Em 6 de novembro de 2001 foi julgado um
caso análogo ao do Pinheirinho, contudo, a história possui um desfecho
diferenciado: não houve a reintegração de posse ao proprietário do imóvel. Plínio
Formiguieri e Valéria F. ajuizaram um agravo de instrumento contra uma decisão
anterior; o objetivo desse agravo era pedir a decretação de uma liminar de
cunho suspensivo sob a ocupação realizada pelo MST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra).
Destarte, após explicar o acontecido,
resta ao presente autor que relacione todo esse tramite jurídico às ideias do
Jurista e sociólogo Boaventura de Sousa Santos presentes no seu livro “As
Bifurcações da Ordem: Revolução, Cidade, Campo e indignação”.
Nesse livro, o sociólogo português
discorre sobre as possibilidades emancipatórias do Direito: no capítulo seis,
ele possui uma visão – ainda que pouca – da emancipação social pelo Direito; já
no sétimo capítulo ele adere ao livro uma postura mais pessimista, por conta
dos novíssimos movimentos sociais (são efêmeros e comuns em uma sociedade
pós-industrial; são revoltas da indignação, segundo o autor). Essa diferença
entre os capítulos é expressa sob o viés social: de início, Boaventura diz que
pode haver uma revolução democrática da justiça a partir do que está
positivado, já na outra diz que o sistema deve ser reformado.
Em primeira análise, posso caracterizar a decisão
judicial do caso “fazenda primavera” como oriunda de um sistema normativo
semiautônomo, pois, nesse caso, o judiciário assume - em partes - sua
responsabilidade no que tange a desigualdade socioeconômica. Já no primeiro
caso estudado (Pinheirinho), o sistema jurídico pode ser classificado como
autônomo, pois o tribunal não tentou garantir que a justiça social seja concretizada
e, por conta disso, não conseguiu suprir a zona abissal entre o Direito e a
realidade social.
Ainda no capítulo seis de seu livro,
posso relacionar ao julgado o seguinte aspecto: a interpretação. Uma forma de
suprir a zona abissal entre o Direito e a massa, anteriormente citada, é o uso
de uma abordagem hermenêutica contra-hegemônica do Direito. Ou seja, como
Boaventura adquire uma visão marxista acerca do Direito – em minha visão – ele
considera que ele pode ser um instrumento de sujeição da classe dominada à
dominante, com isso é deixado explícito que é possível reverter esse impasse
maleando as normas do ordenamento jurídico vigente para se adequar à seara da
justiça social.
Outro ponto importante, que é exposto
no seu livro, é que se o Estado Democrático de Direito fosse levado a sério,
não existiria tantas desigualdades. Uma consequência direta a isso é a
diminuição dos movimentos ocupacionais, como o MST. Fio-me que se o Estado
Democrático tivesse sua importância e seu poder bem definido na época anterior
ao julgamento do caso, a ocupação não teria sido realizada pelo MST, pois não
haveria necessidade.
Ademais, pode-se citar aqui uma
definição do que é e o que forma o Direito para Boaventura: é uma constante
tensão entre a regulação e a emancipação. Emancipação a serviço da supressão da
desigualdade e a regulação como aparato mediador. Essa análise de Boaventura
pode ser claramente aplicada ao caso aqui estudado – e não apenas ele.
Com o exposto nos parágrafos acima, há
de ser concluir que existe uma dialética jurídica: de um lado existe o direito
do 1%, do outro, o dos 99%. Fazendo esforços contínuos para a emancipação
social, alcançaremos o estágio de justiça social, onde não há apenas uma
igualdade formal, mas também material. Mas há a dúvida: como lutar e forma
eficiente para alcançar a justiça social? Boaventura diz que os grupos com
interesses comuns devem se unir em forma de ONGs (Organizações não
Governamentais) ou em grupos autônomos e fazer uso de estratégias jurídicas e
sociais: o que é visto no MST, que estava compondo uma das partes do processo.
O MST possui advogados populares que
advogam para causas sociais, como acontece no caso “Fazenda Primavera”, formando
uma estratégia jurídica. As estratégias sociais visam sensibilizar a população,
fazendo manifestações, apelos, jejuns etc. Com toda essa estruturação, é feito
pressões institucionais, assim, tentando ocupar o Direito e suprir suas lacunas
com a realidade.
Por fim, para cessar este texto com
maestria e consistência, o presente autor irá incrementar nesta discussão os
diferentes tipos de Direito segundo Boaventura e relacioná-los com a sociedade.
Existe o Direito Configurativo, que reflete as relações de poder nas
comunicações interpessoais: se as relações sociais forem desiguais, o direito será
igual (o Direito que é visto no caso do julgado Pinheirinho). Há o Direito
reconfigurativo, Direito este que tenta moldar as relações de poder, podendo
promover uma equivalência (este pode ser visto no julgado Primavera, pois o
judiciário procurou colocar na “balança” os pesos das partes do processo,
suprimindo, assim, aquela disparidade entre o direito do 1% e o direito dos
99%). Por fim, há o Direito Prefigurativo, este dá bases presentes para algo
futuro.
Bruno A. Curti - Direito noturno
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