Multiplicidade
Pierre Bourdieu visa interpretar a sociedade como uma realidade
constituída por diversos campos, dentre os quais, estaria o jurídico. Esses
campos estão inter-conectados, porém, são autônomos. Cada um desses possui suas próprias características, entretanto,
o Direito acaba se ressaltando entre eles, por constituir um campo
diferenciado, com maior autonomia e um poder que se estabelece ao passo que o
campo jurídico cria a vida social. Esse autor prega pela não utilização do
formalismo e do instrumentalismo, que acaba por colocar o direito à serviço das
classes dominantes.
Dessa
forma, podemos entender o julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental) 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
de Saúde (CNTS). Afinal, um julgamento tão complexo não pode só ser abarcado
pelo campo jurídico, mas pelo médico, biológico, sociológico, religioso,
filosófico, etc. é um assunto perfeito de como um assunto pode receber
contribuições de vários "campos". Nesse caso, a tese do autor é
comprovada, uma vez que o que o que de fato, decidiu, foi o campo jurídico.
Todavia,
há alguns problemas nesse julgamento. Em nenhum momento do processo pode ser verificado
uma devida atenção à mulher, sua opinião ou vontade não são nem consideradas. O
que sempre se pauta é o aborto em si, o interrompimento antecipado da gravidez
em caso de fetos anencéfalos. O que se leva em consideração 100% do tempo não é
quando se dá início à vida do nascituro e sim quando se tem o fim do mesmo. O
direito brasileiro não reconhece uma definição do momento de início da vida,
mas sim do momento em que ocorre a morte: é quando o cérebro para de funcionar.
Nesse sentido, sabemos que o feto anencefálico não chega sequer a ter início de
vida cerebral, nessas hipóteses, então o "aborto" não se tipificaria
nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, dispostos no Código Penal brasileiro.
Felipe Antonio Ferreira Domingues da Silva - Direito Noturno