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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Sim e O Não: A Nossa Liberdade

Assunto tratado por alguns estudiosos, o direito e a liberdade são muitas vezes mesclados e conflituados nas sociedades de várias épocas. Hegel e Marx foram dois desses estudiosos que encararam o assunto com afinco. Hegel, marcado pelo seu idealismo, considerava o direito como liberdade algo do povo. Marx, por sua vez, determinado em seu materialismo, dizia o direito ser algo de uma classe que mantinha interesse nessa liberdade. 

Mas, afinal, qual é a realidade? Em parte, Hegel sabiamente afirma que a harmonia é a finalidade. Ter liberdade baseada nos direitos faz com que os limites e os acordos sejam impostos de tal maneira que o homem passa a viver com maior responsabilidade e de maneira conforme com o próximo. Por outro lado, Marx racionalmente prevê que a criação do direito como liberdade é parte restrita de uma parcela social que somente visava - e ainda visa - o particular. 

Com o direito, sempre buscamos a harmonia em função do nosso próprio bem. Fato que somos egoístas justifica muito mais a visão marxista do assunto. Não digo da maneira crítica às classes sociais e ao capitalismo com que ele vê, mas sim os pontos que ele critica o idealismo hegeliano. Leis, no ideal, são criadas com o princípio de igualar a sociedade, constituir a fraternidade e propagar a justiça. E, infelizmente, não é isso que vemos com constância. 

Talvez, seja por essas e outras que Marx criticava o pensamento de Hegel. O direito nunca foi criado por todos nem para todos. Apesar de tentar pregar tal mensagem, ele não supera as individualidades.

Mas a não criação do direito poderia nos levar ao caos. Assunto difícil de ser defendido. Podemos afimar, apenas, que nossa liberdade, de fato, é guiada por princípios de direito, mas princípios que não estão conciliados com o povo. Porventura, Rousseau estivesse certo ao pregar que a liberdade “é a obediência às leis que a pessoa estabeleceu para si”. Leis escritas, faladas, estudadas, discutidas... são elas que nos cercam e estabelecem o sim e o não, a nossa liberdade.

Liberdade? O que é liberdade?

Ao dizer que o Direito consubstancia a ideia de liberdade que podemos conceber, Hegel pensa no pressuposto de que os homens, para viverem na sociedade moderna, projetam a partir de si mesmos uma segunda natureza que é o Direito, o qual regula todas as perspectivas de liberdade. Ainda que possa parecer uma restrição, essa segunda natureza possibilita aos homens viverem em liberdade, permitindo um autocontrole e equilíbrio, sem que haja o cerceamento por parte de interesses individuais.

Para ele, cria-se uma dimensão universal desses regulamentos que perpassa todos os homens no Estado Moderno, e não apenas uma classe social. Se antes a liberdade era restrita aos indivíduos da polis, hoje no estado moderno, ela é aberta, sendo todos os indivíduos permeados pela natureza do Direito moderno, e passível da mediação dos contratos, regras, normas e leis. Assim, a perspectiva de Hegel gira em torno do pressuposto de que a sociedade não pode ser regida por interesses particulares. Logo, questiona-se onde se encontra tal liberdade em um Estado onde apenas a classe dos despossuídos está sujeita a leis, e as classes superiores se movem de acordo com seus interesses particulares.

Hegel diz que a trajetória humana segue uma trajetória crescente de ampliação da liberdade. Tal liberdade tem características específicas de cada tempo, assim como o Direito em cada sociedade. Este supre as demandas do homem em sociedade e, sobretudo, expressa o espírito do povo fundado na vontade nacional. Por isso, para Hegel, o Direito é o pressuposto da felicidade, pois expressa a capacidade de cada sociedade suprir suas necessidades a partir de um ordenamento que regula as condutas dos homens. Dessa maneira, o homem moderno se faz mais livre porque ele mesmo ampliou o seu espaço de circulação, garantindo suas condições sociais mínimas e suas limitações.

O Direito representa na modernidade o império da liberdade, e os indivíduos mesmo que em oposição, lutam para garantir os mecanismos de normatividade que possam lhe resguardar a liberdade de circulação, expressão, associação, entre outros, sendo o instrumento que garante aos homens a submersão das particularidades e a emergência de valores universais. Por conseguinte, a ideia de Hegel da universalidade do Direito com as leis em detrimento da vontade particular expressa o sucumbimento das especialidades a favor de uma expressão geral.

No entanto, Marx julga o pensamento abstrato da filosofia correspondente à mesma utopia que a religião causa, promovendo uma inversão do real. Daí a crítica de Marx à filosofia, se fundamentando na situação sobre a qual ela se alicerça, ou seja, na mesma condição entorpecente que a religião causa aos homens. A perspectiva marxista de se valer do real vai ensejar essa ideia de que é impossível a filosofia mudar a realidade, já que ela só é capaz de criar pressupostos imaginários. Portanto, esses são os aspectos gerais da crítica marxista, ficando como mais persistente uma interpretação que consiga realmente unificar as conjunturas materiais e sociais da sociedade, se valendo de uma leitura profunda da própria realidade, de modo a não se perder na conjuntura abstrata do pensamento.

Estado e Liberdade

Em seu ensaio "Kant e as Duas Liberdades", Norberto Bobbio afirma que existem dois modos de compreender a palavra liberdade. O primeiro modo é o "liberal", na qual o indivíduo se auto-regularia dentro do Estado, e o segundo é o "democrático", que seria aquele em que lhe são impostas normas a serem seguidas.

Em cada um desses conceitos podemos ver explicitamente como que lidam com a relação entre Direito e Liberdade. Partindo do pressuposto que a liberdade de um termina onde começa a do outro, será discutido a seguir basicamente o método utilizado por cada conceito para proteger a liberdade.

Observando a chamada liberdade "liberal", repara-se que seu Estado tem como característica interferir o mínimo possível, deixando ao bom senso de seus indivíduos a missão de agente regulador. Ao colocar o Estado de liberdade democrática em evidência, observa-se justamente o contrário. Para preservar a liberdade daqueles os quais protege, faz-lhe algumas restrições. Kant coloca isso como a "limitação de minha liberdade para que ela possa estar de acordo com o livre-arbítrio geral".

É nesse Estado Democrático que o Direito se mostra mais influente. Hegel destaca o fato de o Estado Moderno ter como ideia-chave a lei, o que demonstra que o pensador via nesse Estado um Estado com ideias da liberdade democrática. Nas palavras de Hegel: "o Direito é (...) a liberdade em geral como ideia".

Portanto, o Direito e o Estado Democrático, apesar de limitar a liberdade, o fazem para que a mesma possa ser mantida, fazem um pequeno sacrifício em função do bem maior.

Sonhar não custa nada... Será?!

Partindo do pressuposto marxista no qual as ideias dominantes são na verdade as ideias da classe dominante e analisando, sobretudo a liberdade como direito, observa-se que na antiguidade liberdade se restringia aos cidadãos, já na modernidade burguesa a liberdade tem caráter contratual, apoiada por um ordenamento jurídico; o qual prevê garantias aos burgueses e evidencia as desigualdades sociais.

Ainda hoje a isonomia jurídica não foi atingida, é sabido de todos que as classes mais ricas dispõem de melhores advogados, subsídios para uma investigação paralela que busque provas de inocência, enfim, que miséria e prisão se relacionam intimamente... Mas isto é fruto inerente do sistema capitalista. As desigualdades sociais se mostram a todo o momento, em todos os lugares.

Como o direito pode refletir um ideal de liberdade frente a esta realidade em que estamos presos as influencias das desigualdades? Bem, ainda que com falhas, hoje, o direito busca atender a todos, inclusive às minorias. Ele organiza, rege a liberdade da melhor forma, não a libertinagem, mas a liberdade, aquela que respeita e faz bem a sociedade. O direito hoje, em um Estado democrático não impede a expressão, mas concede que aquele que se sentir lesionado, ferido com tal declaração possa cobrar na justiça tal constrangimento, cobrando provas de tal acusação, calúnia ou difamação.

Para Marx a liberdade dos homens seria alcançada quando estes deixassem de lado os idealismos e pudessem vislumbrar sua realidade de forma racional, verdadeira, real; por isso a critica a filosofia de outrora que não era passível de se impor na realidade. Para enxergarmos o direito como elemento libertador de nossa sociedade, devemos estuda-lo como instrumento possível de se firmar na realidade; não nos apegando somente aos códigos, pois são meros exemplares de mais um de tantos idealismos que nos prendem e sufocam.

Teoria e Realidade


A ideia de que a aplicação da teoria na prática sempre tem efeitos diferentes da previsão teórica é crucial para entender a crítica de Marx à Hegel.

A tese hegeliana é filosófica e abstrata, o que por si só já é alvo de crítica de Marx. Para Hegel, o direito é o princípio de liberdade de toda sociedade. Ao universalizar os direitos e deveres, a liberdade está garantida. Pode parecer incoerente que a restrição de direitos e exigência de deveres garanta a liberdade, mas na teoria de Hegel é justamente o cumprimento de deveres e o respeito dos direitos que assegura a liberdade na sociedade moderna. Na formulação dessa tese Hegel baseia-se na ideia kantiana da "limitação da minha liberdade (ou do meu livre arbítrio) para que ela possa estar de acordo com o livre arbítrio de cada um segundo uma lei geral." Hegel considera o direito como uma forma de suprir demandas da evolução do homem que ao longo da história caminha para uma crescente ampliação da liberdade, levando a um equilíbrio social.

Logo, para Hegel, o direito assegura a liberdade, a partir do momento em que a universalização dos direitos e deveres supera as particularidades, estabelecendo uma vontade universal baseada na lógica racional. Em oposição à Hegel, Marx afirma que o direito é produto da vontade de apenas uma classe social, a dominante. Portanto, o direito não garante a liberdade, e sim a opressão. Segundo Marx, a lógica racional que dá bases para a formação do direito não condiz com a realidade, sendo, então, a tese hegeliana falha, visto que não possui aplicação prática.

A crítica marxista tem por início a crítica à religião. Marx compara a interpretação abstrata de Hegel à inversão feita pela religião. Para ele, a religião é uma inversão da realidade, realizada com o propósito de suprir as insuficiências da realidade, produzindo uma felicidade ilusória. Descrita por Marx como o ópio do povo, a religião deve ser abolida, em sua opinião, assim como todos os idealismos. A partir disso, a crítica de Marx alcança a filosofia alemã. A filosofia alemã era muito desenvolvida, porém esse desenvolvimento restringia-se à teoria e para Marx a filosofia não teria função alguma se não fosse transportada para a realidade. De acordo com ele, a filosofia deve atender as necessidades reais, porém não é isso que ocorre. Além disso, o estado alemão ainda não havia se modernizado, assim como a economia ainda era predominantemente rural e conduzida pelo Estado. Então os dois protagonistas da revolução (proletariado e burguesia) ainda não estavam em cena na Alemanha uma vez que a industrialização feita marjoritariamente pelo Estado ainda dava seus primeiros passos.

Dessa forma, para Marx, o direito não é expressão de liberdade, e para liberdade ser expressão de direito é necessária a revolução total, que pressupõe o fim da luta de classes e uma justiça social, ou seja, o implemento do socialismo.

Desconcentração

Com a situação sociopolítica da França, no final do século XVIII, e com o advento da Revolução Francesa, à mesma época, a Liberdade passou a ser exaltada de tal forma que se tornou uma das bases sobre a qual se estruturaria tal movimento, disso resultando a adoção daquela como direito fundamental para a existência da sociedade de então. Para a consolidação desses interesses, propunha-se, por exemplo, a distinção dos poderes, de modo a evitar uma hipertrofia do Estado e na consequente perda da liberdade dos cidadãos.

Os interesses supra citados representam a tentativa burguesa (bem sucedida) de exercer suas atividades livremente e com a mínima intervenção estatal possível, o que, certamente, acarretaria - e acarretou - em seu desenvolvimento como classe dominante. Nesse contexto, a liberdade como direito aparece de modo não universal, mas sim concentrado para satisfazer as aspirações de uma classe, em detrimento de outras (como o proletariado, sobre o qual a burguesia exerceria sua exploração).

Essa relação obviamente impossibilitaria a "liberdade como direito" do proletariado - este teria como função quase exclusiva o trabalho para a manutenção dos interesses burgueses, acabando por negligenciar seus próprios objetivos pessoais. Contudo, Marx aponta que, para que uma classe atinja sua emancipação é necessário que haja uma outra que concentre em si características opostas - é necessário opressores e oprimidos para que isso ocorra. Além disso, é necessário que o povo seja capaz de aplicar seus ideiais à sociedade, atuando como representante desta.

De fato, para que a liberdade como direito não seja benefício de poucos, mesmo hodiernamente, em uma sociedade mais complexa do que aquela exposta por Marx(dividida essencialmente em burgueses e proletários) a participação popular de forma democrática e ativa é indispensável.

O Direito E O Império Da Liberdade Realizada

"A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que teve a mais lógica, profunda e completa expressão em Hegel, surge ao mesmo tempo como a análise crítica do Estado moderno e da realidade a ele associada e como a negação definitiva de todas as anteriores formas de consciência na jurisprudência e na política alemã, cuja expressão mais distinta e mais geral, elevada a ciência, é precisamente a filosofia especulativa do direito. Só na Alemanha era possível a filosofia especulativa do direito, este pensamento extravagante e abstracto acerca do Estado moderno, cuja realidade permanece no além, mesmo se este além fica apenas no outro lado do Reno; o representante alemão do Estado moderno, pelo contrário, que não toma em linha de conta o homem real, só foi possível porque e na medida em que o próprio Estado moderno abstrai do homem real ou unicamente satisfaz o homem total de maneira ilusória. Em política, os Alemães pensaram o que os outros povos fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. A abstração e a presunção do seu pensamento ia a passo com o caráter unilateral e atrofiado da sua realidade. Se, pois, o status quo do sistema político alemão exprime a consumação do ancien régime, o cumprimento do espinho na carne do Estado moderno, o status quo da ciência política alemã exprime a imperfeição do Estado moderno em si, a degenerescência da sua carne. Já como adversário decidido da anterior forma de consciência política alemã, a crítica da filosofia especulativa do direito se não perde em si mesma, mas mergulha em tarefas que só podem ser resolvidas por um único meio: a práxis".
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, em obra intitulada "Grundlinien Der Philosophie Des Rechts" ("Princípios Da Filosofia Do Direito"), vislumbra o Direito como o princípio da liberdade das sociedades ou, de acordo com a expressão empregada por ele, como "o império da liberdade realizada" e "a liberdade em geral". O referido pensamento harmoniza-se com o conceito, apregoado por Kant, de negação parcial do livre-arbíbrio individual em prol do livre-arbíbrio geral; ou seja, a garantia do interesse geral em detrimento da busca desenfreada dos interesses particulares. Esta negação se dá por intermédio da norma geral que, na filosofia hegeliana, desempenha função central na “liberdade universal”. Assim, para Hegel, nenhum homem pode fazer puramente o que deseja e o equilíbrio entre a vontade individual e a vontade geral encontra-se na norma jurídica. O Direito alicerçar-se-ia na “vontade livre”. Outrossim, endossa o filósofo germânico que, a partir de um maior aprimoramento do Direito nas sociedades modernas, haverá, com ele, uma ampliação da liberdade geral, contínua e progressivamente. Acredita o autor que tal liberdade vincula-se à universalização do Direito, a qual expressa o racionalismo e impede a dominação de grupos ou indivíduos sobre a coletividade. Por vezes, o pensamento hegeliano se assemelha ás teses weberianas. A liberdade, portanto, é desparticularizada: abdica-se à proporcionalidade entre estementos e direitos. Destarte, a felicidade da sociedade moderna emana do Direito. Com efeito, escreveu Hegel: “O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo. [...] O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre constitui o direito. O direito é, pois, a liberdade em geral como idéia. [...] Só porque é a existência do conceito absoluto da liberdade consciente de si, só por isso o Direito é algo de sagrado. Mas a diversidade das formas do Direito (e também do Dever) tem origem nas diferentes fases que há no desenvolvimento do conceito de liberdade. [...] É a liberdade universal porque nela toda limitação e singularidade individual ficam suprimidas”. Karl Marx, todavia, possui posicionamento adversativo ao de Hegel. O pensador socialista lança mão de uma crítica mordaz à filosofia do Direito que contempla este último como a expressão do “império da liberdade realizada”. Para Marx, esta filosofia é absolutamente especulativa e abstrata, “cuja realidade permanece no além, mesmo se este além fica apenas no outro lado do Reno”. A filosofia alemã centrou-se na ideia de “homem total” que, segundo Marx, configura-se em pura ilusão, abandonando, desta forma o “homem real” e perdendo sua aplicabilidade. A crítica do aludido autor também incide sobre a inadequação entre a filosofia idealista e a realidade concreta e material da sociedade da Alemanha da primeira metade do século XIX. Assim, a filosofia especulatva alemã “mergulha em tarefas que só podem ser resolvidas por um único meio: a práxis”. Dirigindo sua crítica ao pensamento do filósofo que muito o influenciou, Marx recorre a uma metáfora, sem citar diretamente, na maior parte das vezes, a Hegel. Trata-se da crítica marxista à religiosidade humana. Ao referir-se à religiosidade, Marx também alude à filosofia hegeliana. Por conseguinte, segundo Marx, a religiosidade seria o ópio do povo e a filosofia especulativa, o ópio dos intelectuais. Destarte, Marx não vê o Direito como a liberdade geral da sociedade, mas como um instrumento de classe, nomeadamente, a classe burguesa, na sociedade capitalista. Para ele, na sociedade real, formada pelo “homem real”, o direito não garante a liberdade de todos; garante antes a opressão da classe dominante sobre a classe submetida. O Direito universalizante seria, contrariamente ao proposto por Hegel, responsável por uma maior particularização da liberdade. À medida em que se particularizasse, a liberdade constituiria privilégio da classe dominantes. Faz-se igualmente recorrente no marxismo a ideia de associação entre o Direito (especialmente o Direito Privado) e a tutela da propriedade privada. De fato, escreveu Marx: “O direito privado desenvolve-se, conjuntamente com a propriedade privada, como resultado da dissolução da comunidade natural. Entre os Romanos, o desenvolvimento da sociedade privada e do direito privado não teve qualquer consequência industrial ou comercial pelo fato de o seu modo de produção não ter se modificado. Nos povos modernos, onde a comunidade feudal foi dissolvida pela indústria e o comércio, o nascimento da propriedade e do direito privado marcou o início de uma nova fase susceptível de um desenvolvimento ulterior. Amalfi, a primeira cidade da Idade Média a ter um comércio marítimo considerável, foi também a primeira a criar um direito marítimo. E em Itália, em primeiro lugar, tal como mais tarde noutros países, quando o comércio e a indústria conduziram a propriedade privada a um desenvolvimento considerável, retomou-se imediatamente o direito privado dos Romanos e elevou-se este à categoria de autoridade. Mais tarde, quando a burguesia adquiriu poder suficiente para que os príncipes se preocupassem com os seus interesses e utilizassem essa burguesia como instrumento para derrubar a classe feudal, começou em todos os países – como em França, no século XVI o verdadeiro desenvolvimento do direito, que em todos eles, à excepção da Inglaterra, tomou como base o direito romano. Mesmo em Inglaterra foram introduzidos, para aperfeiçoar o direito privado, alguns princípios do direito romano (particularmente no que se refere à propriedade mobilária). (Não esqueçamos que o direito, tal como a religião, não possui uma história própria). O direito privado exprime as relações de propriedade existentes como o resultado de uma vontade geral. O próprio jus utendi et abutendi exprime, por um lado, o fato de a propriedade privada se tornar completamente independente da comunidade e, por outro, a ilusão de que essa propriedade privada repousa sobre a simples vontade privada, sobre a livre disposição das coisas. Na prática, o abutti tem limitações econômicas bem determinadas para o proprietário privado se este não quiser que a sua propriedade, e com ela o seu jus abutendi, passe para outras mãos; pois, no fim de contas, a coisa, nada é, considerada unicamente nas suas relações com a sua vontade, e só se transforma numa coisa, numa propriedade real (numa relação, naquilo a que os filósofos chamam uma ideia), através do comércio e independentemente do direito. Esta ilusão jurídica, que reduz o direito à simples vontade, conduz fatalmente, na sequência do desenvolvimento das relações de propriedade, à possibilidade de qualquer pessoa ostentar um título jurídico de propriedade sem efetivamente possuir essa propriedade. Suponhamos, por exemplo, que um terreno deixa de ser rentável devido à concorrência – o seu proprietário conservará sem dúvida alguma o título jurídico da propriedade, assim como o seu jus utendi et abutendi. Mas nada poderá fazer com ele nem nada possuirá de fato se não dispuser de capital suficiente para cultivar o seu terreno. É esta mesma ilusão que explica o fato de, para os juristas, assim como para todos os códigos jurídicos, as relações entre os indivíduos celebrada por contratos, por exemplo, surgirem como algo fortuito e de, a seu ver, as relações deste tipo [poderem] ou não ser aceites na medida em que o seu conteúdo reposa inteiramente sobre a vontade arbitrária e individual das partes contratantes. De cada vez que o desenvolvimento da indústria e do comércio criou novas formas de troca, por exemplo companhias de seguros e outras, o direito viu-se regularmente obrigado a integrá-las nos modos de aquisição da propriedade”.

Um abstrato concreto

Karl Marx e Friedrich Hegel são pensadores frequentemente relacionados em razão de ambos participarem do processo de criação teórica do socialismo. Embora tratem do mesmo assunto, abordam o conteúdo de diferentes maneiras.

Marx defende a ideia de que o socialismo só poderia ser alcançado através da luta armada e da revolução, sendo que essa consciência seria adquirida por meio do materialismo dialético, ou seja, das contradições do capitalismo.

Em Hegel, por sua vez, a filosofia socialista compreende um caráter meramente idealista, de modo que o direito e os ideais de liberdade seriam suficientes para que uma perspectiva socialista fosse disseminada nas consciências da sociedade. O direito seria instrumento fundamental para a garantia e manutenção dessa liberdade tão importante para a ascensão natural do socialismo. Hegel, no entanto, careceu de mecanismos concretos para a transformação dessa “sociedade civil” em “Estado”. A sociedade civil seria o cenário dos interesses privados, do individualismo, do egoísmo e da perspectiva das desigualdades sociais do laissez faire, laissez passer, em que não haveria uma liberdade real. Já o Estado seria o cenário dos interesses públicos, do coletivo, em que o homem individual se tornaria cidadão e que a liberdade e o direito funcionariam como principais alicerces dessa perspectiva.

Enquanto a superação para o socialismo de Marx corresponde à apropriação dos meios de produção, ou seja, os fatores econômicos, Hegel atribui essa superação a diversos fatores, como sociais, econômicos, antropológicos etc.

Marx, portanto, foi influenciado por Hegel na construção do conceito socialista, mas não o leva tão a fundo devido ao seu idealismo socialista. Marx é mais radical e não acredita que essa transformação possa ser feita dessa maneira, uma vez que os operários seriam alienados pelas classes dominantes.

Mesmo que abstratas, as ideias de Hegel foram utilizadas como base para muitos outros teóricos e pensadores. Elias Dias, por exemplo, criou o conceito do Estado Democrático de Direito. Para a ascensão desse Estado, afirma: “o passo ao socialismo será paralelamente o passo ao Estado Democrático de Direito”, ou seja, acredita que um direito e uma democracia universal, em que todos os homens fossem tratados de maneira igualitária e fossem respeitados, uma conscientização socialista seria inevitável. Elias Dias defendia, portanto, uma ascensão socialista pacífica fundada em valores da liberdade e da justiça universal. Para fundamentar essa ideia, Elias busca recursos em Hegel, que completa toda a sua teoria do Estado Democrático de Direito com o idealimo hegeliano e com o materialismo marxista, que aliena e impede a conscientização social.

Seja com o materialismo, seja com o idealismo, ambas teorias, por mais divergentes que sejam em alguns aspectos, devem se somar, sendo consideras na construção de um direito utilizado em benefício de toda a sociedade, garantindo liberdade e justiça.

Abstrato x Real

Hegel foi um grande filósofo alemão do século XIX, autor de importantes estudos e base de crítica de outro grande nome alemão: Karl Marx.

Em sua filosofia, Hegel entende a questão do direito como ligada à liberdade, ele acreditava que o direito consubstanciava a idéia de liberdade como era concebida pelos modernos, e que apenas o direito era capaz de regular a vida dos homens. Hegel cria a idéia da segunda natureza, projetada pelos homens para viver em sociedade. Ela consistiria em uma restrição de si mesmo para garantia da convivência em comum. A liberdade de cada um deveria ser, segundo ele, limitada pelo direito, assim, ela poderia estar de acordo com a liberdade de todos os outros, segundo uma lei geral. É o cerceamento da lei garantindo a liberdade a todos.

Hegel também pontua em sua filosofia o caráter evolutivo do direito, que se transformaria de acordo com as demandas de cada sociedade a cada período de tempo, essa transformação se daria a partir de um regulamento da conduta dos homens. Em seguida ele destaca o aspecto do direito como pressuposto da felicidade, por ser ele o responsável por suprir as demandas, as vontades do corpo social. Todas estas questões contribuiriam para a universalidade do direito no Estado Moderno: a lei em detrimento da vontade particular, gerando uma liberdade universal.

Diante de tal postura filosófica é que Marx desenvolve sua crítica. Ele considerava a filosofia hegeliana uma inversão do real. Para Marx, dizer que o Estado Moderno expressa a liberdade e que não há oprimidos, pois toda possibilidade de justiça está presente no direito, não passa de uma idéia idílica. Marx não aceitava que a filosofia de Hegel correspondesse à verdade material da vida, ele não aceitava que a liberdade fosse estendida a todos. Por isso, ele considerava a filosofia como nada mais que um vazio de sentido para as necessidades reais do homem, e dizia que, para uma melhora efetiva das condições sociais, para o alcance da liberdade, o homem deveria se voltar para suas próprias questões, mudar seu foco para si mesmo.

Para Marx, somente a tomada de consciência genuína impeliria à luta. Assim, a liberdade de cada um não seria encargo exclusivo do direito, mas de cada um, conforme suas reais necessidades, e a mudança se daria com a realidade e o pensamento instigando um ao outro pela transformação, visando ,assim, o alcance do bem comum.