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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O embate entre o Sul e o Norte na Bienal do Livro


Sara Araújo apresenta um debate emblemático acerca de como o mundo jurídico está comprometido a apresentar e valorizar um olhar etnocêntrico que se apoia em ideais eurocêntricos. A autora aponta em seu raciocínio o fato do Norte sempre posicionar o mundo de acordo com suas visões, ignorando e menosprezando experiências que estão ao Sul, evidenciando como existe um monopólio do Norte em diversos setores sociais, inclusive no meio jurídico. Nesse sentido, Sara demonstra em seus estudos na obra ‘’ O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone'' como a hegemonia do Norte tomou conta de espaços que deveriam ser plurais, sistematizando o modo com as relações jurídicas, culturais, pessoais e coletivas estabelecem-se e configuram-se no meio social. Assim, é possível perceber que a problemática exposta busca discutir como o Norte se comporta de maneira hegemônica negando outros saberes, experiências e realidades que vem do Sul, ao mesmo tempo que também discute a necessidade de se pensar o mundo jurídico fora da forma como ele é apresentado e executado na sociedade, segundo Sara: "Do outro lado da linha, múltiplos universos jurídicos são desperdiçados, invisibilizados e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos.”


Para adentrar o pensamento da estudiosa e relacioná-lo com situações concretas, é possível desvendar esse olhar hegemônico em uma análise de julgado que refere-se ao caso da proibição de uma HQ que possui entre suas páginas dois personagens do mesmo sexo que relacionam-se de maneira amorosa. O caso que aconteceu em 2019 na Bienal do Livro no Rio de Janeiro, despertou debate nacional quando o até então Prefeito Marcelo Crivella decidiu fazer uma ‘’caça às bruxas’’ para retirar o livro em quadrinhos de circulação, pois segundo sua visão de mundo, tal conteúdo ofende setores da sociedade e expõe o relacionamento homoafetivo, algo que segundo Crivella, não é correto, já que os livros são destinados ao público jovem. Nesta situação descrita podemos considerar que o posicionamento do prefeito está alicerçado em um posicionamento que poderia ser interpretado como o Norte, pois este impõe suas vontades e crenças, descartando e crucificando outros modos de relacionamentos. E a circulação e existência das revistas em quadrinhos pode ser encaixado como uma ação que advém do Sul, pois apresenta uma relação que não segue os critérios de relacionamento estabelecidos num viés conservador, desafiando uma lógica moral imposta.  É possível entender que a dinâmica apresentada coloca em combate dois lados: O Norte, com o pensamento de que tudo que desvie do convencional é descartável e inferior; E o Sul, com a apresentação do novo, valorizando questões que envolvem a dignidade de grupos minoritários e apresentado para a sociedade relacionamento que existem e não podem ser invisibilizados no espaço social, pois qualquer tipo de censura é um ataque direto a ideia de liberdade que está intimamente relacionada à noção de dignidade humana, direito este que consta positivado na Constituição Federal.


Ao reverberar que questões de gênero prejudicam uma determinada moral já instituída, o Prefeito nega e repudia qualquer comportamento que não esteja aliado à heterossexualidade. Logo, temos aqui uma atitude que tenta se fazer valer hegemônica para prejudicar e condenar outras experiências que não se enquadram nessa lógica. Entretanto, apesar da grande movimentação para condenar os livros de temática LGBTQIA+, Crivella nada conseguiu fazer, pois o STF posicionou-se contra o ato antidemocrático e conservador do gestor público, alegando que tal decisão vai contra o Estado democrático de Direito.


 Em uma situação como essa, Sara Araújo discute então a ideia de potencializar um meio jurídico que tenha como direcionamento o pluralismo, pois só assim será possível desenvolver uma sociedade democrática que leve em conta a vida de todos os indivíduos, fazendo valer seus direitos enquanto respeita as particularidades de cada existência. Descolonizar pensamentos e criar novas fronteiras, segunda a autora, é abrir novos caminhos para que as ideias do Sul também possam exercer seus direitos de existência, pois desafiar o cânone hegemônico é uma ação que busca valorizar, compreender e respeitar outras vivências enquanto nega seguir experiências apresentadas como únicas e corretas. 


PEDRO OLIVEIRA SILVA JÚNIOR - DIREITO / NOTURNO 

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail 06 dez. 2021, 02h33

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