No contexto da teoria funcionalista, desenvolvida pelo sociólogo Émile Durkheim no início do século XX, entende-se que o Direito funciona como um meio de legitimar as mudanças evolutivas na sociedade e, para além disso, regular o desenvolvimento de possíveis anomias, através da normatização e do poder coercitivo das sanções sociais e punições do âmbito jurídico.
Considerando esse fato e correlacionando-o com uma questão social da atualidade, a criminalização do racismo pode ser citada como um exemplo de coerção através da norma, com o objetivo de alterar determinada conduta da sociedade. Sabe-se que, historicamente, o racismo se construiu como ferramenta de sustentação da economia brasileira, a qual desde os primórdios esteve baseada na exploração da mão de obra negra em grandes latifúndios monocultores. A escravidão moldou não somente a economia brasileira, mas também o modo de pensar coletivo, de forma a construir as chamadas “convenções sociais” no país. Tais convenções, de acordo com a obra de Durkheim, manifestam sua importância na medida em que estabeleceram (e ainda estabelecem) um padrão social de comportamento – não necessariamente normatizado juridicamente. A resistência a esse padrão estaria sujeita a punições, tanto sociais (no âmbito da convivência comum), quanto judiciais.
Portanto, a punição, dentro da ótica Funcionalista, possibilita o poder coercitivo do fato social, ou seja, a ação de um indivíduo sobre outro a ponto de influenciá-lo. No caso do Direito, a punição tem a função de impedir o indivíduo de descumprir a lei vigente, considerando que será responsabilizado e penalizado por isso de diferentes formas. Ainda assim, o poder coercitivo do fato social e da norma jurídica não é suficiente para suprimir os conflitos recorrentes na sociedade, até mesmo no mundo contemporâneo.
Por exemplo, o racismo foi criminalizado somente em 1989, por meio da promulgação da Lei nº 7.716/89, prevista na Constituição Federal Brasileira. Essa lei definiu como crime a prática de discriminação racial ou étnica, prevendo penas desde reclusão de um a cinco anos até multa. Apesar disso, ainda hoje, o racismo é praticado nos mais diversos âmbitos, até mesmo dentro do Direito.
Em novembro de 2024, na cidade de Americana - SP, alunos da PUC-SP proferiram ofensas de cunho racial e preconceituoso contra estudantes da USP. O caso aconteceu durante os Jogos Jurídicos Estaduais. Logo após a repercussão do ocorrido na mídia, os alunos da PUC-SP foram demitidos de seus estágios em escritórios de advocacia renomados – ou seja, foi aplicada uma sanção social à conduta criminosa que tiveram – segundo reportagem da CNN Brasil. (Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/estudantes-da-puc-sao-demitidos-apos-caso-de-preconceito-contra-alunos-da-usp/. Acesso em: 10/04/2025, às 12h01). Outras sanções foram aplicadas ao grupo de alunos que cometeram o crime de racismo: pedido de expulsão dos alunos envolvidos no ocorrido direcionado à PUC-SP e realizado pelo Centro Acadêmico de Direito 22 de Agosto, do curso de Direito da PUC, e ação de inquérito policial protocolada por parlamentares do PSOL ao Ministério Público de São Paulo, para denúncia criminal dos autores das ofensas.
Analisando esse fato, conclui-se que a sociedade vive em constante processo de evolução e mudança. No entanto, esse não é um processo harmonioso ou organizado, pelo contrário, o conflito de interesses é inerente à convivência social. Por isso, ainda que o poder coercitivo exista, não se pode garantir o cumprimento das normas e dos padrões estabelecidos. Isso não quer dizer que o Direito esteja isento de seu papel essencial no funcionamento coeso do organismo social, ou que sua ação coercitiva não surta efeitos. Pelo viés da teoria de Durkheim, o Direito tem dever fundamental na instauração de mudanças efetivas na sociedade, através da aplicação das leis e suas respectivas punições, com o objetivo de regular a ação coletiva e alterar as condutas cotidianas, de modo a estabelecer novos padrões e evitar o fortalecimento de estados de anomia. Ou seja, dentro do Funcionalismo, o Direito é um dos mecanismos sociais que tem por função impedir que uma problemática alcance patamares maiores e passe a ameaçar o funcionamento da sociedade, trazendo um risco de desintegração – a chamada anomia.
Maria Vitória Silva - 1º Ano de Direito (Noturno)