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quinta-feira, 26 de setembro de 2019


Silente o legislativo, coube ao STF por meio da ADO 26/DF equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo tipificado pela Lei nº 7.716/1989 até aprovação de lei superveniente que tipifique tal conduta.
A Carta da República é límpida e reflete a máxima já consagrada no Codex Repressivo e cara aos criminalistas: não há crime sem lei prévia, e lei stricto sensu, considerado o diploma fruto do processo legiferante típico do legislativo. Entretanto, a omissão dolosa e manifesta de um poder constituído – com forte representação de setores esguios ao reconhecimento das pautas LGBT+ – contrariando um comando de criminalização constitucional, não constitui, per si, uma afronta à legalidade?
Em Kelsen, cujo apreço pelo direito posto é de comum conhecimento, a validade de uma ordem jurídica deriva do comando constitucional que a veda, prescreve ou permite. Nesse sentido, é forçoso deduzir que a morosidade dolosa de um poder constituído a quem é ordenado legislar agride a ordem constitucional tanto quanto o processo legiferante que despreza material ou formalmente as disposições da Magna Carta.
Superando essa leitura normativista, Santi Romano postula que o ordenamento jurídico transcende o simples depósito das normas postas, uma vez que esse ordenamento “engloba numerosos mecanismos e engrenagens, relações de autoridade e força que produzem, modificam, aplicam, fazem respeitar as normas jurídicas, sem se confundir com elas” (p. 69). Nesse sentido, as normas variam sem alteração do texto e sua aprovação, interpretação e revogação é mais o efeito do que a causa de uma modificação substancial do ordenamento (p. 69-70) e da consciência dos juristas, intérpretes e jurisdicionados.
Indo além, Michael McCann aponta o impacto direto das decisões judiciais nas demandas do judiciário. Uma decisão favorável mais que incitar novas demandas que visem assegurar semelhante direito, dissuadem condutas que a contrariam, inclusive fora do âmbito jurídico. Por meio dessa mobilização, o judiciário deixa de ser simples mediador de conflitos e se transforma em espaço de interação e disputa política e social, especialmente de grupos que não se vêm representados em mecanismos de expressão majoritária.
Exsurge, portanto, dessa função catalisadora de condutas e demandas de que o poder judiciário de reveste, a legitimidade em acusar – através da ADO, medida provisória que é até que tipificação positiva seja sancionada – a morosidade dolosa do legislativo em criminalizar a homofobia, a transfobia e qualquer conduta ou discurso que desqualifique ou diminua qualquer pessoa ou grupo por sua orientação sexual ou identidade de gênero.

KELSEN, Hans. Teoria  Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2019.
ROMANO, Santi. O Ordenamento Jurídico. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008.

Discente: Genilson Faria, noturno

A principal crítica a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal seria a de que houve ativismo judicial, e que além disso o Judiciário  teria atropelado o Legislativo, legislando desta forma. Saliento que não houve criação de lei nenhuma por parte do Supremo, porém reconhece-se a abertura de jurisprudência a ser seguida e de enquadramento na lei de racismo.
Não é novidade de que as minorias sofrem com a falta de representatividade no Congresso, onde dezenas de propostas de leis para que a homofobia seja criminalizada são criados, e imediatamente barrados por grupos identificados como "Bancada Evangélica" e "Bancada da Bala", este texto não trará a problematização da existência destas denominações e da existência destes grupos pois esta é outra discussão, mas, estes grupos partilham da agenda conservadora e muitas vezes barram projetos de lei que buscam proteger grupos vulneráveis como a comunidade LGBT+. No meio desta crise de representatividade, o povo brasileiro que possui um caráter subconsciente paternalista, procura uma figura de proteção e heroísmo, que agora, recai sobre os juízes, vide caso Sérgio Moro, porém juntamente com os heróis, nascem os vilões, temos conservadores acusando o STF de legislar a favor da esquerda e defendendo a queda do STF. 
Porém precisamos entender porque nossas leis não nos bastam e porque não são criadas novas, a falta de novas leis foi explicada no parágrafo acima, mas por que nossa Constituição não abarca todas as nossas necessidades? McCann traz em seu texto o contexto da criação da Constituição, feita por juristas que formaram seu pensamento crítico e/ou acadêmico no período de 1950-1970, época na qual não se falava em homossexualidade, que naquele período recebia a denominação homossexualismo pela OMS sendo tratada como patologia. O que acontece é que a época atual possui uma dinâmica totalmente diferente, mas ainda vivemos numa sociedade racista, misógina e homofóbica. 
Em vista de que temos um problema de representatividade social e um número crescente de mortes por LGBTfobia, o protagonismo do judiciário veio em hora certa, pois além de abrir precedente para a proteção deste grupo também alerta ao Legislativo sobre sua omissão em uma matéria tão importante. O projeto de conscientização não se faz suficiente, sendo que aqueles que matam LGBT´s não estão nas escolas, e também não podemos deixar que mais pessoas morram esperando uma reforma política.  

Lívia Cavaglieri - 1° Ano Direito - Matutino

O necessário protagonismo dos tribunais


Em uma das passagens do romance O Ateneu (1888), de Raul Pompeia, o diretor do internato homônimo ao livro, Aristarco, descobre por meio de um bilhete o relacionamento de dois alunos, Emílio e Cândido. Tal achado gerou uma das maiores punições vistas no colégio – os garotos foram humilhados publicamente e sofreram castigos físicos na sala do diretor. Publicado em um momento de transição entre o império e a república, a obra traz, pela primeira vez, um grupo homossexual a literatura brasileira, revelando ideais e valores homofóbicos presentes à época. Mais de cem anos após o título vir ao mundo, o Brasil tornou-se o 43° país a criminalizar a homofobia, revelando o atraso vivenciado em nossa nação, na qual muitos ‘’Aristarcos’’ ainda encontram espaços para disseminar seus preconceitos.
No dia 13 de junho de 2019, o Plenário do STF julgou a ADO 26 / DF, relatada pelo ministro Celso de Mello, e o MI 4733 de relatoria do ministro Edson Fachin. Por maioria, foi decidido que as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram nos crimes previsto pela Lei n° 7.716/2018. Entre os votos favoráveis a procedência dos pedidos, destaca-se o da Ministra Carmen Lúcia. Segundo a togada, a inércia do legislador brasileiro mostra-se evidente e inconstitucional, haja vista as recorrentes violências direcionadas a sociedade LGBT, culminando em inúmeras mortes a cada ano. Ainda, a magistrada destaca a necessidade da plenitude dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, fazendo-a valer na realidade prática dos cidadãos. Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio não deu procedência as ações, negando o mandado de injunção e dando procedência parcial a ADO. Segundo o juiz, o MI não é um instrumento processual adequado a ser utilizado em tal hipótese. Além disso, para o ministro, não houve omissão do legislador quanto à criminalização da homofobia. Ademais, o togado pontuou a não possibilidade de ampliação da Lei do Racismo, devido a taxatividade dos delitos expressos na mesma. Por fim, Marco Aurélio destacou a própria sinalização do STF para a necessária proteção dos grupos em questão como contribuição para o surgimento de uma cultura livre de preconceitos.
O advogado e professor americano Michael McCann, em seu estudo Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘’usuários’’, traz a mobilização do direito como estratégia de ação coletiva. Segundo o autor, a mobilização do direito constitui-se como as ações de indivíduos e grupos, a fim de realizar seus interesses. Assim, os tribunais passam a ver os usuários como sua essência, tornando o direito um recurso de interação política e social. Além disso, o advogado ressalta a não participação dos Tribunais na definição de ações judiciais dos cidadãos, contudo, reconhece a atuação ativa dessa instituição na delimitação de um panorama concernente as demandas judiciais em curso dos usuários.  Ainda, para o professor, a universalidade das instituições jurídicas, fazendo valer aos cidadãos seus direitos, é uma garantia fundamental, e funciona como indicador do vigor democrático de uma sociedade, bem como a capacidade das autoridades jurídicas de gerar atividade judicial em defesa dos direitos é uma medida de vitalidade.
Dessa forma, a inércia do Legislador frente a proteção e garantia dos direitos as pessoas da comunidade LGBT mostra-se evidente. Portanto, a intervenção do STF apresenta-se totalmente necessária, e acima de tudo, legítima. Como bem posto pelo McCann, os tribunais devem participar ativamente nas demandas judiciais da sociedade, logo, cabe perfeitamente a tais instituições abraçar as mudanças de pensamento desenvolvidas pela coletividade, sinalizando-as aos setores legislativos quando os mesmos mostrarem-se omissos.

Luan Mendes Menegão - 1° ano - Direito Matutino

Mobilização do direito e a ADO 26


O Supremo Tribunal Federal decidiu, neste ano, uma das questões mais comentadas: a criminalização da homofobia e transfobia. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), entendeu a homofobia e a transfobia como discriminações aos direitos fundamentais, garantidos na Constituição Federal.
A ação buscava suprir a mora do Congresso Nacional em relação a criação de uma lei que tipificasse o crime. Essa decisão gerou muitas divergências no julgamento, como por exemplo o Ministro Ricardo Lewandowski, que considerou a conduta de homofobia como algo que não poderia ser enquadrada como racismo pelo Poder Judiciário. Segundo ele,
A extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma penal incriminadora parece-me atentar contra o princípio da reserva legal, que constitui uma fundamental garantia dos cidadãos, que promove a segurança jurídica de todos”. (ADO 26/DF p. 19)
No entanto, a decisão da maioria foi pela criminalização e aplicação da lei de racismo. Uma forma de justificar esse enquadramento foi:
“O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.” (ADO 26/DF)
O autor Michael W. McCann, em sua obra “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’”, aponta o porquê o Judiciário possui o poder de decidir essas questões e quais são as implicações disso.
Os tribunais da modernidade assumem um papel de antecipar o futuro, como define Garapon, e suprir as demandas sociais que o poder político não é capaz. O Judiciário busca a proteção das minorias e a garantia do cumprimento do que está definido na Constituição Federal.
A partir das decisões do STF, é possível perceber o aumento da relevância da questão em diversas esferas sociais, assim como permite que os grupos minoritários tenham mais oportunidade de atingir a igualdade material. Ele, então, fornece recursos simbólicos para as mobilizações que, cada vez mais, buscam seus direitos. Portanto, a decisão do STF é de suma importância para a garantia dos direitos fundamentais da comunidade LGBTQI+ e para o alcance da igualdade material.

BEATRIZ FALCHI CORRÊA - DIURNO


É fato que o Brasil é um dos países que mais mata indivíduos LGBT+ no mundo. Assim, objetivando mudar tal panorama e promover a garantia dos direitos desses indivíduos, o STF promoveu a chamada “criminalização da LGBTfobia”, fato que assemelhou a discriminação em relação aos LGBT+ ao crime de racismo.
O fato, entretanto, foi polêmico. Muitos alegaram estar o STF, protetor da própria Constituição, sobressaindo-se a esta e ao poder Legislativo, já que é função desse último legislar. Porém, alguns fatos foram ignorados pelos indivíduos com esse tipo de pensamento: a constante transformação da sociedade, a consequente mobilização do direito e sua transformação.
A sociedade não é algo fixa ou estática. Estamos constantemente em transformação, assim como nossos valores e costumes. E como se sabe, uma das principais fontes do Direito são os costumes. Assim, nada seria mais óbvio do que a sua própria transformação. Todavia, muitas vezes, é a criação do Direito e de suas leis – e sua omissão em muitos casos - usada como modo de conservação da ordem vigente e como modo de dominação, o que cria obstáculos para tal transformação.
Observa-se, contudo, a partir da metade do século passado um movimento de aumento dos poderes do tribunais e, por conseguinte, de sua influência política que vai no sentido contrário desse uso do Direito. Segundo McCann, tal fenômeno está associado à mobilização do direito. Essa refere-se às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. Com o aumento dessa mobilização, há um deslocamento do enfoque dos tribunais para os indivíduos e transforma o Direito em um meio de interação política e social.
Assim, os tribunais não seriam apenas um solucionador de conflitos, mas sim mais um ator nas relações de poderes. Entretanto, não é sua função essencial estabelecer regras a serem seguidas.
Portanto, em face da omissão do Legislativo em relação a tal problemática e a garantia desses indivíduos, a ação do STF, nesse caso, foi totalmente legal e legítima, já que não seria uma forma de legislar, mas sim de dar sinais aos demais atores, como o Legislativo, de que o pensamento da consciência coletiva está mudando e que, consequentemente, deve o Direito adaptar-se a ela, e não o oposto. Nas palavras do próprio McCann,
Os tribunais não determinam as ações judiciais dos cidadãos e organizações, mas ajudam, de modo ativo, a traçar o panorama ou a rede de relações na qual se encontram as demandas judiciais em curso dos cidadãos e organizações.


Bianca Garbeloto Tafarelo - 1º ano Direito Matutino

A Mobilização do Direito


A homofobia e transfobia são e sempre foram um problema constante e generalizado no Brasil. Entretanto, essas questões muitas vezes não são reconhecidas com o devido rigor e atenção que elas merecem. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), é verificado que o Brasil é o país que contém a maior quantidade de registros de crimes homofóbicos no mundo, além disso, é constatado que a nação brasileira é a que mais mata pessoas transexuais. Assim, entende-se que os indivíduos homossexual e transexual são diariamente expostos a discriminação e por muito tempo nada de concreto foi feito para reverter essa situação.
Entende-se que a homofobia é considerada, conforme a teoria tridimensional do fato de Miguel Reale, um fato que a partir dos crimes de ódio cometidos por pessoas lgbtfóbicas adquire um valor no qual irá gerar uma norma.  Todavia, durante anos houve uma omissão da sociedade e do corpo institucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia, apenas em 2019 providencias judiciais foram tomadas para combater esses atos.  Conforme julgado na ADO 26, ficou prevista a criminalização da homofobia por se tratar de ações que vão contra a dignidade humana.
            De acordo, com a ADO 26, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Além do mais, houve a determinação que essas condutas fossem punidas pela Lei de Racismo (Lei 7716/89), já que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis. Com isso, percebe-se que feitos vão contra determinada orientação sexual ou identidade de gênero são contra o Estado Democrático de Direito, no qual deve garantir os direitos fundamentais e naturais de todos os cidadãos.
            Com essa decisão judicial, fica claro, também, que o sistema judiciário vem exercendo um papel cada vez mais importante na política nacional e internacional, nota-se que a decisão dos juízes vem ganhando peso sobre um amplo conjunto de questões, como no tratamento das minorias, gerando cada vez mais direitos sociais, como afirma o autor McCann. Segundo a sua teoria, há cada vez mais a mobilização do direito, que consiste em dar enfoque, além dos tribunais, para o sujeito que possui consciência dos seus direitos, cada vez mais há ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. Depreende-se, ademais, que essa mobilização cria efeitos institucionais, como aconteceu com a criminalização da homofobia, uma vez que muda ou cria leis, altera o uso das leis e isso acarreta efeitos sociais, pois, altera comportamentos, interfere no pensamento e ideias sobre questões comuns.
            Portanto, compreende-se que a criminalização da homofobia feita pelo sistema judiciário brasileiro pode ser relacionada com a teoria de McCann, já que se concebe uma expansão dessa instituição. A mobilização do direito é uma forma de emancipa-lo, porque, utiliza o direito como forma de alteração política e social. Assim, os indivíduos ao tomar consciência de seus direitos, deixam a sociedade mais complexa e passam a cobrar os tribunais para remediar essas questões que ferem os princípios sociais, atribuindo, então, mais poderes ao sistema.

Laura Santos Pereira de Castro - matutino

O papel do judiciário nas mudanças sociais


Uma das decisões do Supremo Tribunal Federal mais comentadas no início de 2019 foi a questão da criminalização específica de formas de homofobia e transfobia, mais especificamente ofensas, homicídios, agressões, ameaças e discriminações motivadas pela orientação sexual ou identidade de gênero. O debate foi movido, em 2012 e 2013, pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e o Partido Popular Socialista (PPS). As ações demandaram, principalmente, que as atitudes de ódio sejam reconhecidas como um atentado à liberdade, uma legislação criminal específica para o tema com prazo definido para ser incorporada, bem como a indenização das vítimas de homo e transfobia. A decisão foi favorável no sentido de enquadrar tais crimes na legislação que versa sobre o racismo, sinalizando ao Senado Federal a mora legislativa para que as devidas medidas sejam adotadas.
Michael W. Mccann, no artigo “Poder judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários” trata da questão da expansão da influência do poder Judiciário em decisões de cunho social, mais especificamente em consonância com a ADO em questão, da proteção das minorias. Segundo a teoria funcionalista, tal fenômeno ocorre devido a posição privilegiada dos tribunais para solucionar problemas de ação coletiva. De fato, a sinalização do STF da mora legislativa foi um passo extremamente simbólico e importante na luta contra a LGBTfobia. Sob a ótica das teorias da demanda, tal requerimento advém da “revolução dos direitos”, determinações emanadas da advocacia socialmente organizada. Em ambas análises, fica claro que, como observado no julgado em questão, há o início da mobilização dos tribunais para a resolução de demandas sociais que, até então, vinham sendo ignoradas.
O autor afirma, em se tratando do conceito de mobilização do direito, que os tribunais são importantes pois configuram o cenário no qual os usuários da justiça se engajam em mobilizar o direito para responder às demandas sociais e aos interesses e valores das minorias. A atitude do Supremo frente ao requerimento da criminalização da homofobia é consoante com tal assertiva, em nível de que se trata de um reconhecimento judicial de uma questão tão importante e latente na sociedade brasileira, que finalmente, com o movimento inicial do STF, começa a caminhar para uma solução, ainda que a plena realização perpasse por mudanças sociais urgentes.  
Finalmente, Mccann aborda o papel dos tribunais na construção de significados jurídicos, com o Direito sendo ao mesmo tempo um conjunto de entendimentos e valores portados pelos usuários, bem como um conhecimento instrumental para alcançar os fins propostos. Para o autor, os tribunais influenciam no modo de pensar e agir das sociedades, propondo uma participação conjunta e mobilização da lei no cotidiano. Nesse sentido, a decisão do STF seria importante para a mudança social referida pelo ministro Ricardo Lewandowski em seu voto, afirmando que tal é o ponto de partida para o alcance pleno das reivindicações dos grupos LGBTs.


Julia Martins Rodrigues- 1º ano (diurno)

Criminalização da LGBTfobia: visibilidade ou punitivismo ineficaz?


O Artigo 5º, inciso XLI da Constituição Federal Brasileira prevê que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Em 2013, o Deputado Federal Roberto João Pereira Freire, do PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão que demandava a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, alegando que tal acolhimento pelo STF corresponderia a um ato de dirigismo constitucional, justamente pelo conteúdo contido no mencionado art. 5º XLI.
A Ação alega responsabilidade civil do Estado Brasileiro em indenizar pessoas vítimas de homofobia e transfobia, considerando que haveria uma proteção deficiente por parte do poder legislativo, o qual se recusava a votar projeto de lei para criminalização deixando as temáticas LGBT no que Freire considera um limbo deliberativo. Desta forma, a argumentação da Ação reside na necessidade de ação contra majoritária do Judiciário, alegando que o Legislativo estaria negligenciando as demandas da minoria parlamentar em favor de uma maioria déspota. Assim, o princípio democrático estaria sendo ferido e o Judiciário teria o dever de fazer jus à supremacia constitucional, garantindo o direito às liberdades fundamentais e à não discriminação das pessoas LGBT.
A problemática, que tem como causa valores culturais, religiosos e sociais fortemente penetrados na construção histórica da organização social brasileira, está, através de tal Ação, buscando solução em âmbito penal. A obra McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários” serve como base para o que está sendo aqui discutido. A mobilização do direito como estratégia política é ideia central do texto, e nesta Ação se tem exemplo clássico de tal manifestação. Questiono, no entanto, se a criminalização visaria o efetivo combate ao preconceito, com a ideia de McCANN de que a passagem de determinados temas no tribunal se expressaria como ganho de força e legitimidade às questões sociais, ou se tal ação resultaria, na prática, em um aumento da população carcerária e alimentação do ciclo ineficaz da pena privativa de liberdade no Brasil.
McCANN nos faz pensar que o Judiciário teria o poder de traçar às pessoas uma ignição para ação política, à medida que o espírito da lei penetra no seio da sociedade, até mesmo nas classes mais baixas. Entretanto, há que se considerar que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com alto índice de reincidência, superlotação nas penitenciárias e ineficácia de projetos de reinserção social. Quando a este último aspecto, contraponho a ideia de McCANN a respeito do poder legal de legitimar ou deslegitimar determinadas condutas e o fato concreto de que o sistema prisional no Brasil apenas reforça a inserção das pessoas no universo criminal e negligencia o oferecimento de perspectivas de vida fora do crime no pós cárcere.
Diante deste cenário, considero que o problema da LGBTfobia não seria resolvido dentro do ambiente inquestionavelmente hostil das prisões deste país. Sabe-se, inclusive, que os índices de estupro contra homossexuais nas cadeias é alto, e que não há qualquer política do conscientização das problemáticas preconceituosas nem em esfera do cárcere, e muito timidamente na esfera social fora dele. 
Pontuo ainda que há um seletivismo penal no Brasil, que encarcera principalmente jovens negros e de baixa renda. Sabe-se que a LGBTfobia não é exclusiva de determinado grupo social, mas há uma naturalização da intocabilidade das classes mais altas, que muito provavelmente não teriam suas ações LGBTfóbicas criminalizadas (como já te tem exemplo de manifestações públicas de preconceito por parte de políticos, e não houve responsabilização judicial por isso). O Estado tem, portanto, uma política exclusivamente punitivista, e não se faz presente em atuações de base como educação, saúde e lazer que culminariam em uma conscientização social de respeito à diversidade. Considero assim a criminalização uma medida de culpabilizar pessoas que nunca sentiram a presença do Estado para sua proteção, e que vem, à posteriori, encarcerá-las, mostrando assim sua presença. A questão da LGBTfobia deve ser discutida em âmbito escolar, familiar e não pode mais ser negligenciado pelo Sistema Legislativo. Além disso, considero a urgência de se repensar o sistema prisional e as políticas de reinserção social das pessoas encarceradas.
Carolina Juabre Camarinha. Matutino