Luta
Social: Ponte para a Ocupação
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos defende que os
direitos e garantias instituídos com a Constituição Federal de 1988 são os
frutos das lutas das classes subalternas e, logo, devem ser sedimentados na
atualidade. Para isso, o Direito teria um caráter do “constitucionalismo
transformador”, como proposto pelo autor, o qual materializaria tais direitos
para assim vigorarem efetivamente. Um desses direitos adquiridos é o da função
social da propriedade, o qual está continuamente em conflito com o próprio
direito de propriedade.
A priori, é mister
que ambos direitos são positivados no artigo 5º da atual Constituinte,
portanto, possuem o mesmo caráter hierárquico. Todavia, a principal causa de
tal debate é o interesse econômico, uma vez que a função social pode levar a
desapropriação de áreas pertencentes a empresas, como o caso da Fazenda
Primavera. Essa foi ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) e, após um longo processo, decidiu-se pela não reintegração de posse,
isso é, favoravelmente a função social. O relator Desembargador Carlos Rafael
dos Santos Júnior exprimiu que essa função social é limitante a questão da
posse e que há uma nova exegese da norma a respeito da posse e da propriedade
que dá vida efetiva ao conceito da função social da propriedade.
O mesmo Desembargador ainda expôs que nesse conflito houve a
materialização de conflitos de interesses coletivos e individuais, ou seja,
entre centenas de famílias acampadas e de uma empresa. Nessa perspectiva,
nota-se o posto por Boaventura: o direito dos 99% e o direito do 1%, isto é, o
direito dos oprimidos – participantes do MST e a função social – e o direito
dos opressores – empresa e intenção de reintegração de posse. Nesse acontecimento,
visto ser um caso excepcional, a decisão é favorável aos 99%, a classe
subalterna, para a qual se sobrepõe o direito reconfigurativo, uma vez que garante-se
algo já positivado: a função social da propriedade. Da mesma forma, essa ideia
é vista na fala do Desembargador Carlos Rafael ao dizer que “Sustentar
o contrário, a meu juízo, significa negar vigência ao próprio Texto Maior”.
Nesse
viés, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra protagonizaram uma luta
social dentro da via democrática, reivindicando, assim, direitos já positivados
no ordenamento. Desse modo, na visão de Boaventura, esse ocorrido foi uma
tentativa de diminuir o abismo entre a polaridade dos direitos – dos opressores
e oprimidos - e, por conseguinte,
democratizar tal estrutura, visando uma igualdade entre esses. Nesse viés,
perpetua-se o pensamento do Ministro Luís Roberto Barroso, proferido em uma
palestra na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza durante o programa “Auditório
Livre” publicado em 10 de junho de 2015, que exprime “a vida é uma festa, para
qual todos estão convidados em igualdade de condições”.
Sendo
assim, a Fazenda Primavera torna-se um exemplo do embate entre tais direitos e
a angariação da função social em consonância com a sobreposição dos direitos de
uma classe oprimida em busca da efetivação de suas garantias constitucionais.
Por esse motivo, Boaventura legitima os movimentos sociais, visto que são eles
os responsáveis por empenhar-se na construção de pontes para dentro do, como
chamado por ele, “mundo do direito”, em um esforço para ocupá-lo, tomando o
lugar dos dominantes 1%. Desse modo, o sociólogo expõe que é necessário lutar
(e ocupar) o direito, mesmo que desesperançosos, visando a obtenção da
igualdade ou minimização de tais relações de poder.
Direito - Noturno