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sábado, 21 de maio de 2022

A linha temporal de Jane serve como espelho da não fixação de fatos sociais. 

O livro "A última parada", ficção científica de Casey McQuiston, conta a história de Jane, uma jovem lésbica, que ficou presa no metrô nos 1970 até atualmente, isto é, está perdida na linha do tempo sem conseguir sair desse metrô nova-iorquino. Antes desse incidente, Jane era militante ativa nas causas LGBT+ durante os anos 1970, já que vivia em um ambiente que entendia essas pessoas como doentes e promíscuas, e lutava para que esse pensamento retrógado mudasse. 

Através dos anos em que viveu nesse metrô, Jane percebeu que os olhares em relação à ela, uma mulher lésbica desfeminilizada, mudaram: antes a olhavam com desdém, atualmente isso ocorre apenas rararemente. Além disso, na década de 1970, pessoas do mesmo sexo não andavam de mão dadas, e hoje ela vê isso contanstemente. Essa situação, apesar de ser ficcional, ilustra o fato de que na sociedade existem fatos sociais, que são todos aqueles que independem do indivíduo e tem como substrato o agir do homem em sociedade, de acordo com regras sociais, conceito este desevolvido por Durkheim. Assim, a presença da heteronormatividade, que desumaniza pessoas LGBT+ como Jane, é um fato social, pois é uma norma que existe de forma estrutural e independe do indivíduo.  

Pessoas como Jane desafiam a heterenormatividade diariamente, seja por meio de vestimentas que são tidas como não qualificadas para determinado gênero, andar de mãos dadas com alguém do mesmo sexo, não casar na Igreja... Essas atitudes, que são formas de resistência, são seguidas por reações punitivas que buscam reestabelecer a norma, com o objetivo de evitar a anomia, ou seja, a deterioração das regras que mantém a coesão social. Nos anos 1970, Jane não via casais de mulheres de mãos dadas, já que naquela época a homofobia, enquanto fato social, era muito presente que hoje. Inclusive, em alguns locais da atualidade, a reação punitiva pode ser oposta: ao invés de se punir um casal LGBT por estar abraçado, pune-se quem faz "piadinhas" homofóbicas. Dessa forma, pode-se observar que os fatos sociais não são fixos, mas dependem diretamente de hábitos forjados no coletivo. 

Nesse sentido, a educação tem um papel fundamental, pois forja o ser social, ao lhe incutir regras que são naturalizadas aos poucos, de forma contínua, gerando a reprodução de um modelo coletivo. Assim, deve-se educar as crianças através da difusão do não preconceito, para que a homofobia e heteronormatividade deixem de ser um fato social. 

Ainda sobre o fato social, Durkheim aponta que as instituições e práticas sociais não surgem do nada, mas de necessidades, de causas eficientes, que se vinculam ao ordenamento geral do organismo social. Portanto, a prática social da homofobia e a instituição casamento heterossexual não surgiram aleatoriamente, mas a partir da necessidade de se reproduzir o ideal cristão de família atrelado à ideia de propriedade privada. 

Por fim, entender a heteronormatividade como um fato social é importante, já que esse entendimento se dá a partir de estudos sociológicos, e não de pré-nocões religiosas e preconceituosas sobre LGBTs.

Bárbara Canavês Domingos, 1° ano direito noturno






















Uma quinta de verão

         Esbarrando num mar de gente, tento encontrar espaço para dançar nesta noite de quinta-feira. Não sei por que danço, mas me parece que é assim que fazem nas festas. Eu tinha uma saia linda que queria estar usando, mas coloquei uma blusa decotada e um shorts curto, não me sinto à vontade assim, no início, mas ver que estou vestida como minhas amigas me traz conforto. 

Pintaram meu rosto quando cheguei, estragando a maquiagem que eu havia feito. O que me impediu de ir embora, com medo do julgamento daqueles na festa, foram minhas amigas. Se elas estavam lá, era lá que eu deveria estar. 

Ao olhar ao redor, depois de encontrar o pequeno espaço na roda de dança, me deparei que todos também estavam com o rosto pintado. Ainda bem que pintaram meu rosto, não sei o que faria se eu fosse a única de cara limpa.

“Vamos buscar bebida, você vem?” Perguntou minha amiga. Eu nunca bebi, mas me parece que todos bebem em festas. “Vamos sim!” Respondi. O gosto amargo não me agradou, mas elas continuavam bebendo, então eu também continuei, não sei por que eu ainda bebia, mas sim, continuei bebendo.

Depois de 4 canecas um menino não tão bonito começou a flertar comigo, ele não fazia meu tipo, nem ao menos me tratou bem enquanto conversávamos. Ao fundo eu só ouvia as vozes delas: “Vai lá amiga! Beija ele!” “É isso aí! Vai lá!” E eu o beijei. Não sei por que eu o beijei, mas se elas beijam, e me falaram para beijar, acho que fiz a coisa a se fazer. 

A festa foi esfriando, tal qual como me encontro agora. Minhas amigas queriam ir embora, então concordei. “Vamos levar uns meninos pra casa, você não vai levar ninguém?” Eu não queria levar ninguém, mas também não queria ser a diferente, não sei qual era o meu problema de precisar ser como todos, então busquei o menino mal educado e o levei comigo.

Em casa, cada uma achou seu quarto e para lá foram, então entrei no meu e comigo, o garoto. Ele começou a me beijar demais, e eu não queria mais estar ali com ele, mas se minhas amigas foram para seus quartos com os meninos, penso que era o que eu achava que deveria fazer também. 

O garoto tentava me beijar cada vez mais violentamente, então eu pedi para ele parar, e ele não parou. Eu não queria mais que ele me beijasse, ou algo mais, e naquele momento pensei que tudo bem se eu não agir como o resto dos jovens. Insisti mais rispidamente no pedido e ele se estressou comigo, ele não ia parar. Então tentei empurrá-lo para longe de mim, e foi aí que naquela madrugada de verão meu coração virou um eterno inverno. 

Eu percebi que não precisava mais ser como todos, não precisava ser coagida o tempo inteiro, não precisava atingir um padrão social. E parece que enfim eu era a diferente, todos os vivos lembram de mim como a garota morta, e não como uma garota viva como as demais.


Henrique de Carvalho - 1º ano Direito (Noturno)