Em 2011, a ADPF 4.277 (Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental) foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, a qual
concedia aos casais homoafetivos o direito a uma união formal com as mesmas
garantias dadas aos casais heterossexuais. Por mais que tal decisão tenha
causado uma grande repercussão nacional, além de representar um significativo
avanço para a comunidade LGBT, ela não foi bem aceita pela população brasileira
que, majoritariamente, denota-se muito ligada à religião e seus dogmas. As
mudanças estruturais na sociedade estão cada vez mais evidentes, principalmente
quando analisadas na esfera familiar e, por isso, a falta de direitos que
acompanhem essas alterações sociais acaba pesando muito. De fato, na época,
mesmo a população brasileira não se apresentando socialmente adepta a tais
mudanças por cultivarem costumes e vidas conservadoras, não houve impedimento ao
direito em acompanhar as alterações e atender a reivindicação de uma minoria
depois de um longo período vivendo à margem na sociedade. Assim, é necessário
compreender que os movimentos sociais são a melhor maneira dos indivíduos que
não se reconhecem representativamente no direito alcançarem a verdadeira justiça
pela igualdade, se baseando no meio material em que vivem para atingirem o meio
formal, objetivando a redução progressiva dos abismos e preconceitos sociais.
Na extraordinária obra “A Luta por Reconhecimento”
de Axel Honneth – filósofo e sociólogo alemão reconhecido por compor a terceira
geração da insigne Escola de Frankfurt – se vê explanado de forma bastante
minuciosa as imperiosas questões de caráter primordial no que concerne as
garantias que se voltam para a dignidade moral dos indivíduos dentro de uma
sociedade. Honneth, no decorrer de seus estudos, considera que os movimentos
sociais, as lutas factuais que seriam responsáveis pela incessante busca por
reconhecimento na esfera do amor e da honra privada, seriam os motivos imbuídos
de uma caráter verídico e efetivo no concerne ao conflito pelo reconhecimento
frente ao todo, ao social. Sua principal realização, a chamada “Teoria do Reconhecimento”,
embasada, essencialmente, nos escritos da primeira fase de Hegel, enquanto este
ainda era jovem, se relacionam, portanto, com a emergente necessidade de
compreender que reconhecimento significaria um meio essencial, utilizado para
conceder identidade ao indivíduo que teria, em si, o sentido de liberdade
individual e autonomia.
Axel Honneth aborda uma discussão acerca da luta pelo reconhecimento
iniciada por indivíduos lesados socialmente e que, ao encontrarem outros
sujeitos que sofrem com a mesma lesão, obtêm a base para um movimento de luta
social. Tal reconhecimento é composto por três dimensões: primeiramente pelo amor, que advém da relação
amorosa com os pais e que possibilita o desenvolvimento da autoconfiança do ser
(esta dimensão é a base para o reconhecimento individual, porém, caso seja
desrespeitada unicamente, não levará a uma luta por reconhecimento); a segunda
dimensão é pelo direito que promove o autorrespeito, uma vez que o indivíduo se
vê como igual aos outros por estar submetido a uma mesma lei aplicável à toda
sociedade; por fim, mas não menos importante, a terceira dimensão é pela
solidariedade, na qual o indivíduo adquire a autoestima por meio do reconhecimento
de suas características pessoais por seus pares. As duas últimas dimensões,
quando desrespeitadas, levam a um profundo problema de reconhecimento
individual que pode impulsionar uma luta por reconhecimento, caso seja colocado
em coletivo.
O movimento LGBT é um exímio exemplar das lutas
pelo reconhecimento. Muitos de seus participantes não têm sua moral e modo de
vida aceitos, justamente por destoarem dos padrões de relacionamentos
estabelecidos. O corpo social não reconhece o que é ser homossexual, agindo por
isso de forma preconceituosa, não atendendo as demandas do grupo e não fazendo
valer os direitos comuns a qualquer cidadão, como a liberdade.
O julgado da união homoafetiva é outra
exemplificação prática e positiva dessa luta por reconhecimento. Como o
ministro Marco Aurélio abordou em seu discurso, o Brasil é considerado um dos
países com maior número de casos de violência ligado à homofobia, de forma a
proporcionar mais de 100 casos de homicídios anuais de homossexuais. Esse dado
demonstra a ocorrência de um desrespeito tanto pelo direito, que é evidenciado
pelo avanço do conservadorismo, que tem como porta-vozes representantes
religiosos e pastores (como Marco Feliciano), que mesmo emitindo opiniões
preconceituosas, assumem cargos importantes que impedem a tramitação de
propostas de avanços dos direitos sexuais e reprodutivos (ou seja, não
asseguram proteção legal aos homossexuais); quanto pela solidariedade, uma vez
que a sociedade brasileira se mostra extremamente homofóbica de modo a desrespeitar
os homossexuais por sua orientação sexual (ou seja, por uma característica
pessoal).
O reconhecimento visa a igualdade, gozando dos
mesmos direitos que os demais, independentemente de sua orientação sexual, os
homossexuais se sentem integrados em sociedade. Quando o Estado não reconhece a
União Homoafetiva, priva os homossexuais de direitos, menosprezando a
identidade dos mesmos e desrespeitando a segunda esfera do reconhecimento. A
sociedade, ao insultá-los e os violentarem física ou psicologicamente, também desrespeita o amor e a solidariedade, diminuindo a autoconfiança
e autoestima deles. O desrespeito inicia essa luta social, que ocasiona em mudanças sociais, como o reconhecimento da União Homoafetiva.
Destarte, a luta por reconhecimento nesse caso
resultou na devolução da dignidade ao indivíduo e no aumento da liberdade do
sujeito social, nivelando o direito a todos os cidadãos. As lesões individuais
então, são capazes de formar um movimento e, para além disso, de conquistar
garantias e reivindicações. Ademais,
esse fato demonstra como é necessária a atuação dos movimentos sociais na
aquisição e efetivação de direitos à população historicamente desrespeitada,
sendo imprescindível e impreterível o engajamento na luta em busca do respeito.
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