...e a minoria sofrendo com medo porque tem”
Caio Prado Jr.
No ano de 2012,
o Pinheirinho – área ocupada por cerca de seis mil pessoas há mais de 7 anos –
foi palco de uma violenta reintegração de posse, executada por um contingente
de policiais militares, munidos não só de suprimentos como balas de borracha,
mas também de autorização da justiça, expedida pela juíza Márcia Loureiro.
Tal ordem de
reintegração de posse do terreno havia sido suspensa devido a um acordo entre
governo federal e estadual, que supostamente dispuseram-se a negociar sobre o
futuro da área – reintegrada a posse da massa falida da empresa Selecta,
propriedade do famoso especulador imobiliário Naji Nahas ou transformada em
área de interesse social, passando a titularidade da mesma para as cerca de
1500 famílias lá habitantes.
Tal situação
expôs e opôs dois direitos previstos na Constituição Federal de 1988, o de
propriedade (Art. 5º, XXII) e o de
moradia (Art. 6º, caput). Qual direito devia sobressair-se? O desfecho da
história, cunhada de “Massacre do Pinheirinho”, mostra que o direito à
propriedade, ignorando inclusive a função social da mesma, prevista também em
Constituição, no mesmo artigo 5º, inciso XXIII; consolidou-se como mais
importante. Um ano após a expulsão dos moradores, o terreno fora devolvido à
massa falida da empresa Selecta, cercado e guardado por seguranças privados, a
fim de se evitar uma nova ocupação. Os antigos moradores? Migraram para áreas
de risco e/ou para viver sob condições precárias de moradia, uma vez que a
indenização oferecida pelo governo, o auxílio-aluguel, é de 500 reais e não
atende aos preços usuais de alugueis em São José dos Campos.
Aí surgem os
questionamentos, houve erro no julgamento do Pinheirinho? O Direito não foi o suficiente
para trazer justiça ao caso? Ou foram os agentes aplicadores do Direito que
falharam? E o Estado? Cumpriu seus deveres para com seus cidadãos? Mas quais
cidadãos? Quem realmente foi beneficiado com tal decisão? Qual relação o Estado
e suas instituições – entre elas, o Direito – têm com as classes sociais?
Sob a ótica do
pensamento de Hegel, o Estado moldaria as classes sociais, logo, o direito
seria objeto da racionalidade do Estado, da busca do homem pela liberdade, em
outras palavras, o direito seria a liberdade em forma de ideia, pois nele,
segundo Hegel, “toda limitação e singularidade individual ficam suprimidas”. O
Estado seria a ideia prima de liberdade e o direito sua ferramenta de
consolidação da liberdade na Sociedade (Por exemplo, através do direito as
pessoas têm exata noção de quais ações não cometer, e se cometessem, quais
penas seriam executadas; elas não precisariam viver com medo).
No entanto, Marx
desconstrói a ideia de Hegel ao expor sua teoria de que na verdade, as classes
sociais é que moldam o Estado. Ou seja, o Estado, suas formas de atuação e suas
instituições, entre elas, o Direito, não contribuem para a manutenção da
justiça e liberdade de toda a população mas sim a manutenção de uma ordem
baseada nos meios de produção, na qual uma elite burguesa se beneficia através
dos instrumentos que ela própria criou, governa e aplica.
Para tanto, Caio
Prado Júnior, numa análise marxista da realidade brasileira, estabelece que o
país é fruto da modernidade, ou seja, foi criado e pautado desde sempre pelas
relações capitalistas, ademais, suas instituições mantiveram-se, numa forma mais
complexa, estratificadas e semelhantes a uma espécie de sistema colonial: Uma
população, em sua maioria, alienada; uma elite conservadora que tenta manter
seus privilégios, uma economia agrícola-exportadora aliada a concentração de
terras baseada no latifúndio, desigualdade social e econômica...
Baseando-se na
análise marxista de Caio Prado Júnior e na própria análise de Marx acerca do
Estado e do Direito, o episódio do Pinheirinho se consolida como mais um
episódio que tratou de manter a ordem já instituída em nosso país desde os
primórdios. Mais um episódio como muitos outros, inclusive na própria cidade de
São José dos Campos, nos quais famílias residentes dos chamados “adensamentos
informais” já sofreram inclusive políticas segregacionistas, como a “Lei da
Fome”, que proibia a moradores de ocupações, o acesso a serviços públicos
(Felizmente, declarada inconstitucional pelo TJSP).
O direito de
propriedade, nesse caso, beneficia a ordem econômica de uma elite burguesa que contribui
para a especulação mobiliária e para o lucro de alguns poucos em detrimento do
direito de moradia e de dignidade de muitos. A relativização da efetividade do
Direito aqui é observada, uma vez que quando contrapostos direitos entre
diferentes classes sociais, os da classe social dominante sobressaem-se na
sentença final. É o Direito de Classes, construído paulatinamente com um
histórico desrespeito aos Direitos Humanos, negando o respeito à dignidade
humana e mantendo a ordem social favorável à elite.
Mariana F. Figueiredo
1º ano de Direito (Diurno)
Sociologia do Direito