O campo jurídico é um espaço de conflito
entre dois Direitos coexistentes e antagônicos, a norma preeminente e que atua
na ordem social é a representante dos interesses dos 1 % da sociedade
brasileira que suprime a possibilidade de ascensão de um direito mais democrático
e subversivo que pertence aos 99% da população que está sujeita a esse
cenário de desigualdades e injustiças no ineficiente Estado de direito
brasileiro. Boaventura de Souza Santos parte da análise dessa realidade
material para compreender as possibilidades de efetivação e transformação de
direitos do plano normativo através de um direito emancipatório.
O acesso a justiça toma protagonismo em
sua análise ao ser reconhecido sua importância nesse cenário conflituoso, a justiça passa
a representar uma possibilidade de revolução democrática nessa estrutura em que
a indignação predomina, assim Boaventura (2016, p.357) reconhece a possibilidade
de ocupação do Direito por uma visão dos 99%:
“Uma das características
principais desta teoria é a ideia de que, em determinadas condições, o direito
pode ser usado para promover a transformação social progressista, aquilo que
tenho vindo a designar por uso contra-hegemônico do direito.”
Essa
visão emancipatória se dá pela consideração de um sistema semiautônomo do
Direito que não se restringe somente a reparar e resolver conflitos advindos da
desigualdade material mas também se propõe a criar novas perspectivas sociais
no âmago normativo do nosso Direito ao incluir um novo rol de jurisprudência
composto por soluções novas e favoráveis a causas sociais. Um exemplo de
surgimento cada vez mais constante de um jurisprudência emancipatória é o caso
da Fazenda Primavera no Rio Grande do Sul em que o grupo MST ocupou legitimando seu ato por meio da ferramenta jurídica de maior destaque e
respeito, a Constituição Federal.
O que
decorreu na Fazenda Primavera não se tratou de uma usurpação de patrimônio mas um
conflito de direitos, de um lado um terreno ocioso que não cumpre sua função
social e de outro um possível local de residência de inúmeras famílias carentes,
tal gesto político e jurídico criou uma porta de entrada na atuação dos 99% no
campo jurídico ao reclamar um direito reconfigurativo que demanda a reparação
de danos por uma relação desigual de poder, essa atitude provocou uma postura
proativa na defesa de interesses sociais suprimindo a visão hegemônica de um
direito individualista como o próprio relator Des. Carlos Rafael dos Santos
Junior admite: “Nessa atividade,
muitas vezes, de há de buscar novos rumos, não nos satisfazendo com a
interpretação jurídica tradicional”.
Ao final do caso prevaleceram os
direitos humanos sobre os direitos de propriedade, a ocupação do Direito
tradicional reconheceu os direitos fundamentais como prioritários perante os
direitos patrimoniais reafirmando a possiblidade emancipatória discorrida por
Boaventura e defendida pelo seu discurso de proatividade social nessa conquista.
Referências:
SANTOS,
Boaventura de Sousa. As Bifurcações da
Ordem: Revolução, Cidade, Campo e Indignação. São Paulo: Cortez, 2016.
(Cap. 6 – “O MST e as suas estratégias jurídico-políticas de acesso ao direito
e à justiça no Brasil”, p. 305-339; Cap. 7 – “Para uma teoria sociojurídica da indignação:
é possível ocupar o direito?”, p. 343-373)
Carlos Alberto Lopes Lima – Turma XXXV
– Direito Noturno
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