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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Revolução democrática de justiça: há laços sintônicos entre o Direito e a terra?


         Em 6 de novembro de 2001 foi julgado um caso análogo ao do Pinheirinho, contudo, a história possui um desfecho diferenciado: não houve a reintegração de posse ao proprietário do imóvel. Plínio Formiguieri e Valéria F. ajuizaram um agravo de instrumento contra uma decisão anterior; o objetivo desse agravo era pedir a decretação de uma liminar de cunho suspensivo sob a ocupação realizada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra).
         Destarte, após explicar o acontecido, resta ao presente autor que relacione todo esse tramite jurídico às ideias do Jurista e sociólogo Boaventura de Sousa Santos presentes no seu livro “As Bifurcações da Ordem: Revolução, Cidade, Campo e indignação”.
         Nesse livro, o sociólogo português discorre sobre as possibilidades emancipatórias do Direito: no capítulo seis, ele possui uma visão – ainda que pouca – da emancipação social pelo Direito; já no sétimo capítulo ele adere ao livro uma postura mais pessimista, por conta dos novíssimos movimentos sociais (são efêmeros e comuns em uma sociedade pós-industrial; são revoltas da indignação, segundo o autor). Essa diferença entre os capítulos é expressa sob o viés social: de início, Boaventura diz que pode haver uma revolução democrática da justiça a partir do que está positivado, já na outra diz que o sistema deve ser reformado.
         Em primeira análise, posso caracterizar a decisão judicial do caso “fazenda primavera” como oriunda de um sistema normativo semiautônomo, pois, nesse caso, o judiciário assume - em partes - sua responsabilidade no que tange a desigualdade socioeconômica. Já no primeiro caso estudado (Pinheirinho), o sistema jurídico pode ser classificado como autônomo, pois o tribunal não tentou garantir que a justiça social seja concretizada e, por conta disso, não conseguiu suprir a zona abissal entre o Direito e a realidade social.
         Ainda no capítulo seis de seu livro, posso relacionar ao julgado o seguinte aspecto: a interpretação. Uma forma de suprir a zona abissal entre o Direito e a massa, anteriormente citada, é o uso de uma abordagem hermenêutica contra-hegemônica do Direito. Ou seja, como Boaventura adquire uma visão marxista acerca do Direito – em minha visão – ele considera que ele pode ser um instrumento de sujeição da classe dominada à dominante, com isso é deixado explícito que é possível reverter esse impasse maleando as normas do ordenamento jurídico vigente para se adequar à seara da justiça social.
         Outro ponto importante, que é exposto no seu livro, é que se o Estado Democrático de Direito fosse levado a sério, não existiria tantas desigualdades. Uma consequência direta a isso é a diminuição dos movimentos ocupacionais, como o MST. Fio-me que se o Estado Democrático tivesse sua importância e seu poder bem definido na época anterior ao julgamento do caso, a ocupação não teria sido realizada pelo MST, pois não haveria necessidade.
         Ademais, pode-se citar aqui uma definição do que é e o que forma o Direito para Boaventura: é uma constante tensão entre a regulação e a emancipação. Emancipação a serviço da supressão da desigualdade e a regulação como aparato mediador. Essa análise de Boaventura pode ser claramente aplicada ao caso aqui estudado – e não apenas ele.
         Com o exposto nos parágrafos acima, há de ser concluir que existe uma dialética jurídica: de um lado existe o direito do 1%, do outro, o dos 99%. Fazendo esforços contínuos para a emancipação social, alcançaremos o estágio de justiça social, onde não há apenas uma igualdade formal, mas também material. Mas há a dúvida: como lutar e forma eficiente para alcançar a justiça social? Boaventura diz que os grupos com interesses comuns devem se unir em forma de ONGs (Organizações não Governamentais) ou em grupos autônomos e fazer uso de estratégias jurídicas e sociais: o que é visto no MST, que estava compondo uma das partes do processo.
         O MST possui advogados populares que advogam para causas sociais, como acontece no caso “Fazenda Primavera”, formando uma estratégia jurídica. As estratégias sociais visam sensibilizar a população, fazendo manifestações, apelos, jejuns etc. Com toda essa estruturação, é feito pressões institucionais, assim, tentando ocupar o Direito e suprir suas lacunas com a realidade.
         Por fim, para cessar este texto com maestria e consistência, o presente autor irá incrementar nesta discussão os diferentes tipos de Direito segundo Boaventura e relacioná-los com a sociedade. Existe o Direito Configurativo, que reflete as relações de poder nas comunicações interpessoais: se as relações sociais forem desiguais, o direito será igual (o Direito que é visto no caso do julgado Pinheirinho). Há o Direito reconfigurativo, Direito este que tenta moldar as relações de poder, podendo promover uma equivalência (este pode ser visto no julgado Primavera, pois o judiciário procurou colocar na “balança” os pesos das partes do processo, suprimindo, assim, aquela disparidade entre o direito do 1% e o direito dos 99%). Por fim, há o Direito Prefigurativo, este dá bases presentes para algo futuro.
        
Bruno A. Curti - Direito noturno
        
        
        

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