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sábado, 30 de junho de 2018

Direito como via de mudança


     Em harmonia com o Estado de Direito Social conquistado pela Constituição de 1988 e pelo Código Civil de 2002 o paradigma da sociabilidade buscou priorizar o equilíbrio entre os interesses individuais e os da coletividade, garantindo a efetivação de princípios norteadores, como por exemplo, o direito à moradia.  
     A construção histórica brasileira é acompanha pela estrutura fundiária desigual, excludente e até então intocável, já que os paradigmas das antigas normas tratavam o direito à propriedade como primordial diante de um choque de princípios. Assim, o direito nada mais era que o reflexo do formato das relações de poder, uma vez que mantinha as desigualdades causadoras de injustiças.
     Como a terra sempre foi ‘uma conquista e um direito de poucos’, nota-se, que ela sempre foi objeto de luta, pois frente à opressão a resistência é o recurso encontrado como tentativa de se alcançar determinado direito.
     O julgado apresentado em aula, este o caso da Fazenda Primavera, elucida como o MST age e da visibilidade à questão do direito à terra e consequentemente da reforma agrária tão necessária para o Brasil.
     Utilizando-se da função social da propriedade esse grupo fundamente suas pretensões diante do direito, coincidindo com o que propôs o jurista e sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
     Ocupar o direito não é tarefa fácil, pois quando há essa tentativa há sempre como resposta uma maneira de neutraliza-la. Entretanto, buscar determinado direito por meio de estratégias jurídicas, assim como Boaventura aponta, é uma maneira de utilizar o direito contra hegemonicamente.

O direito como precursor da mudança


            Para Boaventura de Sousa Santos o direito assim como o sistema judicial, perpetuam e legitimam os regimes sociais injustos uma vez que refletem a realidade social vigente, em que as elites que detêm o poder, seja ele politico, social ou econômico buscam perpetuar seu domínio perante os 99% restante da sociedade.
            Esse fato atesta toda injustiça social presente no país, cabendo aos grupos minoritários encontrarem formas de organização especificas para buscarem valer seus direitos positivados pela Constituição. A exemplo disso, temos o Movimento Sem Terra (o MST) que busca a resistência as injustiças sociais através de diversos tipos de lutas.
            Essa lutas, entretanto, também passaram a buscar sua legitimidade no campo jurídico uma vez que teoricamente, o direito a terra e a inconstitucionalidade do latifúndio improdutivo são fatos garantidos pela Constituição Federal. A busca por assessoria jurídica busca fazer com que esse fato se torne realidade e é através do auxilio de advogados populares e extensões universitárias que o MST é capaz de levantar suas reivindicações no campo jurídico.
            A atuação do direito juntamente com os movimentos sociais minoritários busca levantar novas interpretações da lei, uma vez que ela é ampla o suficiente para se questionar. Esse questionamento vem fazendo com que decisões históricas sejam tomadas, auxiliando de fato os movimentos sociais, como no caso da Fazenda Primavera de 1998, uma vez que o direito social é colocado como prioridade em detrimento ao direito a propriedade.
            Essa atitude do judiciário de colocar o direito a vida em cima do direito individual demostra uma mudança, mesmo que ligeira e restrita a esse caso, na interpretação das leis e consequentemente uma alteração no status quo que privilegia o individual ao coletivo.
            Para a efetiva busca pela justiça, é necessário que o judiciário deixe o direito emancipado e aberto para novas interpretações e consequentemente, o ativismo judiciário deve ser visto como algo extremamente eficaz já que leva a legislação que foi escrita a décadas atrás novos ares e novas interpretações que são reflexos da sociedade atual em que vivemos.
            Concomitantemente, para o acontecimento dessas modificações no comportamento do judiciário, é preciso que os movimentos sociais adaptem seus meios de luta, adaptando suas reivindicações as regras que são impostas pelo judiciário, assim ocorre a legitimação dos movimentos.
            Também, questiona-se se o direito ajuda na emancipação das pessoas. A emancipação através do direito só pode ocorrer quando as pessoas busquem mudar o status quo utilizando de ferramentas jurídicas para auxilia-las nessa luta, sendo assim, decisões judiciais que favoreçam o coletivo em detrimento da propriedade individual como no caso da Fazenda Primavera, só podem ser tidas quando o movimento social trabalha com o objetivo de emancipar o direito de todos os grilhões conservadores que ainda o prende.
            É preciso de fato dar uma nova reinterpretação ao direito e a democracia brasileira como um todo. Para isso acontecer é necessário que os movimentos sociais busquem - através dos seus mais diversos meios de luta- formas para trazer novas cores a realidade jurídica vigente uma vez que é através das leis que as mudanças na realidade social passam a acontecer de fato.

Bárbara Tolini, noturno

O direito dos 99% oprimidos em detrimento do 1% privilegiado.


Em consonância com o artigo 6° da Constituição Federal que dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”, tomando como ênfase o direito à moradia, cuja garantia se encontra visto neste artigo,  é discutível a questão presente no caso da Fazenda Primavera, onde os proprietários entraram com um agravo interpelando o TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul, com uma ação de reintegração de posse.

Segundo o jurista e sociólogo, Boaventura de Sousa Santos, “Isto significa que em determinadas situações muito específicas, podem (o direito e os tribunais) ser proveitosamente utilizados pelos grupos sociais oprimidos e excluídos para fundamentar as suas pretensões. Nestes casos, o Estado de direito e o acesso à justiça podem desempenhar um papel de relevo na obtenção de uma maior justiça social (concebida como uma igualdade real, e não meramente formal entre os cidadãos). (...) “. Ou seja, os movimentos sociais oprimidos podem utilizar-se do poder judiciário, afim de conquistar os direitos, meramente formais como citado pelo autor, garantidos pela Constituição Federal e em normas infraconstitucionais, como discorre no artigo 1228, § 1° do Código Civil em relação à propriedade: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. ”. Sendo assim, é uma reivindicação de caráter reconfigurativo, visto que, está presente no ordenamento jurídico, malgrado não tenha sido configurado no materialismo.

É notório, portanto, e de necessário cuidado, haja visto que a propriedade cumpra a função social, não desabrigar aos cidadãos, salientando que é função do Estado prezar por direitos fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, direito à moradia, dentre outros. Por fim, cabe destacar que a ocupação do MST (Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra) é legitima a partir do momento em que os órgãos encarregados não se pronunciam a respeito e não garantem a real assistência e atenção, pois, enquanto houver, como destaca Boaventura, um abissal entre o direito dos 99% para com os 1%, o direito tem o papel fundamental de assistir aos grupos oprimidos.

“Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito. ”

A busca das minorias por reconhecimento


  O julgado da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4277, reconheceu a união homoafetiva como instituto jurídico, concedendo a ela as mesmas consequências e regras de uma união heteroafetiva estável. Sendo esta, uma conquista para a humanidade.
  Os homossexuais constituem uma minoria, a qual, não envolve quantidade, e sim, desvantagem social. De acordo com Axel Honneth, as minorias possuem sentimentos individuais em comum, que se tornam coletivos, e estão em busca de reconhecimento, que é o motor das lutas sociais, tanto perante si (auto-realização), quanto, aos outros, devido ao fato de estarem inseridos em relações sociais.
  Não reconhecer os direitos da união homoafetiva seria mais uma maneira de ferir a dignidade da pessoa humana desses indivíduos, os quais já sofrem, constantemente, com violências físicas, verbais e morais, até casos de morte, devido aos preconceitos enraizados pelo conservadorismo. Na visão de Honneth, duas esferas do reconhecimento individual seriam feridas: da auto-confiança, o amor, pelo trauma causado; e do auto-respeito, uma vez que, seus direitos não seriam garantidos, logo, não se sentiriam sujeitos de Direito. E essa situação só poderia ser alterada, caso se engajassem em movimentos sociais, para a restituição do auto-respeito.
  Além disso, a constante luta dos homossexuais por respeito e igualdade, é uma mobilização de dupla motivação. Haja vista que há mistura do interesse, por lutarem pela auto-conservação e sobrevivência, em decorrência das falhas na estrutura social, nas quais as minorias são desprivilegiadas; e do desrespeito, por lutarem contra injustiças e pelo reconhecimento jurídico. Assim, lutam para que os dominantes os reconheçam, do mesmo modo que reconhecem a luta entre as minorias (auto-estima). Ou seja, formam pontes semânticas com legitimidade na conduta do outro, por possuir os mesmos sinais de sofrimento.
  Desse modo, podemos concluir que, apesar da conquista pontual, a luta pelo reconhecimento da união homoafetiva deve continuar, para que o preconceito da sociedade seja desconstruído. Assim, espera-se que outras minorias sociais alcancem o reconhecimento jurídico também.

Beatriz Bernardino Buccioli - Noturno

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Saída do Direito do Modo Monolítico


  A “Fazenda Primavera” foi ocupada por posseiros, representados pelo Movimento Sem Terra, entre 1930 a 2000, os quais, reivindicaram  a permanência na terra, em uma luta árdua pela reforma agrária. Apesar desse processo ter sido favorável às minorias, essa conquista não é comum em nossa sociedade, dominada pela elite.
  A terra foi desapropriada, após intensas lutas dos ocupadores em nela permanecer. Houve mobilização de sindicatos, famílias dos trabalhadores rurais e até mesmo, de setores religiosos, os quais batalharam para que os ocupadores tivessem o direito à moradia respeitado. A tentativa dos posseiros de reivindicação pela permanência na terra, segundo Boaventura de Sousa Santos, significa a indignação, que caracteriza os movimentos sociais “novíssimos”, na luta pela dignidade da pessoa humana.
  Além disso, a ocupação da Fazenda, foi uma mobilização extra institucional, uma vez que  as minorias possuem descrença nas instituições estatais e não estatais, as quais privilegiam, normalmente, apenas as classes dominantes. A descrença também acontece em relação ao Direito, o qual foi ocupado pela elite, que apesar de representar 1%, domina o sistema jurídico, impedindo que os oprimidos (99%) ocupem o Direito. Logo, o que costuma acontecer é: os oprimidos têm seus direitos suprimidos pelo Judiciário, à favor dos “predominantes”, os quais, quando cometem crimes, muitas vezes acabam impunes (ilegalidade dos poderosos).
  Entretanto, no caso citado, aconteceu o contrário, sendo uma exceção, pelo fato de que os ocupadores conseguiram a terra. Porém, é possível analisar que o Direito, ainda assim, está seguindo as relações de poder da sociedade (Direito configurativo), haja vista que esses indivíduos ocuparam a fazenda devido à concentração de terras “nas mãos” da elite. E para recuperá-lo, de acordo com Boaventura, pode-se reconfigurá-lo, por meio de transformações profundas lideradas pelos oprimidos (constitucionalismo transformado), com pressão de baixo para cima; ou pré-configurá-lo, lançando projetos para uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.
  Portanto, é preciso lutar pela ocupação do Direito, assim como os posseiros fizeram na Fazenda Primavera, para que ele saia do modo monolítico, e passe a defender os direitos dos oprimidos.


Beatriz Bernardino Buccioli - Noturno

Reflexões acerca do pensamento de Boaventura


Conforme o sociólogo Boaventura de Sousa Santos que discorre acerca da democracia e do Estado de Direito moderno, nas palavras dele privilegia-se as elites em detrimento da massa fortalecendo assim regimes injustos. Apesar disso, deve-se buscar a quebra da hegemonia das classes dominantes, a fim de que classes excluídas utilizem-se do direito em sua demanda por justiça, rompendo anos de opressão e marginalização.
No caso específico da Fazenda Primavera ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, reitera-se o pensamento de Boaventura haja vista que o movimento foi responsável por incluir não só suas estratégias envolvendo o meio jurídico, mas também políticas e sociais de forma a pressionar órgãos do Estado para que parte da população tenha acesso a terras que não cumprem sua função social, garantida pela Constituição Federal vigente. Situações como essa, relacionam-se a ideia do sociólogo quando este afirma que um sistema judicial eficiente tem origem no acesso amplo do direito acompanhado por valores de igualdade e justiça.
Além disso, o autor conceitua que há uma linha abissal nítida no sistema capitalista e divide entre os oprimidos que correspondem a 99% e os opressores 1% que coexistem de forma que quando os oprimidos tentam reverter a situação, são neutralizados, no recurso da Fazendo Primavera vê se que atuou o direito reconfigurativo a medida em que tentou-se diminuir tamanha desigualdade.
Dessa forma, a redução do abissal ocorre através por exemplo, do que Boaventura de Sousa Santos nomeia como compreensão da ecologia dos saberes em que temos uma diversidade de saberes em uma mesma temática.
Portanto, ao fazer uma análise da decisão no tocante a ocupação do MST na fazenda e do pensamento do autor português conclui-se que o direito pode ser emancipatório mesmo que haja retrocessos no contexto atual do Brasil, incluindo novas interpretações da Constituição de 1988, promovendo a mudança do direito, com sua ocupação e lutas políticas.

Jaqueline Calixto dos Santos - XXXV noturno 

“Repensando” o direito


Boaventura de Sousa Santos é um dos pensadores mais importante da atualidade, pois traz a reflexão sobre o papel do direito na sociedade. Para o autor, na atualidade existem constantes lutas sociais que buscam direitos, e concomitantemente, pouco tem sido feito, por parte do Estado, para garantir o acesso á justiça em massa. Nesse sentido, ele argumenta que, o direito em si traz a possibilidade de articulação das relações de poder, tendo potencial para ser um objeto de emancipação.

Boaventura em seu livro “As bifurcações da ordem: revolução, cidade, campo e indignação”, afirma que o direito tem sido utilizado, tradicionalmente, pelas classes dominantes para garantir seus privilégios, portanto, esses não se encontram imunes dos movimentos sociais, e por isso o direito pode, em certas circunstâncias, ser usado pelos grupos oprimidos. No caso da Fazenda Primavera, quando se tem o MST reivindicando terras, confrontando com possuidores de propriedades, observa-se a impossibilidade de imunidade desse direito.

Nesse enredo, para o autor, existem três categorias do direito, que são: o direito configurativo, o direito prefigurativo e o direito reconfigurativo. O configurativo diz respeito a um direito que reflete uma determinada configuração das relações de poder. Ele faz um papel de "espelho da sociedade", exemplificando o que o autor chama de direito dos 1% e dos 99%, na qual os 1% seriam a pequena parcela da sociedade que detém do poder e os 99% seriam as classes inferiores.
O prefigurativo, por sua vez, seria um direito que lança as novas bases da sociedade, novas possibilidades para o direito. 
Já o reconfigurativo, é aquele proposto pra mudanças, na qual visa reformular as relações de poder.

Dessa forma, quando se tem um uso contra hegemônico do direito vemos com clareza o uso do direito reconfigurativo, pois este visa reconfigurar a correlação de forças na sociedade, considerado como "agente de mudança". Exemplificando isso no caso da Fazenda primavera, o juiz ao negar a reintegração de posse, toma uma decisão contrária das que vinham sendo tomadas, uma vez que, na maioria dos casos em que se pede a reintegração, ela é concedida, como no caso do Pinheirinho. Assim, podemos observar o uso contra-hegemônico do direito em prol de anseios sociais.

Ademais, podemos considerar que na chegada da Constituição de 1988, teve-se um “constitucionalismo transformador”, pois traz em seu texto possibilidades de possíveis interpretações, que podem ir além do direito monolítico. Entretanto, da mesma forma que pode-se usar o direito de maneira hegemônica, tem-se a grande possibilidade de usa-lo de forma contra-hegemonica, sendo aí que os movimentos sociais entram, reivindicando seus direitos através do que está exposto na lei, como houve no julgado, na qual se tinha o MST lutando com base em preceitos Constitucionais. 

Destarte, visto a decisão tomada pelo juiz no caso, podemos considerar que o direito pode sim ser objeto de emancipação, se for bem aplicado. Por conseguinte, cabe aos operadores da ciência jurídica flexibilizar esse direito em prol do coletivo, e não somente dos detentores do poder.


Eloá Massaro - direito, noturno.

CONTRA-HEGEMONIA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO



Ao analisarmos o texto do capítulo 6 do livro "As Bifurcações da Ordem" do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, logo de início faz-se perceber a preocupação do autor com o tema justiça social. Para a solução de problemas históricos relacionados ao tema o autor cita as injustiças praticadas a anos contra diversos grupos minoritários e diz ser mister uma interpretação inovadora do direito que vá contra a rotina e que seja socialmente responsável, o que pode e deve levar algum tempo para ser concretizado, tendo em consideração que isto – a questão da demora – não é um problema tão grave assim, pois, como diz o autor, não importa a quantidade de justiça feita e sim a qualidade da justiça, para que esta se transforme em uma justiça mais cidadã e menos voltada para a defesa dos que economicamente dominam.
Passeando pelo movimento histórico de evolução das ocupações de terras em território brasileiro, Boaventura explica que, após o processo de independência em relação a Portugal, o Brasil passou por um período determinado por juristas agrícolas de “Regime de Posses”, onde, devido à ausência de leis regulatórias, os espaços agrícolas foram sendo ocupados por grileiros e pelos proprietários rurais de antanho, dando origem a essa imensa discrepância que há na proporção entre terras/proprietários que existe nos dias atuais em nosso país. Segundo dados de uma pesquisa realizada em 2015 pelo CNPq/USP, denominada Atlas da Terra Brasil, de todo o espaço geográfico do território nacional, o que equivale a 851,6 milhões de hectares, 318 milhões de terras concentram-se nas mãos de grandes latifundiários. Desse total, 175 milhões são considerados terras improdutivas, todavia, mesmo assim, ainda rendem capitais para os seus proprietários que as deixam como lastro hipotecário em grandes operações financeiras nos empréstimos junto aos Bancos do Brasil.
Nesse ínterim, no final dos anos de 1970, surge o MST – o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – no sul do Brasil com o lema “terra para quem nela trabalha”, logo após um período onde os integrantes da liga camponesa brasileira, que também lutavam por reforma agrária no país, foram duramente oprimidos e dizimados pela ditadura militar, o que só faz reforçar a ideia de Direito Configurativo encontrada em Boaventura de Sousa Santos, a qual afirma que o Direito reflete uma determinada configuração nas relações de poder. Se estas relações forem desiguais e destinadas a produzirem injustiça e opressão, o Direito também será injusto e opressor.
Capítulos posteriores dessa triste novela social brasileira que se arrasta ao longo dos anos, veio trazer para o seio do poder judiciário a questão da Fazenda Primavera situada no Rio Grande do Sul. Integrantes do MST – apoiados no princípio fundamental da constituição federal brasileira em seu artigo 5º, inciso XXIII (o qual diz que a propriedade deve atender a sua função social) – tomaram posse da mencionada fazenda. Munidos dessa prerrogativa constitucional e de todo um aparato jurídico, o MST conseguiu conter um agravo de instrumento impetrado pelos advogados do Sr. Loivo Dal Agnoll, o agravado, diante de recusa em primeira instância do pedido de reintegração de posse feito pelos mesmos. Esse amparo jurídico é de fundamental importância para se obter êxito em lutas como essas, de cunho contra-hegemônico, como bem explica Boaventura de Sousa Santos: “Em primeiro lugar, os grupos excluídos precisam se organizar social e politicamente em movimentos sociais ou organizações não governamentais e em segundo lugar são necessárias estratégias jurídicas e sociais inovadoras nas relações com os tribunais, acompanhadas de pressão política sobre os órgãos do Estado e sobre os próprios tribunais”.
Evandro Oliveira Silva - Noturno

O Afeto como Valor Jurídico nas Uniões


O sociólogo Axel Honneth propõe uma nova perspectiva para a compreensão das lutas sociais: a gramática dos sentimentos morais, isso é, não interpretá-las pela consciência coletiva, mas pelos sentimentos individuais. Nesse viés, nota-se, como um caso exemplificativo desse, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4277, que expõe julgar procedentes as ações sobre união estável homoafetiva com as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva. Sendo assim, objetiva-se a compreensão da opção de cada um e, logo, a aceitação de todos de forma igualitária.
Nesse mesmo sentido, tem se o voto do Relator Ministro Ayres Britto, o qual diz que “quanto ao modo juridicamente reducionista com que são tratados os segmentos sociais dos homoafetivos, têm sido ininterruptamente violados os preceitos fundamentais da igualdade, segurança jurídica, liberdade e da dignidade da pessoa humana”. Dessa forma, a decisão de reger a união homoafetiva conforme a heteroafetiva é um meio para que não haja ofensa às três esferas de reconhecimento, como conceituado por Honneth, dos homoafetivos, uma vez que tratados de formas diferentes acarreta a infração  tanto a esfera do amor, quanto da solidariedade e do direito. Esse último principalmente, visto que mesmo o direito a igualdade e liberdade sendo positivado, como a cláusula pétrea sobre a dignidade da pessoa humana, esses não eramefetivados, até então, como explicitado pelo Ministro Britto.
Para o sociólogo, quando essas esferas são feridas, o autorreconhecimento da pessoa como sujeito de direitos e sujeito no mundo é prejudicado. Por conseguinte, a falta desse reconhecimento resulta na vexação, que pode ser exemplificada nesse caso em um possível falecimento de um dos indivíduos da união e gerando, ainda, ter que se provar tal relacionamento e diversas tentativas na justiça de alcançar algum direito, como quanto à pensão ou sucessão.  Nesse viés, tem se o voto do Ministro Marco Aurélio que o conclui dizendo “ser imperiosa a proteção jurídica integral da união homoafetiva, traduzida no reconhecimento como entidade familiar, pois, em caso contrário, estar-se-ia a transmitir o juízo de que o afeto entre homossexuais seria reprovável e desmerecedor do respeito da sociedade e da tutela estatal, o que afrontaria a dignidade desses indivíduos, que perseguem tão-somente a realização, o amor, a felicidade”.
Além disso, a não efetivação desses direitos acarreta um desrespeito, o qual corresponde às experiências morais do ser e o ocasionamento de expectativas de reconhecimento vinculados às condições de sua integridade psíquica. A luta pela igualdade entre uniões homoafetivas e heteroafetivas representa um modelo de conflito que se inicia exatamente por experiências morais que demonstram a denegação do reconhecimento, seja o jurídico ou social. Logo, essa luta visa conseguir esse reconhecimento, assegurar seus direitos e diminuir o preconceito. Tal mudança, dessa maneira, representa a saída de um modelo familiar patriarcal e com objetivo de conservar o patrimônio e procriar, para um plural de modelos de família tratados igualmente, nos quais o afeto torna-se um valor jurídico e rege tais relações familiares.
À vista disso, além de zelar pela igualdade e dignidade dos homoafetivos, ainda lhe proporciona o seu autorreconhecimento e, assim, a diminuição da discriminação sofrida e a efetivação de seus direitos. Desse modo, a felicidade e o amor são respaldados por tais direitos, uma vez que toda forma de amor é válida e, logo, o Direito deve aceitá-las e tutelá-las, visando que esse coletivo seja reconhecido como iguais. Sendo assim, a luta por reconhecimento, direitos e contra o desrespeito ganham visibilidade e a ponte semântica entre casos individuais e coletivos é construída e, com a decisão sobre a igualdade entre as uniões, torna-se vitoriosa e efetivada.


Kenia - Direito (Noturno)

Uma luta pelo amor

Uma das grandes contribuições do pensamento de Axel Hooneth está sobre sua discussão em torno do reconhecimento, que por sua vez pode ser divido em 3 formas que em conjunto criam as condições sociais sobre as quais o ser humano pode chegar a uma atitude positiva para consigo mesmo e para isso basta haver o conjunto do amor, auto respeito e autoestima.
A primeira dimensão do reconhecimento é o amor material, que tem como maior exemplo o amor materno, pois uma mãe, via de regra, ama seu filho e sempre o protege, é um amor incondicional, ligado a uma questão biológica, assim não importa a orientação sexual de seu filho, seja heterossexual, homossexual ou bissexual, a mãe amará a criança independente de tudo.
Ressalta-se que como estamos falando de uma ciência humana, não podemos falar em algo que ocorre 100% das vezes, visto que existem casos, como ocorreu na cidade de Cravinhos em 2017, na qual uma mãe matou seu filho por seu homossexual, contudo isso não anula o pensamento elencado por Axel Hooneth, pois como fora citado acima estamos lidando com uma ciência humana.
A segunda dimensão do reconhecimento diz respeito ao direito, na qual todos devem respeitar a mesma lei, assim a partir do momento em que toda a sociedade identifica todos os seus membros como portadores de um mesmo direito, todos podem se entender como pessoas de direito e assim gerariam um sentimento de segurança de cumprimento social.
Ao analisarmos a questão da união estável ou do casamento (que na prática possui os mesmos efeitos jurídicos hoje em dia), temos grandes mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, pois durante a vigência do Código Civil de 1916, tinha-se um direito de família extremamente machista na qual havia diferente no tratamento de homens e mulheres, na questão da homossexualidade nem há o que se falar então, não havia qualquer lacuna para seu reconhecimento. Contudo com a Constituição de 1988 temos a quebra da diferença do homem e da mulher, com a igualdade formal deles, que foi referendada pelo Código Civil de 2002.
Com o advento do século XIX, o movimento LGBT (antigo GLS na época) começa a ganhar mais força e destaque no cenário mundial, contudo ele passou e ainda passa por várias represarias tanto institucionais (como na Arábia Saudita) quanto morais diante do conservadorismo, contudo o movimento ganha força, inclusive possuem o Dia Internacional do Orgulho Gay (28 de Junho), e a principal causa de sua luta é a do direito ao casamento, direito à felicidade e ao amor.
No Brasil, tanto a Constituição Federal quanto o Código Civil são omissos a respeito do casamento homossexual, contudo os cartórios não aceitavam seu registro, assim mediante um ação no STF os ministros entenderam que era sim possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não houve dúvidas nesse julgamento, o resultado foi unânime, mesmo diante do conservadorismo da sociedade e do Congresso Nacional, assim à luz da teoria de Axel Honneth, essa mudança do ordenamento permitiu o início do sentimento de igualdade e liberdade, a obediência de todos à mesma lei (a segunda dimensão do reconhecimento).
Analisando agora a terceira dimensão do reconhecimento que é a da solidariedade que seria a que trata atualmente da luta constate do movimento LGBT, pois é um momento em que os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública para diversas coisas que são negligenciadas de suas esferas, para que eles consigam elevar na sociedade o valor social e a reputação de seus membros. No caso das lutas LGBT, elas ocorrem porque no Brasil existem dados gritantes sobre esse grupo social, por exemplo, 1 pessoa LGBT é assassinada a cada 19 horas no Brasil ou o fato do Brasil ser o mais que mais mata travesti e transexuais em todo o mundo, além dessas lutas maiores que são contra violência e pela justiça contra os crimes que são cometidos contra eles, há lutas mais internas que são pela não discriminação do ambiente de trabalho, luta por mais visibilidade nas programações, séries e novelas, além da quebra de pensamentos preconceituosos enraizados na sociedade.
Assim, concluindo o pensamento de Axel Honneth, temos a luta por reconhecimento, que parte de sentimentos morais de injustiça e de uma lesão no sentimento de reconhecimento perante a sociedade, algo que nitidamente ocorre com as pessoas do público LGBT, sendo que essa privação de direitos se tornou algo tão em destaque, que pessoas que não são LGBT também lutam pelo direito desse grupo, ou seja, temos aqui um exemplo perfeito de uma luta social por reconhecimento, pois é uma busca generalizada por direitos, ou seja, ultrapassaram-se as intenção individuais e criou-se uma identidade coletiva pelo luta pelo amor e pela felicidade.

Direito: da desigualdade à justiça


            Para entender a questão do julgado da Fazenda Primavera é importante primeiro fazer um paralelo com os estudos de Boaventura de Sousa Santos e da sua teoria dos três tipos do direito (direito configurativo, prefigurativo e reconfigurativo). De início, o direito configurativo é o direito como espelho das relações de poder presentes na sociedade e, para Santos, como no início um pequeno grupo se aproprio do direito, concentrando o poder em suas mãos (o grupo chamado de 1%), o direito desde então se tornou elitista e todas as relações jurídicas se pautavam na legitimação dos atos dessa parcela da população e na sua proteção. Em seguida, o direito prefigurativo é o direito como antecipação de uma sociedade diferente. Por fim, o direito refigurativo é o direito como agente das mudanças na sociedade, ou seja, os grupos indignados procuram como modo de ascensão social os tribunais, além do reforço de pressões políticas realizadas por esses grupos para também atingir essa esfera. Relacionando tais ensinamentos com o julgado em questão, é importante frisar no direito configurativo e reconfigurativo em uma junção para explicar o fenômeno.
         Na questão do julgado da Fazenda Primavera é claro que os proprietários da fazenda são os chamados de 1% e o MST pode ser considerado os indignados (ou os 99%). Dessa forma, o MST, frente a uma realidade de desigualdade e injustiça, age com a ocupação de uma área da fazenda que não estava sendo utilizada (pressão política) como modo de protesto, sendo que o proprietário entrou na justiça e, inicialmente, foi concedida a reintegração de posse, o que mostra a tendência dos 1% sempre tentarem legitimar suas ações para manter a desigualdade (como abordado no direito configurativo). Porém, como Boaventura bem ensina, os tribunais são cheios de contradições e os oprimidos devem usar tais contradições para entrar na justiça de modo inovador, e assim foi feito: a contradição presente na primeira instância julgada é clara (o proprietário só terá direito à terra se ela cumprir sua função social, algo que está previsto desda Constituição de 1934, mantido na de 1969 e continua em vigor na atual Constituição de 1988 e que não estava sendo cumprido na fazenda) e os integrantes do MST entraram na justiça de modo inovador e estratégico para pedir o deferimento da liminar de reintegração de posse (como no direito reconfigurativo).Além disso, do ponto de vista do direito, é mais do que óbvio que não é a lei 927 do Código de Processo Civil que pode anular o dever da função social da propriedade previsto no artigo 5 da Constituição Federal de 1988 (argumento usado na defesa da reintegração da posse).Em síntese, pode-se afirmar que, apesar de o direito configurativo mostrar-se presente à medida que, muitas vezes, tribunais ainda tentam legitimar o abismo da desigualdade, o direito reconfigurativo vem se tornando cada vez mais forte e ganhando resultados positivos para diminuir a desigualdade como no caso dessa grande vitória do julgado a favor do deferimento da liminar de reintegração de posse na Fazenda Primavera.