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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Da expressão coletiva ao cancelamento e a justiça passional

A construção da visão sociológica a partir de concepções de análises científicas, abre espaço para a consolidação dos estudos sobre o fato social, essência metodológica discutida principalmente por Émile Durkheim, importante figura da sociologia clássica. Assim, o fato social define-se como um conjunto de hábitos que revelam por meio de suas ações uma consciência coletiva, na qual, segundo o pensador trata-se “do conjunto de características e conhecimentos comuns de uma sociedade, que faz com que os indivíduos pensem e ajam de forma minimamente semelhante”.

Desse modo, os comportamentos exprimem a origem coletiva das ações individuais e, assim, a construção de determinadas concepções originam-se de causas eficientes, ou seja, necessidades vinculadas ao funcionamento geral do organismo social, que os orienta e os predispõe, reproduzindo-se modelos coletivos. Pode-se mencionar, por exemplo, grupos que dizem-se tradicionalistas e buscam a anulação de toda e qualquer diversidade seja ela social ou cultural, demonstrada pela reação negativa em relação ao comercial de Dia dos Pais da empresa Natura, que teve a participação de Thammy Miranda, homem transexual, que foi pai recentemente.

Assim, é perceptível a reprodução de uma concepção coletiva de desprezo a diversidade – neste caso diversidade de gênero – na qual privilegia-se modelos patriarcais e tradicionais enraizados na concepção de família e, até mesmo, da sociedade como um todo, visão compartilhada por um extenso grupo, que por exemplo, neste caso, organiza-se para promover e incentivar o boicote, ou em um termo mais atual, o cancelamento da empresa Natura, expressando hábitos forjados na ideia coletiva.

Além disso, na esfera jurídica os estudos de Émile Durkheim apresentam-se intrinsecamente ligados, uma vez que, o direito é um mecanismo social que atua no controle das condutas, no qual a execução de punições aos delitos está vinculada a uma resposta à consciência coletiva. Dessa forma, as concepções de sociedades pré-modernas e menos complexas relacionam-se ao direito como uma força moral de aspecto punitivo, na qual reprime-se atos que representem uma ameaça ao equilíbrio social, sendo que a pena não é proporcional a natureza do delito.

Ainda, a justiça tem funcionamento difuso, ou seja, é exercida por toda a sociedade, que punem com as próprias mãos, utilizando-se também da vergonha e da difamação. Tem-se como exemplo a série When they see us (Olhos que condenam), dirigida e escrita por Ava DuVernay, na qual retrata a história de cinco adolescentes negros acusados injustamente de um estupro. Percebe-se nessa obra a característica punitiva enraizada na sociedade, que a partir de uma verdade revelada, reage passionalmente diante de um crime brutal que se contraria a moral, condenando jovens que, na realidade, foram vítimas da superficialidade e mecanicidade social.

Já com o advento da modernidade, surge a chama solidariedade mecânica da qual trata Durkheim, na qual o conjunto social que emerge do capitalismo unem-se uns aos outros a partir da individualidade de suas funções sociais, ou seja, da divisão do trabalho e, é instituído ao direito a função de readequar disfuncionalidades que contrariam a harmonia do social. Desse modo, a esfera jurídica passa a ter um caráter restitutivo ao regular harmonicamente as funções do corpo social, evitando a anomia, pois, assim como defendeu Émile Durkheim: “a sociedade é como um corpo biológico em que as partes devem interagir entre si para alcançar a coesão e igualdade”.

Entretanto, esse direito restitutivo do qual atribuiu Durkheim com a modernização, ainda se apresenta distante da realidade brasileira, em que prevalece em muitos casos reações passionais punitivas e mesmo com a expressão técnica do direito hoje, há quem prefira apelar ao estado emocional. Neste caso, tem-se, por exemplo, o linchamento que levou à morte de Fabiane Maria de Jesus, vítima de boatos repercutidos pela internet ao ser acusada de praticar magia negra com crianças, mas que, infelizmente, não teve a chance de provar sua inocência.

Por fim, o funcionalismo da qual trata Émile Durkheim é uma representação da realidade social ao expressar comportamentos individuais que traduzem hábitos e ações coletivas. Além disso, a esfera jurídica, plano de estudo do sociólogo a partir da complexidade da sociedade capitalista, mesmo que em contextos modernos de readequação da harmonia social, sofre com o retrocesso da expressão emocional e mecânica na qual a sociedade vive mergulhada.

 

Ana Carolina de Campos Ribeiro – 1º ano Direito Diurno

 


Referências bibliográficas

 

D’ AGOSTINO, R. Três anos depois, linchamento de Fabiane após boato na web pode ajudar a endurecer lei. G1, 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/e-ou-nao-e/noticia/tres-anos-depois-linchamento-de-fabiane-apos-boato-na-web-pode-ajudar-a-endurecer-lei.ghtml. Acesso em: 5 ago. 2020.

 

JÚNIOR, A. Thammy Miranda estrela Dia dos Pais da Natura e campanha se torna alvo de ataques. Geek Publicitário, 2020. Disponível em: https://geekpublicitario.com.br/50648/thammy-miranda-dia-dos-pais-natura/. Acesso em: 05 ago. 2020.


A instituição tecnológica

De acordo com a empresa de pesquisa GlobalWebIndex a população mundial em 2019 passava, em média, 143 minutos por dia em redes sociais. Um dos motivos de passarmos uma cota tão grande do nosso cotidiano na internet é explicada desde o início do século XX pelo sociólogo Émile Durkheim.

Segundo ele, e observando as redes sociais como uma instituição, elas se utilizam do sentimento de pertencimento como uma ferramenta de coerção para manter o indivíduo sob um conjunto de regras moralizantes que nela é estabelecida. Mantendo dessa maneira uma consciência coletiva e moldando a forma de pensar, sentir e agir que são absorvidas pelo usuário no processo de uso da ferramenta. Essa consciência coletiva que somos expostos ao utilizarmos as redes sociais é superior e externa ao indivíduo, ou seja, não é necessariamente consentida e sentida pelo indivíduo.

Além disso, como uma instituição social, a sua não utilização por algum indivíduo gera ações punitivas ao mesmo. A síndrome de FOMO (fear of missing out) é um exemplo disso. Nessa condição a pessoa que está fora do uso de tecnologias, como as redes sociais, desenvolve uma patologia onde tem o constante sentimento de estar perdendo algo e de uma exclusão social. Esse medo pode ser muitas vezes real, visto que é por meio dessa tecnologia que mantemos contato ao longo do dia com pessoas e informações.

Diante dessa conjuntura Durkheim afirma que para perceber a influência da rede social como um fator social em nossas vidas é necessário a observância da mesma com uma visão exterior a ela. Somente assim seremos aptos a perceber o poder impositivo e coercitivo da instituição das redes sociais.

Paola Santos de Lima
Direito - Noturno
1°Período - UNESP

Abrindo as portas: uma análise acerca da discriminação religiosa sob a ótica da sociologia durkheimiana

No livro “Minha Vida de Menina”, de Helena Morley, são retratadas as conjunturas socioculturais do Brasil no século XIX, com destaque para a então província de Minas Gerais, local no qual a escritora viveu. Nesse sentido, a obra evidencia o quão permeável a sociedade era aos ideais católicos, uma vez que uma parcela significativa dos comportamentos sociais norteiavam-se com base neles. Dessa forma, é possível identificar o fenômeno apresentado por Helena como uma das causas do atual preconceito religioso no Brasil. Assim, convém analisar esse quadro com mais detalhes sob a ótica de Émile Durkheim. 

A princípio, é pertinente reconhecer que Durkheim, um dos sociólogos mais notáveis da história, enxergava, em seus estudos, a sociedade de maneira bastante similar a um organismo biológico. Isso porque, para o pensador francês, cada elemento social detém um papel-chave que, estando em consonância com os demais, atua a fim de promover o funcionamento coesivo de toda a coletividade. Com base nisso, o sociológico formulou a sua tese de que o “fato social” seria o conjunto de mentalidades e modos de agir que exerceriam intensa coerção sobre uma pessoa, obrigando-a, assim, a moldar-se a realidade social coletiva na qual esteja imersa. 

Assim sendo, percebe-se uma forte influência desse conceito na violência religiosa: ao conviver em uma sociedade fortemente cristã, o indivíduo tende a absorver esse comportamento coletivo por meio da vivência e, desse modo, acaba por desvalorizar as demais religiões. No ano de 1824, por exemplo, o então imperador Dom Pedro I outorga a Constituição Imperial, a qual define o Catolicismo como a única religião oficial do Brasil. Simultaneamente, o ensino cristão passa a ser ministrado nos antigos colégios imperiais com o intuito de preparar a ideologia religiosa da nação nos moldes constitucionais. 

Por conseguinte, o corpo social brasileiro tornou-se intrinsecamente ligado às concepções papais, e, a medida que outras crenças tornaram-se cada vez mais desconhecidas do público,  intensificou-se o processo de deturpação de seus ideais e, com isso, teve-se o germinar da semente da intolerância religiosa, posto que os indivíduos que não fossem adeptos do cristianismo estavam em discordância com as normas coletivas. 

Ademais, é válido pontuar que a tese de Durkheim se aplica, ainda, na contemporaneidade: embora o Estado já não tenha mais uma religião oficial, inúmeras famílias enviam seus filhos à catequese com o intuito de ensinar-lhes, desde cedo, os ensinamentos bíblicos. Também, o fato de muitos sujeitos crescerem dentro de um ambiente que prega a inferioridade de outras religiões- como alguns líderes religiosos o fazem- contribui para que o indivíduo não só absorva esse mesmo comportamento radical, como também o repasse adiante para seus descendentes em um momento futuro.

Portanto, é nítido que o conceito sociológico de “fato social” proposto por Émile Durkheim pode auxiliar na compreensão de diversos fenômenos sociais, como o caso da discriminação religiosa aqui abordada. Dessa forma, com base no exposto, entende-se que as características comportamentais da sociedade brasileira descritas no livro de Helena Morley foram fruto de um processo histórico-cultural no qual os valores coletivos moldavam a mentalidade individual. 

Ora, se a sociedade está acima do indivíduo na visão do “fato social” de Durkheim, é razoável assinalar que uma mudança “na parte” depende de uma mudança “no todo”, ou seja, o comportamento individual é reorganizado a medida que a mentalidade coletiva é também reelaborada. Assim, conclui-se que a efetiva superação de muitas das mazelas sociais hodiernas passa, obrigatoriamente, por uma desconstrução de preconceitos. Esse processo deve ser guiado pela escola, por meio de um ensino baseado na pluralidade de ideias, pois, somente desse modo, poder-se-á abrir as portas para uma nova realidade que seja pautada não mais pela intolerância, mas sim pelo respeito.


Fábio Eduardo Belavenuto Silva- 1º ano de Direito- Matutino


Linhas de montagem

Aristóteles, na Grécia Antiga,  já afirmava: "O homem é um ser social.". Tal afirmação foi tomando portes cada vez maiores ao longo da história. Com a queda do Feudalismo, fim do Antigo Regime e instauração plena dos regimes democráticos após as grandes Guerras, a sociabilidade dos homens tornou-se visível. Todos esses acontecimentos históricos foram marcados por mobilizações sociais que visavam mudar os paradigmas de suas épocas, transformando a realidade na qual estavam inseridos, por meio de lutas, revoluções e engajamentos do corpo social. Esse sentimento de mudança foi atrelado a uma sensação de pertencimento, a qual corrobora para a moldagem da sociedade até os dias atuais. 
Um sociólogo que tratou desse assunto é Émile Durkheim, ele afirmava que os indivíduos possuem uma dupla natureza, tanto social quanto individual, as quais os condicionam a agir de acordo com as regras de sociabilidade, pois visam a não exclusão e a coesão social. Um exemplo disso, são as mutilações genitais nas mulheres canadenses, feitas para que elas não sentissem prazer no ato sexual. Entretanto, essa ação foi proibida no Canadá, o que levou as moças à África para a realização de tal ato. Quando entrevistadas, essas mulheres declaravam que queriam as mutilações, não por um querer de gostar, mas sim de pertencer na sociedade em que viviam, para não serem excluídas.
Ao tratar do funcionalismo coletivo, Durkheim cria o conceito de "Fato social", que são todas as formas de agir, pensar e sentir que não dependem do indivíduo em si, mas sim do domínio da sociedade. Tal pensamento, influenciou as instituições modernas, uma vez que para manter a ordem e evitar a anomia, as regras devem estar naturalizadas no pensamento coletivo. Assim, a educação e as escolas tem papel fundamental, pois são elas que moldam os seres sociais, transformando as crianças em indivíduos prontos para a vida adulta em sociedade. Entretanto, ele criticava o ensino com viés ideológico, uma vez que a verdadeira ciência deveria seguir a realidade como ela é, se desprendendo dos valores individuais e pré-estabelecidos. 
Esse assunto entrou em voga durante as eleições presidenciais de 2018. A questão das "escolas sem partido" foi um tema muito debatido, no qual o então candidato Jair Bolsonaro, afirmava que doutrinadores de esquerda estavam afetando as crianças, por meio das aulas de sociologia e filosofia, e que ele, caso fosse eleito, tiraria essas matérias do currículo obrigatório, promovendo aulas sem ideologia, diferentemente do que estava sendo feito no Governo passado. Entretanto, é impossível ministrar aulas e fazer ciência sem expressar opiniões próprias, ou seja, sem deixar transparecer as ideologias que movem os seres humanos. Assim, essa mudança na grade escolar geraria alienação e cidadãos acríticos, consolidando uma harmonia social baseada na desinformação. 
Portanto, ao criar instituições que agem como linhas de montagem, orientando os indivíduos apenas para aquilo que as convém e punindo os seres abjetos, que não foram devidamente socializados e que agora portam-se de maneira desconexa com o todo, não estamos formando uma sociedade devidamente inclusiva e interdependente, mas sim uma federação punitiva e excludente. 
Julia Dolores - Direito matutino. 

A sociedade do ponto de vista de Durkheim

Durkheim em seu livro “As Regras do Método Sociológico” define o fato social como ações exteriores ao indivíduo, coercitivas e gerais, porque são coletivas e estão presentes em cada parte da sociedade por estar presente no todo. O autor esmiúça e detalha cada uma dessas característica ao longo do livro para que o fato social não seja confundido com um fenômeno orgânico ou psíquico. Mas o principal enfoque é na coerção que o indivíduo sofre pela sociedade e como isso se dá nas situações cotidianas. Segundo ele, “Cada um é arrastado por todos”, ou seja, os indivíduos são arrastados para isso direta ou indiretamente.

Todavia, a sociedade vem caminhando para um rumo mais diversificado com todas as lutas de movimentos sociais, que denunciam muitos comportamentos opressivos. Assim, do mesmo modo que a sociedade sofre mudanças, o fato social também pode se adequar a essa realidade. O objetivo dos movimentos é justamente esse, mostrar para todas as parcelas da sociedade que está ocorrendo mudanças e que é necessária a mudança de certos comportamentos e hábitos criados a partir de fatos sociais que não condizem mais com a realidade.

Já no livro “Da Divisão do Trabalho Social”, o autor aborda outro aspecto social, como a sociedade passou a usar sanções restitutivas em vez de sanções punitivas.  Explicando ainda por que surge um sentimento de indignação em certas parcelas da sociedade ao verem quem perde o processo não sendo punido nem humilhado e que crimes violentos – como homicídio – parecem ser tolerados. Isso trona-se mais evidente em canais televisivos como os apresentados por José Luiz Datena, Sikêra Júnior e Luiz Bacci, visto que eles instigam a população a cobrar penas mais rígidas mostrando casos onde o Direito é “falho”.

Bruna Neri Mendes – 1º ano Direito Noturno


Sociedade estagnada

 Durkheim dizia que houve uma sociedade que possuía um direito punitivo, que agia por meio de uma força moral, na qual a pena possuía um duplo sentido – pune e serve de exemplo aos demais. Sim, parece muito comum a nós, mas é como afirmei anteriormente, existiu... Essas seriam características da sociedade pré-moderna, segundo o pensador! Em nosso tempo, moderno (alguns afirmam até pós-moderno), as coisas deveriam ser diferentes, o direito deveria agir como restitutivo, mais voltado a técnica, tratando cada caso como objeto de estudo; exatamente, isso não ocorre. Ainda hoje presenciamos a sociedade, especialmente no Brasil, agindo e punindo para servir de lição ao restante, se mostrando estagnada quanto evolução que deveria ter atingido.

 Em diversos momentos da sociedade, podemos citar casos em que as pessoas desejaram fazer algo com as próprias mãos, ou até mesmo fizeram, com sede de ‘justiça”; mas o que deve ser feito a fim de conseguir punir alguém? Bater, expor na mídia, linchar ou matar? Isso acaba sendo fruto de uma reação passional, que ultrapassa a moral do criminoso, como também atinge sua família, seus amigos e o grupo ao qual pertence, e é realmente isso que estes justiceiros querem: que sirva de exemplo aos demais. Como se não pudesse ficar pior, há o fato de que essas ações, em diversas vezes, não são movidas pela indignação com o desrespeito das normas vigentes, mas pela insatisfação de um delito que fira a verdade daquele povo, quebre aquilo que eles acreditem ser verdade e, por consequência, leve a anomia.

 Para exemplificar o que relatei acima, temos o caso recente do Thammy Miranda, um homem transexual que recentemente teve um filho, que ao participar de um comercial da Natura de Dia dos Pais foi fortemente atacado nas redes socais [1], com argumentos do tipo “mas ele não é pai, pois não tem um pênis” – na verdade os comentários mais leves giram em torno disso, pois há outros bem chulos e agressivos. Tá, mas quem são essas pessoas para falar o que é ser pai? Muito provavelmente grande parte delas não assumiram seus filhos, não pagam pensão a eles – ou se pagam, é uma mixaria e já acham ser mais que o suficiente – ou nem os veem! Mas com certeza o Thammy não pode ser pai, ele que ansiou pela chegada da criança, dá amor, carinho e tudo mais que ela precisa; mas segundo a ‘família tradicional brasileira’, aquela que tem uma vida exemplar – contém ironia –, Thammy não pode ser pai, porque isso banalizaria o papel do homem heterossexual na sociedade, atacaria sua função social – reproduzir? – e isso levaria a anomia, na qual qualquer pessoa poderia ser pai, já que não haveria um pré-requisito para isso. Absurdo, certo?

 Outro caso, agora para citar o ato dos justiceiros de plantão, que acreditam agir pela lei, é um pouco mais antigo: o jovem Ruan Rocha da Silva, em 2017, que ao supostamente ser pego tentando furtar uma bicicleta, tem em sua testa tatuada a frase “Eu sou ladrão e vacilão”.[2] O tatuador, junto a um vizinho, grava o momento e divulga nas redes sociais, passando a receber muitos elogios pelo ato, já que o jovem é ladrão, deve ser marcado na pele e exposto para a sociedade; como também, teria sido correto tatuar, pois deveria acontecer com todos que cometem um assalto, tentam ou ainda aparenta tentar; assim, seja pobre, esteja no local e/ou hora errada e termine o dia com seus supostos crimes tatuados em sua testa. Digo pobre, pois isso nunca ocorreria com uma pessoa rica; ninguém pegaria a testa do presidente Jair Bolsonaro e tatuaria “Genocida e Miliciano”, apesar de motivos e vontade não faltarem.

 Por fim, nossa sociedade segue desta forma: com características do estágio pré-moderno, punindo para servir de lição, mesmo que essa lição só atinja as minorias, e com alto índice de moralidade, que só aprova a punição se ela for destinada ao outro, passando longe de sua família. Durkheim não acreditaria se visse a nossa estagnação.



[1] JÚNIOR, Antônio. Thammy Miranda estrela Dia dos Pais da Natura e campanha se torna alvo de ataques. Geek Publicitário. 27 de julho de 2020. Disponível em: <https://geekpublicitario.com.br/50648/thammy-miranda-dia-dos-pais-natura/>. Acesso em: 05 de ago. de 2020.

[2] POLÍCIA PRENDE DOIS SUSPEITOS DE TATUAR ‘LADRÃO’ EM ROSTO DE ADOLESCENTE EM SP. Folha de São Paulo. 10 de junho de 2017. Disponível em: <https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1892002-policia-prende-dois-suspeitos-de-tatuar-ladrao-em-rosto-de-adolescente-em-sp.shtml>. Acesso em: 05 de ago. de 2020.


Ana Paula Rodrigues Nalin

Direito - Noturno

A cultura do cancelamento social


Émile Durkheim, sociólogo do século XIX, em seu livro “A divisão do trabalho social” discorre sobre como a intensa individualização do trabalho leva à interdependência e à Solidariedade, que seria a real integração social. Em comunhão a estes preceitos, o sociólogo fala sobre o Direito restitutivo característico da modernidade. Este, diferentemente do direito punitivo (característico de sociedades pré-modernas ou menos modernas), pretende integrar os indivíduos à sociedade, restituir a ordem social evitando a anomia.

É sabido que o sistema de justiça criminal brasileiro pouco tem de restitutivo, ele se mostra na verdade extremamente punitivista, racista e até segregatório. Porém, não é somente no âmbito carcerário que tais características se fazem presentes. Em pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), foi constatado que o Brasil é o país que mais lincha no mundo, com mais de 1100 casos de 1980 a 2006 (período de vigência do estudo). De acordo com José de Souza Martins, professor da USP e autor do livro Linchamento: a justiça popular do Brasil, “Os linchamentos expressam uma crise de desagregação social [...] expressam o tumultuado empenho da sociedade em restabelecer a ordem [...] são claramente punitivos”1. Ora, é a mesma reflexão expressada por Durkheim, ao demonstrar o sentido duplo das penas punitivas: destrói aquilo que nos faz mal e conserva a ordem social.

Menos violento que os linchamentos, porém tão covarde quanto, temos a “cultura do cancelamento”2 na internet. Funciona de maneira bem simples: é preciso apenas expor o nome de uma pessoa e acusá-la de um ato impopular; não são necessárias provas. Os chamados “exposed” costumam tomar proporções gigantescas nas redes sociais.
Esta prática, a princípio, era direcionada a pessoas famosas e ocorria por diversos motivos, como por exemplo, a frequente acusação de transfobia a escritora J.K. Rowling3. Em alguns casos, o cancelamento é seguido de boicote, como ocorreu a blogueira Gabriela Pugliesi, que perdeu vários contratos logo após ser cancelada por dar uma festa durante a quarentena4.

No entanto, esta cultura tem tomado cada vez mais espaço e atingido pessoas comuns. Este ano, por exemplo, surgiram diversas contas no twitter que pretendiam “cancelar” fraudadores de cotas de acesso ao ensino superior. Porém, várias das acusações eram infundadas5 e apenas serviram para expor alguém, que posteriormente teve de provar sua inocência para um público desconhecido, como para um tribunal inquisitório das massas.

O grande problema do sistema carcerário brasileiro e de práticas como o linchamento e o cancelamento é intrinsecamente o mesmo: nenhum destes está realmente interessado na restituição da ordem social, na solidariedade. Pretendem apenas impor a punição, satisfazer o desejo de vingança, em uma reação passional a tudo aquilo que fere a “consciência coletiva”.
Tais características estão presentes nas sociedades menos complexas. Desta forma, é de se pensar que países como o Brasil ainda não alcançaram a solidariedade positiva do direito moderno, expressados pelos estudos de Durkheim.

Angela Severo dos Santos- Matutino

Referências
1) Grupos de Estudos e Pesquisas "Direito Penal e Democracia". Pesquisa constata que Brasil é o país que mais lincha no mundo. Disponível em: http://direitopenaledemocracia.ufpa.br/index.php/pesquisa-constata-que-brasil-e-o-pais-que-mais-lincha-no-mundo/#:~:text=Uma%20pesquisa%20do%20N%C3%BAcleo%20de,segundo%20lugar%20com%20204%20justi%C3%A7amentos. Acesso em: 04 ago.2020, 23:50:30
2)BBC NEWS Brasil. O que é a ‘cultura do cancelamento’. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53537542. Acesso em: 04 ago.2020, 23:50:30
3)El Pais. Ascenção e queda de J.K Rowling. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/cultura/2020-07-12/ascensao-e-queda-de-j-k-rowling.html. Acesso em: 04 ago.2020, 23:50:30
4)Uol. Como a cultura do cancelamento pode prejudicar sua marca?. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/colunas/2020/05/25/a-cultura-do-cancelamento-um-dos-perigos-das-redes-sociais-para-as-marcas.htm. Acesso em: 04 ago.2020, 23:50:30
5)Sá, Larissa. Se eu tenho a certidão?????????? Minha filha vc acha que eu provei a faculdade como???? É LÓGICO!!!!!!!!! Eu tenho aldeia, eu tenho foto, eu tenho vídeo, eu tenho documentos, eu to na funai!!!! Eu não posso pintar cabelo, não é?????. Pernambuco, 4 jun. 2020. Twitter: @laarissasa31. Disponível em: https://twitter.com/laarissasa31/status/1268490951380656129. Acesso em: Acesso em: 04 ago.2020, 23:50:30