A ADPF 186, realizada em abril de 2012, delibera acerca da questão de sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial, medida que foi mantida e assegurada por unanimidade dos votos. Os conflitos expressos na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 ocorrem entre a fala dos Democratas, que visavam o fim das cotas étnicos-raciais para o ingresso em instituições públicas de ensino superior, e o que foi decidido pelo acórdão: manter as cotas em questão, uma vez que essa medida está prevista na Constituição Federal de 1988. Assim, faz-se necessário analisar a situação com base em sociólogos e em seus ensinamentos que são de extrema importância para os dias atuais.
Primeiramente, de acordo com Bourdieu, é preciso discutir sobre os espaços dos possíveis. No caso em questão, o espaço defendido pelos Democratas visa restringir o direito da política de cotas, especificamente na Universidade de Brasília, enquanto aquele defendido pela própria UnB - e garantido pela ADPF 186 - defende a continuidade desse sistema, ficando explícito o conflito entre os espaços dos possíveis. Nesse caso, o direito reconhecido e assegurado possibilita a manutenção da tentativa de universalização da igualdade material, ou seja, aquela estabelecida pelo art.5º da Constituição Federal de 1988, isto é, a racionalização do direito (operação do sistema jurídico) expressa-se por meio da manutenção do direito do sistema de reserva de vagas. Por fim, a historicização das normas, no caso estabelecido, prevê o cumprimento de uma possibilidade já prevista pela norma constitucional brasileira, proporcionando a extensão do direito para casos futuros.
Outrossim, ao evidenciar Garapon debate-se muito sobre a atuação do Judiciário. Em primeira instância, o direito assegurado foi buscado pela UnB - em contrapartida do que os Democratas pretendiam - e reafirmado pelo Judiciário ao decorrer da ADPF 186. Nesse viés, o direito assegurado é a prevalência do sistema de reserva de vagas étnico-raciais para o ingresso em instituições públicas de ensino superior e o acionamento do Judiciário foi a última saída possível, enquanto outras instituições se omitiram, os juízes possibilitaram, como último recurso, a manutenção do direito em questão. Assim, há uma antecipação do direito, posto que a medida acordada visa, também, situações futuras e, então, é um meio de aprofundamento da democracia.
Sequencialmente, McCann articula a respeito da mobilização e de suas consequências. A UnB e o Judiciário mobilizam-se diante da proposta absurda dos Democratas pois esta almejava invalidar direitos já assegurados pelo texto constitucional e, também, aumentar a desigualdade - estrutural e institucional - entre etnias; então, surge a necessidade de ação da Universidade de Brasília e do Judiciário, que decide pela continuidade da política de cotas. Assim, as consequências que a decisão gera são imediatas, influenciando muito nas lutas posteriores acerca das cotas étnico-raciais, de forma positiva, considerando que essa desigualdade permeia por mais de séculos e o sistema de reserva de vagas objetiva possibilitar a igualdade material entre as etnias em uma realidade presente e futura. Diante dessa situação, a manutenção do direito em questão possibilita que a cultura desigual social, com prevalecimento daquela que se refere aos brancos, seja diminuída, ou, pelo menos, encontre uma entrave necessária, dando maior ênfase à cultura das etnias mais desfavorecidas, como, por exemplo, de negros e indígenas. Portanto, ao trazer o tema para debate, busca-se a compreensão da realidade vivenciada pelas populações mais desfavorecidas e, então, possibilita que a cultura nacional tenha mais influência e reconhecimento da cultura desses povos.
Por último, é importante trazer as ideias de Sara Araújo. Segundo Sara, a epistemologia do norte dita a cultura mundial há tempos, fazendo com que as culturas do hemisfério sul sejam suprimidas e que haja a disseminação das concepções do norte, as quais, muitas vezes, consideram-se como as únicas possíveis e menosprezam as demais, culminando em uma monocultura dos saberes. Em contrapartida, surge o termo de ecologia do saber (e da justiça) que busca alcançar a pluralidade dos saberes e, inclusive, ações que vão contra a monocultura - isto é, pregando a visibilidade, copresença, horizontalidade, etc. Dessa forma, no julgado, ao efetivar-se a continuidade da política de cotas étnico-raciais, permite-se a disseminação da ecologia do saber e, neste caso, da justiça, já que a concepção de justiça expande-se para as populações menos favorecidas pela sociedade e que estão a beira da miséria da desigualdade.
Assim, conclui-se que a ADPF 186 é de extrema importância para a manutenção da sociedade civil e serve como uma tentativa de diminuir a desigualdade prevista estruturalmente, pautando-se na constituição federal (principalmente na concepção de igualdade material) e se relacionando com os pensamentos dos sociólogos acima.