência de crânio e encéfalo. Causa morte em 100%
dos casos, quando o feto sobrevive a gestação, consegue apenas viver durante
alguns dias ou até mesmo horas.
O artigo analisado trata da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal
na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 que autorizou a
interrupção de gestação em caso de feto anencéfalo.
De acordo
com Pierre Bourdieu, no direito, os operadores devem “por em forma” aquilo que
é procura social. São responsáveis pela historitizaçaõ da norma, ou seja,
adaptar as fontes do direito para circunstancias novas. Renovar e inovar,
palavras que devem estar presentes na sociedade. A demanda e a procura por
novas formas de interpretar a lei, para adaptá-las afim de estabelecer a
vontade da população e um bem maior. Bourdieu também descreve que o direito não
tem a capacidade de “passar por cima” e agir de forma autônoma sobre outras
perspectivas, tais como medicina, crenças e outras ciências em relação a
sociedade. A partir dessa perspectiva, é coerente a procedência do
pedido veiculado a ADPF, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (oito votos
contra dois).
Não é atribuição
do STF julgar o aborto como um todo, porém a lacuna legal em relação aos fetos
que apresentam anencefalia exige ação da corte. Em relação aos votos a
favor dos ministros, muitos baseiam seus comentários a partir da
analise médica (fato apresentado por Bourdieu), no qual alegam a incompatibilidade
da anencefalia com a vida extrauterina, caracterizando-a também como uma
gravidez de risco. Também alegam o direito da mãe de escolha e visam que ninguém
está proibindo-as de levar a gestação até o fim, e sim que é opcional realizar
ou não o aborto terapêutico.
Concluindo assim, a procedência do pedido, baseando no
condicionamento do espaço do possível, houve uma brecha para a interpretação da
norma, podendo assim analisar como legal a decisão proferida pelo STF, tendo em
vista que a anencefalia (natimorto neurológico) é compatível com morte cerebral que está prevista em lei, justificando-a como medida para
realizar o aborto terapêutico de acordo com a decisão da mãe e dos médicos que
a assistem.
Amanda Zandonaide de Araújo
Turma XXVI matutino.
Mais que imposição, tortura.
Em sua obra denominada "O poder simbólico", Pierre Bourdieu conclui que o Direito, enquanto ciência, não deve ser analisado sob uma perspectiva nem instrumentalista - como se estivesse apenas a serviço de uma classe dominante - nem tampouco formalista - como se ele tivesse a capacidade de agir de forma totalmente autônoma em relação a sociedade em que está inserido, crenças, demais ciências e formas de conhecimento. Logo, a ciência jurídica serve a interesses da classe dominante, mas também das demais e sofre influência de todo o contexto que a cerca.
Sob essa perspectiva, fica evidente a procedência da teoria do pensador, ao analisar a ADPF 54, uma vez que se fundamentou na observação de diversos campos do conhecimento como a medicina, os anseios sociais e as crenças disseminadas. Além disso, vale ressaltar, que ao observar de forma criteriosa o voto dos ministros com relação a temática, fica claro o conceito exposto por Bourdieu de habitus - tendência de um indivíduo a tomar determinadas decisões, devido a visão de mundo a qual apresenta o grupo social em que está inserido - uma vez que devido a essa área profissional ser, majoritariamente, composta por homens, brancos e ricos, muitos dos argumentos por eles apresentados refletem essa visão de classe, a qual sem dúvidas não corresponde a perspectiva feminina, em sua maioria, acerca da temática.
Partindo dessa ótica, vale destacar, o dado apresentado pelo ministro Luiz Fux, o qual se baseou em constatações realizadas pelo Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que afirma que 94 % dos fetos anencéfalos - desconsiderando aqueles que nem ao menos sobrevivem ao parto - faleceram nas primeiras horas e 67 % já na primeira hora decorrida após o parto. Além disso, segundo o periódico, publicado em 2012, sobre Obstetrícia e Ginecologia norte americana, a média de vida desses bebês é de 51 minutos, o que deixa claro que é infundado querer obrigar as mulheres a gerar uma criança, durante nove meses, a qual ela já sabe que não poderá ver se desenvolver e, muitas vezes, nem mesmo nascer.
Portanto, categorizar como crime o aborto de anencéfalos é torturar diversas mulheres, as obrigando a serem "caixões humanos", afim de subsidiar a sustentação de concepções patriarcais as quais pretendem mandar no corpo e vida feminino. Outrossim, essa ação fere a dignidade da pessoa humana, uma vez que essas gestações muitas vezes resultam em danos a saúde física da grávida e em complicações psicológicas as quais perduram o resto da vida da mesma, tendo em vista que ela foi obrigada a carregar em seu ventre, sob pena de prisão e julgamento social, durante nove meses um bebê fadado a morte.
Todavia, aqueles que se posicionam contrários ao aborto, como o ministro Cezar Peluso, fundamentam-se principalmente na teoria de que, pelo principio da analogia, caso seja aberta a exceção para um tipo de doença, outros tipos podem requerer o mesmo direito, o que poderia resultar em uma seleção de caracteres. O que reforça mais uma vez o fato de que ele, enquanto um homem que preenche aos padrões sociais, não vê a questão da mesma forma que uma mulher a qual sofre em razão da problemática.
Por fim, atualmente, um simples exame de ultrassonografia, caso realizado por um médico experiente e familiarizado com a temática, é o suficiente para detectar a doença, segundo especialistas, o que reforça a desnecessidade de que as mulheres sofram a dor de criar expectativas sobre um bebê durante meses a qual não será concretizada e gerará, muitas vezes, uma dor irreversível.
Danieli Calore Lalau - 1° ano - Noturno.
Na obra “A Dominação Masculina”, o antropólogo Pierre Bourdieu fomenta um estudo retratando a condição da mulher em sociedade e a reflexão disso na violência simbólica formada pelo meio social em que a figura feminina está presente. Essa violência simbólica é quase sempre imperceptível, de forma que se torna naturalizada e legitima práticas de relevância participação do ideal de superioridade masculina. Desse modo, o homem nesse meio social é visto como medida para todas as coisas e decisões, tomando partido de uma dicotomia entre a figura negativa da mulher e a figura positiva do homem. Do mesmo modo, analisa-se o caso ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que garante, após a decisão do STF, a interrupção da gestação de feto anencéfalo) com essa perspectiva de Bourdieu, visto que se trata de uma decisão que prioriza o bem-estar da mulher, ao mesmo tempo que recebe argumentos contrários que ignoram a condição psicológica, emocional e social da mesma.
O caso ADPF 54, tendo como relator o ministro Marco Aurélio, foi decidido pelo STF obtendo apenas dois votos contrários à decisão, sendo respectivos dos ministros Ricardo Lewandovisk e Cezar Peluso. Ambos defendem que tamanha decisão não deve ser vista pelo sistema judiciário, mas sim pelo sistema legislativo, respeitando a divisão dos três poderes do Estado. Ademais, defendem argumentos que não priorizam a condição da mulher enquanto gestante, ignorando a frustração em que a mesma irá se encontrar após a gestação árdua para seu emocional, visto que nascituro não sobrevive por muito tempo após o nascimento. O ministro Cezar Peluso defende seu ponto de vista usando o apelo de comparação entre o feto e casos de superioridade de uma raça em relação a outra. Além disso, o ministro Ricardo Lewandovisk usou o argumento de que, caso liberassem o aborto terapêutico em casos de anencefalia, tal liberação proporcionaria vazão para que em outras situações de deficiência do feto fossem dignas da liberação do aborto, levando a interpretação do voto de que o mesmo fosse contra a gradual evolução dessa condição de saúde e bem-estar da mulher. Visando isso, percebe-se a relação com os estudos de Bourdieu de que a mulher é vista de forma negativa e inferior mediante a dominação masculina na sociedade fomentada nesse simbolismo simbólico.
Giovana Silva Francisco, 1º Direito - Noturno
A mobilização do Direito contra os poderes simbólicos responsáveis por marginalizar corpos femininos
Imersa em uma estrutura social entranhada por poderes simbólicos, a prática jurídica tem sua movimentação orientada por uma tríplice: as relações recorrentes dentro do campo jurídico, as ofertas propostas por seus agentes e a demanda dos grupos sociais. Ao apresentar, no século XX, tais propulsores (e, também, agentes limitantes) para o Direito, o sociólogo Pierre Bourdieu analisa a formação e os efeitos de razões públicas que mobilizam a realidade social.
O campo jurídico possui como caracterização primordial a atuação em prol da função social. Entretanto, dado que não se pode negar a ação constante de micro e macropoderes, bem como a imposição de suas significações dentro do Direito, tem-se o descumprimento não raro da proteção de grupos minoritários constantemente fragilizados pela estrutura. Dentro desse âmbito de lacunas de desamparo, espera-se do Poder Legislativo um reparo nas leis positivadas, enquanto as demandas sociais aguardam do Judiciário uma interpretação cabível das normas, estas que devem ser orientadas não só pelo texto, mas também pela realidade social e proteção da dignidade da pessoa humana.
Marcadas por uma constante subtração de seus preceitos fundamentais, as mulheres são alvos certos de uma estrutura social na qual a violência simbólica proposta pelo sistema patriarcal se infiltra e forçosamente impõem sua significação. Parafraseando a filósofa e feminista brasileira Djamila Ribeiro, nós, mulheres, ainda lutamos para que a sociedade nos reconheça como pessoas, sujeitas de direitos e garantias que nos preservem como seres humanos. Não obstante, o moderno Immanuel Kant também prevê que todos, sem distinção, sejam tratados como fins em si mesmos, assegurando a não instrumentalização de indivíduos, bem como a negação de ações de desumanização.
Agindo mediante constantes requisições populares e necessidade interpretativa dada a existência de lacuna jurídica, o STF – Guardião da Constituição – propõem, em 2012, a ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) a fim de decidir acerca da constitucionalidade (ou não) da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos como conduta tipificada no Código Penal. Sob requisição da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), o Direito mostrou-se permeável ao entender que as gestantes são as únicas pessoas legítimas para decidir pela continuidade (ou não) de uma gravidez com efeitos como tal. A decisão favorável passa, então, a obter força simbólica como jurisprudência, haja vista que fora reverenciada pela maioria e fundada na realidade e interesses sociais.
Em uma concorrência pelo direito de dizer o Direito, a demanda social mostrou-se estratégica ao vestir a roupagem do jurídico para se impor de alguma forma, obtendo – mesmo que a passos pequenos – certa possibilidade de mulheres dizerem e responderem sobre seus próprios corpos e vidas. Ao alterar a historicização da norma, ou seja, ao modificar as fontes do Direito à uma nova possibilidade de interpretação legítima, a prática jurídica mostra a possibilidade de deslocamento dentro do espaço dos possíveis, este delimitado à interrupção da gravidez somente em caso de diagnóstico de doença anencefálica nesse caso em específico.
O espaço dos possíveis, conceito estruturado por Bourdieu, é designado como um conjunto de filtros que limitam a maleabilidade das modificações do Direito. Logo, decisões como a ADPF 54 são demarcadas por argumentos que respeitem a imposição da doutrina, jurisprudência e, também, embasamentos científicos. Seguindo tais pressupostos, exibirei fundamentos favoráveis à antecipação terapêutica do parto em situações de gravidez de feto anencéfalo que se demonstraram em consonância com as barreiras acima citadas.
Segundo exposição da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), anencéfalos não são vidas extrauterinas possíveis, tendo em vista que a sobrevida do feto é restringida, em seu máximo, a algumas horas após o parto. Ademais, levando a caracterização como natimortos neurológicos, dado que não possuem substrato neural para experimentar sensações humanas, e ainda, uma interpretação jurídica que considera o momento da morte sendo a falência cerebral, é possível concluir que, a gestação de fetos com tal diagnóstico seria caracterizada por uma maternidade sem possibilidade de formação humana, mães que carregariam durante 9 meses a projeção de filhos que, desde a etapa da neurulação, já se foram.
Considerada como uma gravidez potencialmente perigosa dadas as más formações do feto anencéfalo, a manutenção forçosa desta gestação caracteriza-se como um sério descumprimento a preceitos fundamentais, haja vista não só a forte imposição do Estado sobre corpos femininos, delimitando suas liberdades e direitos sexuais, como também incisiva violência psicológica ao designar mulheres como instrumentos em prol de uma vida que não o é, fajutas moralidades e reprodução de habitus patriarcais que se dizem em consonância com a existência, exceto quando esta refere-se a corpos femininos e sua dignidade.
A caminho da finalização, faz-se interessante ressaltar a visão de Pierre Bourdieu acerca da composição do Direito: razão associada à moralidade. Na decisão exibida pela ADPF 54, a razão é exposta por argumentos de crivo científico, pela necessidade de se obstar que dogmas de fé determinem conteúdo dos atos estatais, e ainda, o respeito às cláusulas pétreas das normas constitucionais. Seguindo pelo campo da moralidade, tem-se a necessidade humana de que mulheres sejam tratadas com dignidade e em acordo com seus direitos e garantias fundamentais, em um caminho capaz de construir e alcançar a almejada igualdade de gênero. Mulheres decidindo sobre seus corpos e seus desejos, com autonomia de suas liberdades, e não fadadas a uma realidade solitária de serem consideradas entes designados à reprodução e à incubação desse resultado.
Vitória Garbelline Teloli - 1º ano Direito (noturno)
Como vota, Senhor Ministro?
Quem decide se o feto de fato é um bebê?
Seria a CNBB?
Não vamos viver na hipocrisia,
na primazia da realidade,
a Justiça através do Congresso,
mesmo se tiver protesto, processo,
vem mais fácil se você for da Congregação.
Simbólica pode ser até o nome da dominação,
mas as relações de força te mandariam pra forca...
só se elas não precisassem do seu útero.
Tem um muro tapando nosso futuro.
Isso te faz pensar na forma, na fôrma:
Se o estado não é equilátero,
Por que parece ser tão quadrado?
É ilusão, falsa neutralização e universalização,
Levandowski a acreditar na criminalização.
A instrumentalização sai fantasiada de formalização,
Já a norma, caduca,
sem destino cai no chão,
mas ninguém socorre.
Enquanto a mudança de habitus
não ocorre,
A Violência simbólica corre,
É transcendental, transcontinental,
oriental, ocidental.
E pro meu direito chegar no Tribunal,
preciso que um médico,
vários médicos, eu reitero,
indiquem a questão do anencéfalo,
Para que o sistema fálico e falho
resolva seu dilema ético.
É tanta eugenia da liberdade feminina
Que torna inviável a vida extra-uterina.
LAURIENE ELLEN BORGES DE BEM ( NOTURNO)
formalismo, instrumentalismo e o direito
Em meio às considerações de Pierre Bourdieu encontram-se a crítica ao formalismo, que considera o direito como uma forma autônoma e independente do mundo social, e ao instrumentalismo, que consiste na concepção do direito como ferramenta para manutenção dos interesses dos grupos dominantes. Em consonância com o pensamento de Bourdieu, é possivel analisar a questão da descriminalização do aborto de anencéfalos.
Para o sociólogo, o formalismo deve ser evitado por ser irreal, uma vez que, em sua visão, o direito e a sociedade tem influências diretas e recíprocas um sobre o outro. Dessa maneira, a pauta presente na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) se faz necessária e importante, pelo fato de que ate o ano de 2005, juízes e tribunais formalizaram cerca de três mil autorizações para a interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida externa, configurando uma demanda da sociedade acerca de uma decisão jurídica.
Sob essa mesma perspectiva, o instrumentalismo também deve ser rejeitado porque ao sistematizar e racionalizar as normas legais, essas passam a ter valor universal e a universalização é um dos fatores mais poderosos da dominação simbólica, que leva a prática generalizada. Sendo assim, o direito deve buscar contemplar e se adequar à sociedade como um todo, não somente aos interesses dos grupos dominantes. Para Bourdieu, juristas simpatizantes com determinadas minorias podem transformar o direito a favor delas, como no caso dos votos a favor da descriminalização, sendo esses maioria (oito entre os dez votos), que buscaram positivar o direito da mulher sobre o próprio corpo e de se submeter à antecipação do parto nesses casos, Marco Aurélio, em seu voto, afirma que os direitos da mulher e do feto não sao conflitantes posto que o feto anencéfalo não tem potencial de vida. Sendo assim, não é factível contrapor a vida de uma mulher com uma vida inviável.
No espaço do possível, a mudança da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do código penal, que impede a antecipação do parto de anencéfalos é um avanço no direito brasileiro e na luta pelos direitos da mulher. Entretanto, o aborto em sua totalidade não está no espaço dos possíveis em razão do instrumentalismo ainda presente no que diz respeito a ideais conservadores e de moral religiosa incorporados na sociedade contemporânea, o que também reflete à critica ao formalismo, ideologias externas ao direito, presentes nos juristas influenciam decisões no âmbito jurídico. Sendo assim, muito ainda há de ser discutido visando abranger o espaço dos possíveis e assim afastar o direito do formalismo e do instrumentalismo.
Gabriela Makiyama
Direito noturno
Para o sociólogo, o formalismo deve ser evitado por ser irreal, uma vez que, em sua visão, o direito e a sociedade tem influências diretas e recíprocas um sobre o outro. Dessa maneira, a pauta presente na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) se faz necessária e importante, pelo fato de que ate o ano de 2005, juízes e tribunais formalizaram cerca de três mil autorizações para a interrupção gestacional em razão da incompatibilidade do feto com a vida externa, configurando uma demanda da sociedade acerca de uma decisão jurídica.
Sob essa mesma perspectiva, o instrumentalismo também deve ser rejeitado porque ao sistematizar e racionalizar as normas legais, essas passam a ter valor universal e a universalização é um dos fatores mais poderosos da dominação simbólica, que leva a prática generalizada. Sendo assim, o direito deve buscar contemplar e se adequar à sociedade como um todo, não somente aos interesses dos grupos dominantes. Para Bourdieu, juristas simpatizantes com determinadas minorias podem transformar o direito a favor delas, como no caso dos votos a favor da descriminalização, sendo esses maioria (oito entre os dez votos), que buscaram positivar o direito da mulher sobre o próprio corpo e de se submeter à antecipação do parto nesses casos, Marco Aurélio, em seu voto, afirma que os direitos da mulher e do feto não sao conflitantes posto que o feto anencéfalo não tem potencial de vida. Sendo assim, não é factível contrapor a vida de uma mulher com uma vida inviável.
No espaço do possível, a mudança da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do código penal, que impede a antecipação do parto de anencéfalos é um avanço no direito brasileiro e na luta pelos direitos da mulher. Entretanto, o aborto em sua totalidade não está no espaço dos possíveis em razão do instrumentalismo ainda presente no que diz respeito a ideais conservadores e de moral religiosa incorporados na sociedade contemporânea, o que também reflete à critica ao formalismo, ideologias externas ao direito, presentes nos juristas influenciam decisões no âmbito jurídico. Sendo assim, muito ainda há de ser discutido visando abranger o espaço dos possíveis e assim afastar o direito do formalismo e do instrumentalismo.
Gabriela Makiyama
Direito noturno
ADPF 54 e Bourdieu
A Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54 (ADPF 54) colocou em votação
pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no ano de 2012 o aborto de anencéfalos.
Ao utilizar da visão do pensador francês Bourdieu, de que para compreender a
realidade contemporânea de forma profunda e eficaz se é necessário utilizar de vários
campos distintos que se relacionam entre si, para analisar a ADPF 54, é
possível concluir que para esse discussão apenas o campo jurídico não é o suficiente,
uma vez que, nesse caso, a medicina é necessária; o campo médico já revelava
que um feto anencefálico é um natimorto cerebral sem expectativa de vida e que o diagnóstico
para esses casos era preciso.
Esses fatos, somados ao
sofrimento da gestante (uma vez que “essa mulher grávida de um feto
anencefálico não sairia da maternidade com um berço. Sairia com um pequeno
caixão”, segundo Luís Roberto Barroso) e à autonomia da mulher para poder
escolher sobre o seu corpo, levaram à decisão do STF de que a interrupção da gravidez nos
casos de fetos anencéfalos não é considerada aborto e, por isso, não é considerada
crime.
De acordo com os artigos 124, 126 e 128 inciso I e II do código penal o aborto é considerado crime, exceto em casos de estupro e de risco a vida da mulher, todavia o STF discutiu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54 que discorre sobre o aborto dos fetos anencéfalos. Os argumentos favoráveis a prática abordam principalmente o fato de não se caracterizar como aborto pois os fetos possuem em sua totalidade inviabilidade de vida exterior e também que obrigar uma mãe a passar por toda gestação sabendo da mortalidade do feto é análogo a tortura, o que fere os princípios de dignidade humana da mulher, portanto a antecipação do parto de anencéfalos deve se tornar uma prática que não se configure um crime. Ademais como afirma Bourdieu "O centro da gravidade do desenvolvimento do direito (...), na nossa época, como em todo o tempo, não deve ser procurado nem na legislação, nem na doutrina, nem na jurisprudência, mas sim na sociedade ela própria” (EHRLICH apud BOURDIEU, 1989, p. 241) sendo assim necessário a análise das mudanças da sociedade acerca do aborto dos anencéfalos, o código penal fora redigido na década de 40, época a qual não dispunham de tecnologias como as ultrassonografias para identificar fetos com inviabilidade de vida exterior não levando em consideração esse fatores em sua elaboração, como também as mulheres pouco possuíam participação efetiva na elaboração de tal, excluído as mesmas sobre o debate sobre as quais são as mais afetadas os abortos, em que as mulheres tem seus direitos fundamentais feridos.
Conforme Bourdieu fala sobre a força dos movimentos políticos em torno da causa das minorias "claro, por exemplo, que, à medida que aumenta a força dos dominados no campo social e a dos seus representantes (partidos ou sindicatos) no campo jurídico, a diferenciação do campo jurídico tende a aumentar, como sucedeu, por exemplo, na segunda metade do século XIX (BOURDIEU, 1989, p. 252), paralelamente podemos apontar o fortalecimento do movimento feminista para que os direitos das mulheres sejam elas os reprodutivos fossem discutidos. Por conseguinte pelas consequências psicólogicas e físicas como foram apresentadas por mulheres no processo de gestação de fetos anencéfalos, a descriminalização de tal processo foi essencial para a garantia dos direitos fundamentais das mulheres.
Julia Rocha Luciano
1º ano de direito noturno.
Conforme Bourdieu fala sobre a força dos movimentos políticos em torno da causa das minorias "claro, por exemplo, que, à medida que aumenta a força dos dominados no campo social e a dos seus representantes (partidos ou sindicatos) no campo jurídico, a diferenciação do campo jurídico tende a aumentar, como sucedeu, por exemplo, na segunda metade do século XIX (BOURDIEU, 1989, p. 252), paralelamente podemos apontar o fortalecimento do movimento feminista para que os direitos das mulheres sejam elas os reprodutivos fossem discutidos. Por conseguinte pelas consequências psicólogicas e físicas como foram apresentadas por mulheres no processo de gestação de fetos anencéfalos, a descriminalização de tal processo foi essencial para a garantia dos direitos fundamentais das mulheres.
Julia Rocha Luciano
1º ano de direito noturno.
Como o habitus e o poder simbólico interferem no diálogo entre o campo jurídico e os movimentos sociais
O debate da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 54 trouxe em pauta o aborto de anencéfalos e como um bônus, por
mais que tivesse sido tratada de forma bem rasa por alguns ministros, sendo relevante
citar que em sua maioria são homens, houve também a discussão da condição da
mulher em questões gravídicas de alto risco, de estupro e de aborto em
situações de gravidez indesejada. Argumentos filosóficos, de biologia,
bioquímica, medicina, sociológicos e de diversas outras áreas do conhecimento foram
utilizados pelos ministros e ministras para sustentar seu voto, evidenciando
que aborto de anencéfalos é um tema polêmico a ser discutido e por isso, o
indivíduo não pode basear seus argumentos em questões puramente metafísicas e
religiosas. Isso se dá devido ao fato de a religião ser preenchida com elementos
abstratos e subjetivos que vão além da compreensão humana, ou seja, a
comprovação de um Deus ou ser divino que rege todas as coisas do universo assim
como sua criação é sustentada em fé e não em ciência, com objeto de estudo, método,
hipótese, tese, desenvolvimento e conclusão.
A partir disso, utilizo de Pierre Bourdieu para a continuação
desse texto. Bourdieu afirmava que habitus é toda disposição incorporada
a partir de uma referência de classe e tendo em vista que desde Roma, o direito
é controlado e dominado por indivíduos de um estrato elevado da sociedade, que
possuem não só capital econômico como o cultural, o direito incorporou diversos
arquétipos jurídicos que vão desde a vestimenta até o discurso mais célebre que
o constituem como o conhecemos hoje: uma ciência culta integrada por indivíduos
cultos. E, como a linguagem tem poder de dominação sobre indivíduos e até mesmo
sociedades que não a dominam de forma integral, é formado o poder simbólico.
Por isso, para que haja debate entre os “comandantes” do
direito e os movimentos sociais, há o travestimento de ambas as partes em
coisas que não o são. O direito se traveste de impessoal e neutro e os movimentos
sociais travestem-se da linguagem do direito para alcançá-lo, correndo o risco
de afastar-se de sua base simples, porém complexa, e ter seus objetivos transformados
em céus carregados e nebulosos e não limpos, tornando difícil a visualização do
procedimento que a luta e a resistência tomaram, podendo fugir de seu
propósito. Então, para que o caso de abortos de anencéfalos chegasse ao Supremo
Tribunal Federal houve uma nova roupagem dada pelo movimento feminista em seu
discurso, utilizando de argumentos científicos complexos e detalhistas de áreas
distintas do conhecimento para apenas dialogar sobre a possibilidade de haver
abortos de anencéfalos. Exemplo disso é o fato de cada voto de cada ministro e
ministra ter uma lista extensa de referências bibliográficas ao final do voto,
nos mostrando que não é tão simples dialogar com o direito e quebrar a barreira
do poder simbólico assim como a do habitus.
Além disso, creio que não cabe a homens tratar de temas que
dizem respeito a mulheres. Deve haver o debate entre as duas partes, porém com
representação devida. O STF é composto por 11 ministros, sendo 9 deles homens e
2 mulheres. Não é uma representação democrática, principalmente quando há temas
que dizem respeito a mulher diretamente, afinal, por ano morrem mais de 177 mil
mulheres por abortos feitos por equipes médicas, fora os abortos feitos de
forma amadora.
A ADPF 54 foi favorável a descriminalização do aborto de
anencéfalos resultando em uma conquista de muitas que ainda devem vir para os movimentos
sociais feministas e outros que futuramente podem vir sobre outras minorias.
Contudo todo o procedimento para se chegar a essa conclusão levou há anos de
estudo para que se pudesse apenas dialogar com o direito e seu poder simbólico
adquirido pela linguagem que não é dominada da mesma forma por todos, afinal tornou-se
um habitus do direito.
O exercício da função social do direito pelo STF
Em 11 de abril de 2012, a
ADPF 54 foi julgada procedente pelo relator, o ministro Marco Aurélio de Mello.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi extremamente
questionada, pois este seria um divisor de águas constitucional e sobre a força
do direito, segundo o presidente do STF á época Cezar Peluso.
O primeiro questionamento
inferido à ADPF 54 foi a sobre a sua constitucionalidade. Haja vista que tal
demanda foi levantada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
(CNTS), ou seja, foi uma reivindicação da sociedade que se manifestou através das
medidas legais. Afere-se constitucionalidade também, segundo o ministro Gilmar Mendes,
foi a convocação de um amicus curiae, ouvindo
os diversos campos da sociedade, e dando legitimidade objetiva ao caso.
Outro ponto era a expressão
da força e o capital jurídico, posto em forma ao nomear o conceito do que seria
a vida para o campo jurídico. O sociólogo Pierre Bordieu que o poder do direito
esta na sua forma, e a construção deste desemboca sobre os próprios fatos jurídicos;
mas, além disso, o direito e a sua norma consagra e constrói o mundo social,
sendo assim também o espaço de tomadas de decisão e o principio de diversas transformações
sociais.
“O
direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação
que cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades
surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas,
que uma instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas.” (BORDIEU,
1989, Capitulo VIII)
Deste modo, segundo Bordieu,
o direito possui em sua competência a capacidade de decidir e nomear sobre o
conceito de vida. Tal analise vai a contramão da decisão deferida pelo ministro
Cezar Peluso, que em seu voto diz que diante da imprecisão do conceito de vida,
não caberia ao direto, sendo o alcance constitucional do conceito de vida e da
sua tutela normativo limitado.
“Abro
parêntese para expor que, ainda quando se discorde de tal definição,
compatível, na sua simplicidade e plasticidade, com qualquer outra noção de
vida, em particular de vida humana, esta não constitui criação artificial da
ciência jurídica, senão realidade pré-jurídica de que, para efeito de
valorações normativas fundamentais, se apropria o Direito.” (Ministro Cezar Peluso, ADPF 54, P.378).
Por fim, fica claro o poder, a importância e a função social do direito,
que pode por em forma as demandas constitucionais. A ADPF-54 garantiu as
mulheres á opção pelo aborto terapêutico nos casos de anencefalia, mas pelo
artigo 124 do código penal brasileiro o aborto continua sendo um crime. A tipificação
do aborto no código demonstra como, durante a ADPF-54, o direito não exerceu
plenamente a sua força, pois como disse o próprio Bordieu, o capital jurídico é
o confronto de diferentes formas de competência, e naquele momento
prevaleceu-se a forma conservadora, apesar do avanço.
Mariana Santos Alves de Lima - Noturno
Bourdieu, poder simbólico e igualdade
O sociólogo contemporâneo Pierre Bourdieu,
em seu estudo mais aprofundado sobre a sociedade atual, tenta decifrar ou
corrigir questões de filósofos anteriores a ele, possuindo assim um
conglomerado de pensamentos de diversos autores passados, como Durkheim, Marx e
Weber. Uma de suas contribuições para a sociologia, além dos complexos
conceitos de Habitus e Campo, consiste no estudo do significado da dominação masculina
na sociedade moderna, tentando explicar os variados resultados que um meio em
que o homem aparece como líder pode trazer. Analisando a ADPF 54, observamos o
atraso em que o Brasil está inserido em relação aos outros países do mundo,
como Alemanha e Noruega, que possuem o aborto liberado há muito tempo.
Levando-se em conta a decisão do STF e o estudo de Bourdieu, fica claro que a
jurisprudência de abril de 2012 é resultado de forte pressão popular, mais
intensamente pelo movimento feminista, podendo-se dizer que caso existisse uma ausência
desses movimentos sociais, a criminalização do aborto de anencéfalos ainda
seria um entrave para a nossa evolução social.
O livro de Bourdieu acerca da dominação do
homem também deixa claro o caráter simbólico dado à figura feminina ao longo
das gerações, tirando como exemplo as suas vestimentas e o seu modo de agir,
evidenciando-se assim o motivo da palavra ‘simbólico’ no contexto social. Isso
torna ainda mais exposto o motivo no qual o Supremo Tribunal Federal teve um
longo tempo para proferir sua sentença, mostrando que existe sim uma sociedade
machista, mas que esta está caminhando para um futuro com mais igualdade e
equidade.
Em síntese, o STF adotou como
inconstitucional a proibição do aborto com caráter anencefálico abrangido nos
artigos 124, 126 e 128 do Código Penal. O ministro Joaquim Barbosa cita em sua
fala que não se pode incriminar a autonomia e a liberdade individual de
qualquer mulher. O ministro Fux agrega sob o ponto de vista da falta de
perspectivas para uma futura cura sobre a questão da anencefalia, o que
causaria certo desconforto por parte de seus progenitores, visto que não
poderão fazer nada diante da situação vivida pela criança. Concluindo,
retira-se de tudo isso que o tema relacionado ao aborto terá sempre
controvérsias, principalmente em nosso país, com vertente altamente
conservadora e tradicional, necessitando de maiores esforços para que haja uma
maior igualdade entre os cidadão, tendo suas liberdades individuais respeitadas
a qualquer modo.
Gustavo Muglia de Souza - 1° Ano - Direito Noturno
Apesar de tudo o Direito ainda é uma esperança Racional
No tempo da instabilidade
política e das Fake News, no que podemos no agarrar para seguir em frente, o que
não será tão afetado por esse fanatismo político-moral-religioso impregnado na nossa sociedade, pois lhes falo
que o Direito é a nossa maior esperança.
Bordieu defendia que o campo
jurídico possui seu próprio universo com suas próprias leis fundamentais de
funcionamento formado pelas relações externas atuantes e pelas relações
internas de seus próprios operadores e doutrinadores dentro do “espaço dos
possíveis”. Apesar de aparentar essa autonomia o campo jurídico ainda é afetado
por pressões externas diz Bordieu em crítica a Kelsen, como podemos ver no
nosso cenário atual a vontade das massas afeta mesmo que pouco o posicionamento
dos operadores do direito.
Desta maneira não se pode
evocar argumentos religiosos para argumentar, pois a única coisa que impera no
campo jurídico é a racionalidade, na ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 54) que reivindica a descriminalização do aborto
de fetos anencéfalos, o ministro relator Marco Aurélio destaca que que os
argumentos religiosos para terem validade nesse campo faz-se necessário a
tradução para argumentos racionais, ou seja, eles não são totalmente ignorados
mas precisam se adequar ao “espaço do possíveis “ para terem uma fundamentação
lógica. Através da coerência da logica positiva da ciência e lógica normativa
da moral o Direito é reconhecido e legitimado.
Não podemos dizer que ele é
uma mera manifestação da vontade dos operadores
usando a discricionariedade pois o “espaço dos possíveis” impõe limites
para a sua interpretação, como cita o
Ministro Ricardo Levandoski “ a norma é
clara não há espaço para interpretação”.
Na ADPF 54 podemos observar
a expressão da racionalização no discurso de cada ministro para defender ou ir
contra a ação, a universalização, que é expressão da certeza do que realmente é
fato e não o dever ser, e também a neutralização presente em cada argumentação
que só nos permite descobrir seu posicionamento no final e cada discurso.
O Veredicto da ADPF 54 foi a
descriminalização do aborto de fetos anencéfalos mas por que essa conclusão não
é colocada em dúvida e é aceita pela maioria, Bordieu defende formalismo racional confere a
legitimação necessária para demonstrar que que aquilo foi decidido através da
razão e não da vontade dos ministros.
Mas como o Direito poder ser
a esperança racional, se o Ethos compartilhado
expressa os valores dominantes no campo , por
isso a pouca probabilidade dos dominantes serem prejudicados afirma
Bordieu. Nesse momento que entram os novos juristas advindos de classes sociais
menos favorecidas e de minorias étnicas, trazendo seus próprios Habitus para o
campo jurídico alterando mesmo que só 1% do Ethos do quadro geral mas, já
fazendo uma enorme diferença, pesquisas apontam essas mudanças no campo a
partir de 1960 quando esses grupos começaram a adentrar no Judiciário com mais
frequência.
Por esses fatores não
podemos desistir do Direito, ele é o instituto que mais imparcial e racional
que temos, devemos reivindicar nosso direitos sempre para que não os perdermos
aos poucos.
Danilo Braga Vicentini - Direito Noturno
Danilo Braga Vicentini - Direito Noturno
O direito a interromper a gravidez de fetos anencéfalos pelo olhar de Bourdieu.
Diante da importante decisão do Supremo Tribunal Federal em julgar-se, por 8 votos a 2, a favor do pedido ajuizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, a partir da qual o aborto de fetos anencéfalos passa a ser permitido, existe um grande avanço que prioriza a dignidade da pessoa humana, deixando arcaico tradicional e os preceitos religiosos.Durante o processo, vários argumentos foram postos a favor do pedido, dos quais pode-se destacar os apontados pelo Ministro Marco Aurélio, que foi relator do processo e que de várias formas justificou-se. Os direitos básicos da mulher devendo prevalecer sobre os de um feto sem chances de vida, para não se desrespeitar a constituição, evitando riscos irreparáveis à saúde e ao psicológico da mãe, garantindo assim, sua privacidade, autonomia e dignidade foi o primeiro pretexto apontado pelo relator para se mostrar a favor da liberação.
O ministro também ressaltou para o fato de que a época em que o código foi escrito pouco se conhecia sobre o assunto e por isso deve-se repensar sobre, o que pode ser forçado pelo pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu, que direciona para necessidade do juiz não ser apenas um executor da lei, tendo, desse modo, autonomia e adaptando o que se tem às novas circunstâncias, afinal, como ele também aponta, a judicialização do direito serviria para, de uma nova forma, lidar com o que outros órgãos não conseguiram, assim como, nessa decisão, o Supremo Tribunal Federal objetivaria resolver o problema da violação da dignidade humana que o legislativo (que seria o responsável por regular as leis para quem nessa discussão se mostrou contra), até o momento, foi incapaz de resolver.
O relator também aponta para a laicidade do Estado, eliminando assim a argumentação por preceitos religiosos da discussão. Marco Aurélio ainda se mostrou contrário à ideia da utilização dos anencéfalos para doação de órgãos, justificando-se pelo fato de existirem outras anomalias decorrentes que impediram a doação.
Outros ministros também se pautaram na integridad da pessoa humana, assim como Rosa Weber, que citou o Conselho Federal de Medicina para comprovar a morte do anencéfalo pela ausência de atividade motora decorrente da morte cerebral, ressaltando os direitos da mãe, viva, sobre a impossibilidade de vida, citando também a presença da garantia de sua dignidade na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III.
Assim, agindo como afirmou Bourdieu para a necessidade das lutas sociais se pautarem em algo legitimável para promover mudanças no campo jurídico, o movimento pautou-se na dignidade da pessoa humana acima da impossibilidade de vida do feto e do decorrente sofrimento. Essa luta simbólica pelo campo jurídico, que existe pela permeabilidade do direito, como a firma o sociólogo, foi dessa forma legitimada, tendo como produto um veredicto favorável a ação que foi encaminhada por profissionais de saúde, os quais de forma eficaz, pela razão (o que contribuiu para a legitimação, de acordo com o autor), trataram da integridade da mulher adequadamente diante de um sistema que a época em que foi construído desconhecia sobre a anencefalia e desconsiderava totalmente a mulher e desse modo estaria, enquanto sozinho, despreparado para lidar com o caso.
Monica C. dos A. Bueno
1º ano de direito noturno.
ADPF 54 e a perspectiva sociológica de Bourdieu
O sociólogo Pierre Bourdieu, em suas obras evidenciou que o direito muda conforme as necessidades da sociedade, por meio das pressões externas ocorrem modificações nas normas para que o campo jurídico atenda as demandas do meio social. Entretanto, tais mudanças se fazem limitadas por alguns fatores, sejam a lógica positiva da ciência ou a moral vigente na sociedade, o que se positiva nas legislações é o resultado universal da ética e lógica dos grupos dominantes.
No Brasil, o aborto é previsto no artigo 128 do Código Penal e só era autorizado quando a gestação representava risco de morte a mãe ou em caso de estupro. Desse modo, a ADPF 54 veio inovar as normas e gerar um avanço na questão humanitária desse tabu, foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou a interrupção da gestação de fetos anencéfalos considerados pela medicina natimortos cerebrais e um grande sofrimento para mães que outrora eram obrigadas a prosseguir com a gestação inviável.
A anencefália é uma má formação do bebê incompatível com a vida após o parto, além de representar grandes riscos para mãe. Assim, a antecipação terapêutica do parto seria a forma mais eficaz de proteger a vida e saúde psíquica da gestante. O STF por maioria dos votos (8 x 2) deu procedimento ao pedido veiculado na ADPF e autorizou a interrupção da gravidez, os argumentos utilizados pelos Ministros levam em consideração os princípios constitucionais como a vida, dignidade, saúde e autonomia do corpo e a situação fática do feto anencefálico (em 100% dos casos a gestação acaba em morte).
Essa decisão entra em conformidade com o pensamento de Bourdieu, onde ele diz que os magistrados devem pôr em forma os princípios e regras que elaborarão um corpo sistemático assentado em princípios racionais e destinados a ter uma aplicação universal, além disso, operam a historicização das normas, “adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidade inéditas (...)”¹.
¹ - BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 223.
¹ - BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 223.
Gabriella Natalino - Direito Matutino
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