O Positivismo, sistema criado pelo
pensador francês Auguste Comte (1798-1857), apresenta uma abordagem própria como
modo de analisar e interpretar a realidade social concretamente, além de uma
perspectiva de projeto de construção social, que não é presa ao passado, mas,
ao contrário, pujante em nossos tempos contemporâneos. Ela rompe com a moral
católica no que toca aos elementos católicos que contaminam essa ideia de bem
comum voltado ao essencialmente humano, enquanto conserva os preceitos católicos
de família e disciplina comportamental, por exemplo. Não se trata de uma moral cristã,
mas humana, onde a ideia de felicidade está na realização plena do bem público
no presente, no sentido terreno, de harmonização e equilibro das coisas numa
perspectiva secular, oposto ao religioso.
Nesse contexto, os anseios e
vontades individuais desaparecem no coletivo, para alcançar-se a felicidade
geral, a ordem, a sociedade sem conflito, que seria o horizonte da felicidade
positivista. Comte assim define essa relação como “...ligação de cada um a
todos, sob uma multidão de aspectos diferentes, de maneira a tornar
involuntariamente familiar o íntimo sentimento de solidariedade social,
convenientemente desdobrado para todos os tempos e lugares”. Surge então a
harmonia social fundamental, que não cria sobressaltos, não subverte a coesão,
não atenta ou ameaça a ordem e o curso tranquilo da coletividade, ao contrário,
ela tem como principal resultado a sólida formação de uma moral universal.
Esse ideal de ausência de
conflito gera, na contemporaneidade, um contexto nebuloso no qual qualquer
ideia contrária ao poder vigente é vista como ameaça. No caso de nosso país,
uma ameaça “comunista”. Preceitos fundamentais de dignidade humana que, em
casos concretos, conflitem com os ideais governistas, são vistos como subversão
à ordem ou à moral. Um exemplo claro dessa triste realidade é o caso de uma
garota agredida fisicamente pelo pai, além de ter seus cabelos raspados, por
ter perdido sua virgindade. Ela obteve como resposta da juíza uma sentença que qualifica
como “correção moderada” os atos praticados por seu progenitor. O contexto
revela uma posição positivista no sentido de entender a perda da virgindade
como um “descaminho” que abala a ordem moral e reforça ao pai o status de chefe
familiar com plenos poderes sob seus familiares.
Além disso, o pensamento comtiano
apresenta o trabalho como expressão privilegiada da solidariedade preconizada
pelo positivismo, pois liga o indivíduo ao restante da sociedade, onde cumpre
seu papel, expressando a negação de si em prol do todo. A greve, nesse cenário,
representa a subversão, que afeta a ordem vigente em prol de determinado grupo.
Quaisquer ideias referentes a sair de seu posto mecânico de cumpridor do papel
social e almejar posições melhores, que extrapolem o seu local natural dentro
da ordem positivista são tidas como “ambições exorbitantes”, que geram
inquietação nos setores de poder e contrariam a perspectiva presente,
impactando em pontos como salários, políticas sociais e separação de classes.
Como exemplos comuns dessas ambições em nossa sociedade podemos citar as ações
afirmativas de acesso às universidades, as viagens da classe trabalhadora ao
exterior, a proteção contra o trabalho infantil, entre outras.
Uma outra ponderação possível diz
respeito aos direitos políticos, que na lógica positivista são substituídos por
políticas sociais mais afeitas às necessidades do proletariado. Ao invés da
posse direta do poder político há a indispensável participação contínua no
poder moral (único e verdadeiramente acessível a todos, sem perigo para a ordem
universal), com a exigência aos governos o cumprimento dos deveres essenciais.
Essa realidade pode ser ilustrada, na atual realidade brasileira, a partir do
Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, criado em 2020, que coloca a
educação como fator formador do “indivíduo novo” para o novo poder moral. Os
elementos presentes nesse plano acabam por fomentar o desenvolvimento de ideias
contemporâneas repletas de ideais positivistas, como ordem, respeito e “disciplina
geral”.
Por fim, é evidente que, embora
criado no século XIX, o Positivismo persiste em vários cenários e sociedades,
muitas vezes camuflado por um discurso de valores e morais que subverte a ideia
de igualdade social e direitos humanos. A sua permanência na realidade
contemporânea poderia ser minimizada ou combatida com uma melhor formação,
estudo e reflexão crítica do povo, abandonando as estruturas rígidas do
pensamento de Comte em busca de seus direitos de fato. Para isso, entretanto,
seria fundamental uma mudança no posicionamento das lideranças políticas do
país, que ditam como deve ser a formação básica de cada cidadão. Uma realidade
tão distante quanto necessária.
Laredo Silva e Oliveira - 1º Ano Direito Noturno