Com base no pensamento de Boaventura Santos, no qual, o autor relaciona as dificuldades linguísticas do direito com o acesso popular à justiça, podemos identificar diversas características importantes a serem analisadas. Em primeiro momento Santos afirma que é de suma importância que a sociedade aprenda sobre os mecanismos jurídicos a fim de universalizar a justiça. Para isso, ele propõe algumas artimanhas que seriam benéficas para tal processo. Entre elas estão o "desenvolvimento das defensorias públicas, as custas judiciais, as promotoras legais populares, as assessorias jurídicas populares, a capacitação de líderes populares, a advocacia popular e a luta contra o desperdício da experiência".
Cada uma das proposições mencionada anteriormente têm um papel significativo no processo de universalização proposto por Santos, por isso, é importante explicarmos algumas delas. A primeira envolve a redução da burocracia para o atendimento nas defensorias, somado ao aprimoramento dos processos para que quebre-se a mecânica usual desse atendimento. A terceira é a proposta de criação de grupos formados por minorias sociais, nos quais seria feito um trabalho de especialização em assuntos delicados para as minorias e esses grupos facilitariam a solução e combate de tais problemas, nesse caso, seria um grupo de mulheres para lutar pelo fim da desigualdade de gênero.
Outra característica que Santos identifica como problemática é o próprio ensino do direito nas escolas de direito e nas escolas de magistratura. O autor afirma que há, nas universidades, a aplicação de um ensino baseado na passagem de conteúdo de forma passiva, na qual o aluno é ensinado por meio de memorização e reprodução, essa característica impede que o aluno desenvolva um senso de aplicação baseado na humanidade e perca muito do que pode oferecer para a sociedade. Mesmo com projetos de mudança nas grades curriculares a falta de preparação dos docentes e a capitalização do ensino (decorrente da quantidade de universidades voltadas para a venda de ensino) são impeditivos para o desenvolvimento de melhoras no sistema de ensino do direito.
Com essa perspectiva podemos analisar a sentença proferida por Luís Roberto Barroso, na qual ele decide sobre a garantia de habeas corpus para as mulheres que cometam o crime de aborto. Podemos notar que o pedido da promotoria afirma que o crime de aborto deveria ser equiparado ao crime de assassinato quando solicita a prisão preventiva da mulher que o cometa. Isso significaria que a sociedade enxergaria a mulher que realizasse aborto como uma ameaça para os cidadãos. Na ótica de Boaventura Santos isso acontece porque as pessoas não conhecem o que a lei diz e não compreendem o que está escrito devido a forma da escrita, assim, ficam perdidos quanto ao significado de coisas como prisão preventiva e habeas corpus e acabam por acreditar que a punição é a solução mais correta mesmo sem a sentença final.
Podemos perceber que a proposta de Santos para a capacitação de promotoras legais populares seria muito útil nessa situação e conseguiria defender os interesses de igualdade de gênero. Um dos argumentos, que inclusive aparece na decisão de Barroso é que os homens não engravidam, desta forma, estão isentos da preocupação de uma gravidez inesperada, assim para garantir o direito de igualdade de gênero, seria necessário que a mulher pudesse escolher por vontade própria sobre a interrupção da gestação. Outra característica apontada pela defesa é que a criminalização atinge com maior severidade as mulheres mais vulneráveis economicamente que além da falta de dinheiro para uma gravidez indesejada não possui o ensino jurídico para compreender os seus direitos e lutar por eles.
A visão de Boaventura Santos representa muito sobre a sociedade brasileira e a forma como os direitos dos cidadãos são desrespeitados facilmente por desconhecimento sobre o funcionamento da justiça e o que é direito ou não. Podemos perceber que o processo de concessão do habeas corpus nesse caso foi complicado, inclusive, para os juristas envolvidos. O fato de terem discordado sobre a necessidade de prisão preventiva indica que mesmo os especialistas em leis não conseguem definir quando há necessidade para uma aplicação desse porte ou não.
Por fim, a decisão pela anulação da prisão preventiva e garantia do habeas corpus indica o reconhecimento das autoridades de que o ato, ainda que criminoso perante a lei atual, não define que quem o pratique apresente risco iminente de fuga ou perigo para a sociedade e assim deve ter seu direito constitucional de aguardar em liberdade até a decisão final do julgamento.
Álvaro Galhanone 1˚ano - Direito Noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário