O sociólogo francês Pierre Bourdieu propõe conceitos e visões que permanecem, desde o século anterior, até os dias em que vivemos. Dentre tais raciocínios, destaca-se a concepção de: "poder simbólico" e "veredito jurídico".
Primeiramente, é necessário pontuar que o "poder simbólico" é uma relação de domínio a qual é justificada pelas concepções de "campo jurídico" e de "capital" - o primeiro diz respeito de que forma lida-se com cada caso, considerando o período histórico em questão, visto que esse conceito não se modifica por si só, mas sim por influências; enquanto o segundo diz respeito a todo tipo de conhecimento e valores específicos que qualificam, por exemplo, os juízes para tomar suas decisões. Dessa maneira, com o exercício do poder simbólico por aqueles que são julgados como "capazes", chega-se a um "veredito jurídico" - que pode ser entendido como um "resumo de teses", sejam elas lógicas ou éticas.
Dito isso, interpretando a ADPF 54 com base em Bourdieu, tem-se que o tema inicial (a possibilidade ou não de realizar aborto em caso de anencefalia) é discutido com base em duas vertentes, ou seja, dois "espaços dos possíveis", conflitantes: a primeira fundamenta-se em um viés religioso, o qual assume que há uma vida sendo gerada e, por isso, não seria possível a interrupção da gravidez; enquanto isso, em uma justificativa mais científica e em prol da liberdade da mulher, assume-se que é possível realizar a interrupção e que essa não deveria ser qualificada como aborto, mas, sim, como "antecipação da gravidez terapêutica do caso", considerando que há poucas possibilidades daquele feto sobreviver após o nascimento, evitando sofrimentos e complicações maiores.
Desse modo, considerando ambos os espaços, os quais são conflituantes entre si, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por meio de uma votação, que, neste caso, deve-se interromper a gravidez - 8 votos favoráveis e 2 contras. Tal veredito firmou-se em argumentos a favor da liberdade feminina, científicos e laicos (tal qual deveria ser todas as decisões jurídicas, visto que o Brasil é um Estado laico). Por fim, a decisão tomada segue exemplos espalhados ao redor do mundo, como a Argentina e os Estados Unidos, que não criminalizam o aborto.
Laura Picazio - turma XXXIX - Direito matutino.