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segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Todo crime racial é racismo

A ADI 6987 ocorreu pelo pedido do Partido Cidadania de que a injúria racial seja considerada racismo. Desse modo, todas as pessoas que cometessem preconceito racial sofreriam uma pena maior. Levando em consideração que o Brasil é um país com mais de 50% da população se autodeclarando preta ou parda, considera-se que a aprovação dessa medida seria extremamente importante para o seu povo e para o propósito de igualdade previsto na Constituição Federal.

É fundamental observar a questão sob o ponto de vista do sociólogo Bourdieu, o qual diz que o direito é uma força resultante da força e demandas sociais. Nessa perspectiva, cabe ressaltar que, como foi supramencionado, a população brasileira se declara, majoritariamente, como negra ou parda. Sendo assim, é claro que o Estado deve tomar decisões que promovam a igualdade e punam quem não segue esse ideal, como a de classificar a injúria racial como racismo, um crime que ofende toda a população preta.

Sob esse viés, é possível citar Garapon que fala da magistratura do sujeito, a qual diz que o direito contemporâneo tem que tutelar os sujeitos que enfrentam dificuldades. Portanto, reconhecer a injúria racial como racismo é um método de alcançar a igualdade material que esse autor tanto almeja. Ademais, esse jurista diz que cada pessoa deve viver sua vida de acordo com seus valores, mas é necessário destacar que a liberdade de expressão não pode ferir a dignidade dos outros. Por conseguinte, a injúria racial é apenas uma forma de liberdade de expressão e de racismo, por isso, deve ser punida com a mesma intensidade.

Além disso, é essencial citar McCann que vê a mobilização do direito como ação coletiva. Nessa perspectiva, é óbvio que um país com grande parte populacional preta e parda se mobiliza com a questão de como a pena da injúria racial e seu significado são injustas com a população que sofre esse preconceito. Desse modo, a classificação da injúria racial como racismo é uma vitória para o povo e o direito brasileiro.

Outrossim, é preciso citar Sara Araújo que discorre sobre a ecologia de direitos e de justiças, a qual realiza um confronto com as monoculturas do saber, que se trata de um modo eurocêntrico e excluidor de grupos diversos. Nesse contexto, é defendido que os ordenamentos jurídicos devem abranger as vozes dos grupos sociais que são vistos como inferiores e sofrem preconceito. Por isso, a equivalência de injúria racial como racismo é um modo de mitigar essa visão eurocêntrica e racista difundida ao longo dos séculos.

Nesse contexto, cita-se Mbembe, um filósofo que discorre sobre a necropolítica que seria transferir para o Estado o poder de decidir quem pode viver e morrer. Desse modo, certos grupos passam a ser vistos como inimigos do Estado e são a primeira escolha para sofrerem consequências negativas. Cabe ressaltar que esses grupos são os pretos e as pessoas de baixa renda. Logo, o reconhecimento da injúria racial como racismo seria um modo de permitir que essa política tivesse uma taxa de eficiência menor.

Portanto, é evidente que a iniciativa do partido Cidadania foi extremamente acertada e deve ser analisada positivamente. O reconhecimento da injúria racial como racismo é necessário para que a igualdade seja alcançada no cenário brasileiro, o qual, infelizmente, ainda sofre muito com o preconceito racial.


Perturbação histórica aos direitos das minorias

No ano de 2009, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, o Partido Democratas (DEM) ajuizou diretamente à Suprema Corte um requerimento com o intuito de declarar inconstitucional a política de cotas implementada pela Universidade de Brasília (UNB). Pautados em uma deturpação completa da Constituição, afastando qualquer interpretação teleológica acerca do conteúdo da norma fundamental, o partido requereu, baseado na relativa abstração do texto normativo, a inconstitucionalidade de tal política. Através dos dispositivos dos Artigos 1°, 3°e 4°, a tese pretendia afirmar a política de cotas implementada para a inclusão de minorias socioeconômicas e étnico-raciais como preconceituosa e racista, ao passo que diferenciaria baseado em critérios étnicos, o processo de ingresso na universidade pública.

A priori, é imprescindível a ênfase à batalha promovida no campo jurídico dentro do espaço dos possíveis. Diante a implementação de medidas que caminham em direção contrária à noção rasa de igualdade promovida pelo constitucionalismo liberal, as elites sociais intensificaram a sua mobilização de capital social à manutenção da sua superioridade, nesse caso, através da ADPF. Com base na defesa de uma neutralidade do direito que impede o seu manuseio como mecanismo antecipatório das minorias, em forma contrária a democratização plena da sociedade, o DEM buscou afirmar a visão dominante de que há dentro do projeto delimitado pela Constituição Cidadã, a necessidade de abordagem completamente igualitária a todos os meios sociais, independentemente das incontáveis dissimilitudes entre os indivíduos.

É notória a necessidade de historicização da norma e destacar o sentido teleológico possível de ser atribuído ao texto normativo. Ao passo que a sociedade se transforma, a mutação constitucional deverá acompanhar as necessidades do presente, possibilitando transformações informais dentro do texto normativo, se altera o seu sentido, mas não seus princípios. Logo, acompanhando os objetivos fundantes da constituição, torna-se rutilante a precisão da decisão de declarar improcedente a arguição do DEM.

A Constituição de 1988 foi promulgada com intuito da defesa não apenas dos direitos de primeira dimensão, amplamente abordados pelo requerente, mas também pela proteção aos direitos de caráter social. A política de cotas busca democratizar o acesso ao ensino superior no país. Em um cenário de desigualdades sistêmicas possibilitadas por toda a história do Estado Brasileiro, a política afirmativa apenas busca administrativamente, afirmar o que os dispositivos constitucionais procuram resguardar e atingir, no caso, a democratização não apenas no tratamento perante a lei, mas no acesso a todos os serviços e campo social. Dessa forma, a historização da norma se faz necessária.

Os artigos introdutórios da Constituição não buscam afirmar um olhar cego perante as mazelas sociais e declarar apenas as igualdades necessárias àqueles que conseguem afirmar-se socialmente. Em meio a uma sociedade que criminaliza a pobreza e marginaliza as minorias étnico-raciais, o campo jurídico deve buscar a igualdade substancial entre os indivíduos, e isso passa pelo sancionamento de políticas e leis com atenção especial a pautas sociais. Seria impossível tutelar tais direitos por outra via que não seja a de Estado. Em meio a uma sociedade opressora e constantemente conflituosa, cabe aos poderes públicos o dever de arquitetar formas de acesso democrático a todos.

Vinicius Mota Corrêa de Souza - Matutino

SOBRE AS COTAS RACIAIS PARA MAIOR GARANTIA DA IGUALDADE

 

Ao se deparar com uma ADPF como a aqui tratada, logo se percebe a ignorância do proponente desta. Ter em mente que o sistema de cotas raciais para o ingresso no ensino superior público seria, de alguma forma, inconstitucional, é não só errôneo como preguiçoso.

Em primeiro lugar, vale explicitar o conceito de igualdade material como igualdade de fato, e não simplesmente teórica. A partir deste conceito um questionamento se faz cabível: “Como se dá a igualdade material?”. A resposta mais sintética para a pergunta seria por meio da famosa frase: “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na exata medida das suas desigualdades".

Com a ciência de tal, parece incabível a concepção da inconstitucionalidade do tema aqui abordado. Isso pois, rapidamente se perceberia que foi a fim de materializar a igualdade, analisando o “espaço dos possíveis”, que o Estado criou tal mecanismo.

“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.”. A frase de George Orwell se faz aplicável ao caso, uma vez que a população branca é historicamente dominante e isso se perpetua como um habitus, naturalizado na sociedade global. Desse modo, com a proposta de ser um paliativo no processo de reparação histórica, surgem as cotas raciais.

Dessa forma, sem ferir a democracia, o julgamento que considera improcedente o recurso da ADPF 186, vence o Partido Democrata – DEM, proponente ignorante, que expressa claramente a pretensão da monocultura do saber euro-ocidental. 

Pedro Xavier Pereira

 

A ADPF 186 e o Direito como ferramenta de igualdade

 

As cotas raciais são um tipo de ação afirmativa que visa incluir a população negra nos ambientes tanto de universidades públicas, como de serviços públicos, a fim de diminuir as desigualdades presentes devido ao histórico escravagista do país. Essas cotas reservam vagas exclusivas para essas pessoas.

A ADPF 186 tratou do julgamento de necessidade real ou não de adoção de cotas, até então não utilizadas, pela Universidade de Brasília, em 2004. No caso, o partido Democratas relata a não necessidade dessa medida. Na conclusão da ADPF, foi decidido, por unanimidade, que as cotas adotadas eram proporcionais e constitucionais.

Ao ver a Ação através do pensamento de Bourdieu, é possível verificar a historicização da norma, no momento que os juízes do STF utilizam o princípio da equidade, já existente, como meio de identificar a necessidade de tratamentos diferentes para populações que encontram patamares materiais desigual, o que era uma necessidade social. Em outras palavras, foi verificado que para se fazer real a equidade existente formalmente, era preciso reconhecer as desigualdades materiais. Ademais, com essa decisão do STF, as demandas dessa população comumente marginalizada, entra mais fortemente no espaço dos possíveis.

Paralelamente ao raciocínio já traçado, Antonie Garapon também criou um termo que explicita muito bem a situação analisada. O que ocorreu na ADPF 186 pode ser um exemplo de “magistratura do sujeito”, pois, o poder judiciário serviu como instrumento de proteção dos direitos constitucionais de uma minoria. Essa atitude foi extremamente necessária, ao considerar-se o histórico de violência e exclusão vivido por essa população, resultando em anos de lutas, as quais, dessa forma, começam a ser reconhecidas.

Ainda vale ressaltar que a ADPF 186 atendeu a demanda de uma minoria, como já dito, marginalizada cotidianamente, e que buscavam seus direitos de inclusão. Sendo assim, como explicado por Michael McCANN, a Ação serviu como ação político-social, no momento em que as necessidades se fizeram concretas através do direito.

Por fim, a utilização do direito por um cunho apenas formal, como defendido pelo partido Democratas no caso analisado, é ineficiente e colabora para a manutenção das desigualdades. Como definido por Sara Araújo, é preciso ter uma ecologia de direitos e de justiças, de forma que as lutas jurídicas sociais nascentes das lacunas do Estado sejam recebidas pelo Direito. Isso deve ocorrer com atenção às variações de cada região e população, para que todos tenham seus direitos garantidos de maneira semelhante. Por exemplo, não basta assegurar a educação pública para todos, sendo que os negros não conseguem acessá-la de forma equânime aos brancos.

Dessa forma, a ADPF 186 serviu como ferramenta de proteção e garantia de direitos que antes eram só formais. Resultou como um avanço de políticas públicas pelo Poder judiciário, após muita luta de um povo comumente marginalizado.

Isabela Bucci Lopes

 

Direito de igualdade

 Trezentos e oitenta e oito anos de escravidão. Passados mais de cem anos desde a assinatura da lei áurea, as marcas da falta de humanidade permanecem no consciente do brasileiro por meio de diversas violências direcionadas a pessoas que até hoje são vítimas da falta de igualdade material.

       Dessa forma, faz-se necessário compreender que quando os processos que levaram ao abolicionismo ocorreram, não foram acompanhados, por parte do governo, de medidas que se dispusessem a inserir o povo preto numa sociedade igualitária, sendo então, colocados a margem da sociedade e agora a escravidão passava a ser de um povo que sofria com a miséria, sem atenção do governo, não conseguindo ocupar os altos cargos ou conseguir ter acesso à universidade , além do racismo por parte da sociedade.
       Sendo assim, foi imprescindível a criação da lei de cotas raciais, pois é um meio formal de atingir a igualdade material, podendo finalmente ser possível encontrar diversidade étnicas e sociais nos diferentes espaços e, se tratando de cotas raciais, finalmente no espaço universitário.
       Segundo o filósofo Bourdieu, no espaço dos possíveis teria um conflito entre todo o discurso meritocrático proferido, sobretudo, por uma classe média brasileira insatisfeita e que se sente ameaçada pela possibilidade de se aproximarem socialmente das camadas sociais inferiores e a vontade de alguns de lutar pela igualdade material independente de etnia.
       Fica claro, portanto, que a lei de cotas raciais é imprescindível nesse movimento lento de mudar todo um pensamento social racista e finalmente conseguir incluir essas pessoas nesses espaços. Cota é direito. Cota é reparação histórica. Cota não é esmola.

Aluna: Larissa Cristina Ferreira Melo - Noturno

ADPF 186 e o caminho para a materialização de um “dever-ser”

 

Em 2012 o STF julgou um de seus casos mais simbólicos, a ADPF 186. Ajuizada pelo partido Democratas (DEM), a arguição visava declarar inconstitucional uma política de cotas raciais recém adotada pela Universidade de Brasília (UnB), segundo o partido, ao reservar vagas em instituição pública com base no critério racial, a Universidade referida estaria descumprindo princípios fundamentais da constituição, dentre os quais especialmente o princípio da igualdade.

Mas o que é o princípio da igualdade na constituição? Seria a ideia liberal de que todos são plenamente iguais e, portanto, assim devem ser tratados? Uma análise rasa pode chegar a este raciocínio, mas ao analisar a fundo a principiologia jurídica e constitucional, vemos que não é “bem assim”. As normas são, em rude síntese, palavras escritas num texto legal que pela sua vigência e validade se materializam na ordem político-social de um estado, contudo, as normas não são simples frases, as normas expressam um “dever-ser” isto é, expressam pressupostos valorativos se pretende concretizar na realidade, no plano do “ser”.

Dessa forma se a norma exprime um “não matarás”, subentende-se que existe uma prática que se deseja extinguir (no caso, a do homicídio), de forma análoga, quando a Constituição de 88 consagra no famoso artigo quinto a frase “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” deseja o legislador afirmar categoricamente que o Brasil é um paraíso onde a isonomia jurídica impera e não há preconceitos de natureza alguma? Quem dera o fosse. O princípio da igualdade não exprime um “ser”, exprime um “dever-ser”, ou seja, a Constituição não está rasamente afirmando uma realidade, ela está impondo um dever de concretizar esta realidade, o princípio da igualdade subentende que as desigualdades existem e, portanto, é necessário erradicá-las.

Num país onde perdurou séculos a escravidão como o Brasil, não se pode fantasiar que a igualdade racial existe, seja nas condições econômicas, sociais, jurídicas e em especial (pois é o tema do caso) educacionais. A igualdade formal existe, isto é, há uma princípio constitucional que expressa sua existência no “mundo das ideias”, mas este mesmo princípio comanda a sua existência no mundo real, a materialização dessa igualdade pode ser realizada de diversos meios, sendo um dos mais eficazes as ações afirmativas, como é o caso do implemento das cotas raciais.

Ao julgar (por unanimidade) improcedente a ADPF, consagrando então a constitucionalidade das cotas raciais, o Supremo Tribunal atua como um “magistrado do sujeito”, como pontuado por Garapon, isto é, atua como o defensor de minorias que quase nunca tem seus anseios acolhidos pela maioria legislativa. O reconhecimento da ferramenta das cotas como meio de transformar o “dever-ser” em “ser”, pode ser visto também sobre o conceito da “historicização da norma” de Bourdieu, ao transpor o direito promulgado em 1988 para a realidade e necessidade social demandada no século XXI, o STF permite que o direito evolua em conjunto com a sociedade.

Ademais, as referidas demandas sociais, que como analisa Michael Mccan, são o motor social que impulsiona esta expansão do direito, no caso concreto da ADPF foi mister a atuação de diversos coletivos sociais, grupos de direitos humanos e organizações interessadas como amicus curiae, isto é, “amigos da corte”, instituto através do qual a sociedade civil expõe seus pensamentos ao Supremo Tribunal Federal, transpondo no institucional o espírito social. Por fim, ao desconsiderar o pedido do DEM, o Supremo afirma um compromisso em desmantelar o que Sara Araújo conceitua como a “razão metonímica” de certas elites brasileiras, ao criar um modelo onde a raça é critério para ação positiva, afirmativa, quando se trata os desiguais desigualmente para então lhes conferir a igualdade material, a instituição brasileira rompe com o pensamento colonial, e abre o caminho para um futuro que pertence à sociedade brasileira, não à pensamentos e conjecturas setentrionais, coloniais e ultrapassadas.

 

Daniel G. G. Damian

Turma XXXIX - Matutino