Para o jurista
português Boaventura Santos a revolução democrática da justiça ocorre quando
classes oprimidas usam o direito como instrumento emancipatório para alcançar
uma justiça mais cidadã e combater privilégios que conferem maior
abrangência de direitos para os 1% mais ricos em detrimento dos outros 99%. No
campo da luta por direito à terra, verifica-se no brasil históricos conflitos,
tendo em vista sua desigual distribuição, marcada pela concentração
latifundiária. Daí partem reivindicações que atendam a lógica da reforma
agrária e se apoiam na esfera judiciária.
Neste contexto
aplica-se o julgado do agravo de instrumento interposto por Plínio Formighieri
e Valéria Formighieri, contra a decisão judicial que, nos autos da ação de
reintegração de posse endereçada contra Loivo Dal Agnoll e outros, indeferiu a
liminar reintegratória da fazenda Primavera ocupada por agricultores sem terra.
O magistrado a analisar o caso assentou a necessidade da demonstração do
atendimento, pela propriedade, de sua função social. Viu conflito de direitos
patrimoniais e pessoais, e considerou a reduzida parcela da área rural
invadida. Inobstante ser produtiva, a área não cumpre sua função social,
circunstância esta demonstrada pelos débitos fiscais que a empresa proprietária
tem perante a União. Imóvel penhorado ao Instituto nacional de Seguro Social –
INSS. Dessa maneira, ocorreu a prevalência dos direitos fundamentais das 600
famílias acampadas em detrimento do direito patrimonial de uma empresa.
O julgado apresentado
é um exemplo do que Boaventura nomeia direito reconfigurativo “um direito em
processo de ser utilizado de modo a alterar as relações de poder e a
reconfigurar a correlação de forças na sociedade”, afinal o movimento dos
trabalhadores rurais sem terra (MST) fez uso de algumas estratégias judiciais
elencadas pelo jurista, como a apelação para reinterpretação da lei
constitucional e processual ou pela prevalência dos direitos humanos sobre os
direitos de propriedade, a fim de alcançar melhor distribuição agrária em um
país onde as terras concentram-se nas mãos dos 1%.
Ademais, Boaventura
argumenta que o direito reconfigurativo está subjacente ao uso de uma
hermenêutica anti-hegemônica, isso é, “criar uma jurisprudência de soluções
favoráveis a luta pela terra e pela justiça social”. Nesse sentido, os
magistrados ao analisar o caso optaram por extrair do direito positivado sua
verdadeira concepção teleológica, revisando e adequando conceitos para melhor
atender a função social da propriedade, que como princípio fundamental
estabelecido na Constituição Federal (arts. 5o, incs. XXIV a XXX, 170, incs. II
e III, 176, 177, 178, 182, 183, 184, 185, 186, 191 e 222) deve sobrepor outros
regimentos jurídicos como o Código de Processo Civil, em seus artigos 926 a
933.
Através desse
constitucionalismo transformador caminha-se para o que Boaventura considera
democracia real “um regime político que efetivamente promove a igualdade
política, social e econômica e o respeito pela igualdade na diferença,
transformando relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada
na sociedade como um todo e não apenas no domínio político”. Logo, o MST
conquistou ao ocupar o direito ampliação do acesso à justiça para centenas de
indivíduos social e economicamente desfavorecidos.
Bruna M. Conceição turma XXXV - noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário