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segunda-feira, 25 de junho de 2018


Luta Social: Ponte para a Ocupação

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos defende que os direitos e garantias instituídos com a Constituição Federal de 1988 são os frutos das lutas das classes subalternas e, logo, devem ser sedimentados na atualidade. Para isso, o Direito teria um caráter do “constitucionalismo transformador”, como proposto pelo autor, o qual materializaria tais direitos para assim vigorarem efetivamente. Um desses direitos adquiridos é o da função social da propriedade, o qual está continuamente em conflito com o próprio direito de propriedade.
A priori, é mister que ambos direitos são positivados no artigo 5º da atual Constituinte, portanto, possuem o mesmo caráter hierárquico. Todavia, a principal causa de tal debate é o interesse econômico, uma vez que a função social pode levar a desapropriação de áreas pertencentes a empresas, como o caso da Fazenda Primavera. Essa foi ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, após um longo processo, decidiu-se pela não reintegração de posse, isso é, favoravelmente a função social. O relator Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior exprimiu que essa função social é limitante a questão da posse e que há uma nova exegese da norma a respeito da posse e da propriedade que dá vida efetiva ao conceito da função social da propriedade.
O mesmo Desembargador ainda expôs que nesse conflito houve a materialização de conflitos de interesses coletivos e individuais, ou seja, entre centenas de famílias acampadas e de uma empresa. Nessa perspectiva, nota-se o posto por Boaventura: o direito dos 99% e o direito do 1%, isto é, o direito dos oprimidos – participantes do MST e a função social – e o direito dos opressores – empresa e intenção de reintegração de posse. Nesse acontecimento, visto ser um caso excepcional, a decisão é favorável aos 99%, a classe subalterna, para a qual se sobrepõe o direito reconfigurativo, uma vez que garante-se algo já positivado: a função social da propriedade. Da mesma forma, essa ideia é vista na fala do Desembargador Carlos Rafael ao dizer que “Sustentar o contrário, a meu juízo, significa negar vigência ao próprio Texto Maior”.
Nesse viés, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra protagonizaram uma luta social dentro da via democrática, reivindicando, assim, direitos já positivados no ordenamento. Desse modo, na visão de Boaventura, esse ocorrido foi uma tentativa de diminuir o abismo entre a polaridade dos direitos – dos opressores e oprimidos -  e, por conseguinte, democratizar tal estrutura, visando uma igualdade entre esses. Nesse viés, perpetua-se o pensamento do Ministro Luís Roberto Barroso, proferido em uma palestra na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza durante o programa “Auditório Livre” publicado em 10 de junho de 2015, que exprime “a vida é uma festa, para qual todos estão convidados em igualdade de condições”.
Sendo assim, a Fazenda Primavera torna-se um exemplo do embate entre tais direitos e a angariação da função social em consonância com a sobreposição dos direitos de uma classe oprimida em busca da efetivação de suas garantias constitucionais. Por esse motivo, Boaventura legitima os movimentos sociais, visto que são eles os responsáveis por empenhar-se na construção de pontes para dentro do, como chamado por ele, “mundo do direito”, em um esforço para ocupá-lo, tomando o lugar dos dominantes 1%. Desse modo, o sociólogo expõe que é necessário lutar (e ocupar) o direito, mesmo que desesperançosos, visando a obtenção da igualdade ou minimização de tais relações de poder.



Direito - Noturno

Direito e a Função Social


   Não há duvida de que uma das problemáticas mais discutidas na política interna brasileira é a questão da concentração fundiária. Estabelecida profundamente nas estruturas do país através de medidas como as Capitanias Hereditárias, as Sesmarias e a Lei de Terras, a desigualdade na posse de propriedades teve início com a ocupação colonial e se arrasta até os dias atuais, contrapondo grandes latifúndios de terra, na maioria das vezes não aproveitados por completo, com milhares de moradores rurais que não possuem um solo para trabalho próprio.
   Dessa forma, com as diversas mudanças politicas, culturais e econômicas que aconteceram ao longo da história brasileira, transformações na sociedade foram incentivadas, consequentemente também ensejando alterações no direito. Portanto, sendo a função da jurisprudência procurar manter o equilíbrio público a partir das demandas e necessidades de uma coletividade, o desenvolvimento de um direito mais socialmente consciente foi inevitável. É a partir de tal noção que a doutrina da função social emerge, limitando as concepções individualistas do passado, com a intenção de conceder aos sujeitos de direito não só uma igualdade em seu aspecto formal, mas protegendo também sua liberdade material e moral.
    Analogamente a esses princípios, Boaventura de Sousa Santos entende que o direito tem a função de combater as desigualdades inerentes das relações sociais, diminuindo a enorme distância que se estabelece entre dominantes e dominados. Para o professor da Universidade de Coimbra, existe uma diferença “abissal” instituída na jurisprudência, separando os sujeitos de direito em dois grupos de indivíduos: os 1%, detentores do poder e privilegiados pela lei, e os 99%, oprimidos e esquecidos juridicamente. Nesse diapasão, para eliminar essa perspectiva de abismo, o direito deve pensar dentro de uma nova hermenêutica “anti-hegemônica”, que, ao contrario de suprir somente as expectativas dos dominantes, procura criar um equilíbrio de oportunidades para toda a sociedade.
     Como exemplo prático da teoria de Boaventura e da aplicação dos preceitos da Função Social, pode ser analisado o julgado da Fazenda Primavera, invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no início da década passada. Entendendo que a propriedade do caso não cumpria a função para ela determinada na constituição, os desembargadores encarregados da decisão negaram a reintegração de posse ao proprietário original do território, assegurando, assim, um modo de moradia e trabalho para os membros do MST envolvidos naquela ação. Dessarte, o citado aspecto abissal entre o proprietário e o MST (representativos, respectivamente, dos 1% e dos 99%) foi, a partir dos fins sociais do direito, consideravelmente diminuído, assegurando a noção de Boaventura.
    Por fim, conclui-se que o domínio é um direito subjetivo e deve ser usado a serviço não somente próprio, mas de outros, dando-lhe uma função social. O proprietário do bem é vinculado a um dever maior e, enquanto ele como detentor da propriedade, cumpre essa missão, seus atos serão protegidos pelo direito positivado.



João Manuel Pereira Eça Neves Da Fontoura – Turma XXXV Noturno