O Brasil é um país cujo passado
histórico remonta a problemáticas ligadas à propriedade e à posse de terrenos.
No século XIX, com o avanço do capitalismo industrial, a terra, tradicionalmente
vista como símbolo de distinção social, tornou-se alvo da mercantilização, fato
que resultou em seu uso integrado à economia, exigindo que seu potencial
produtivo fosse explorado ao máximo. Em 1850, foi aprovada a Lei de Terras, cujo
intuito inicial era estimular a imigração – uma vez estipulado o fim do tráfico
negreiro, era necessário substituir a mão de obra escrava pela livre, no caso,
a de imigrantes. Entretanto, ao mesmo tempo que tal positivação transformou
terra em mercadoria, também consolidou a posse da mesma por antigos
latifundiários, a medida que abriu precedentes para sua respectiva grilagem,
aspecto que formalizou as bases para a desigualdade social e territorial
presente hodiernamente na nação.
Em função da instituição de um
modelo agrário concentrador e excludente nas raízes da economia brasileira ,
estruturou-se o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a partir de
1984, objetivando a concretização da Reforma Agrária. Assim, o movimento luta
pela desapropriação dos latifúndios em posse de multinacionais e de todos
aqueles que estiverem improdutivos, articulando, inclusive, ocupações para
materializarem seus interesses. Um caso que reflete a postura adotada pelos reivindicantes
é o da “Fazenda Primavera”, propriedade de Passo Fundo (RS), que em 1998, foi
alvo de invasão.
Boaventura de Sousa Santos,
professor português, em sua obra “As Bifurcações da Ordem”, busca esclarecer as
estratégias adotadas pelo MST na luta pelo seu acesso à terra, articulando-se
nos âmbitos político e judicial – como exemplo o próprio recurso de Agravo de
Instrumento, ação adotada no caso supracitado. Para o pensador, embora o
direito e o sistema judicial visem privilegiar as elites dominates em
detrimento de uma maioria da população, é através das brechas dos mesmos que
movimentos contra hegemônicos conseguem legitimar novos regimes sociais. Isso, porém,
só é possível por meio de organização e engajamento nas estruturas jurídicas
por parte de quem almeja revolução na estrutura comunitária.
O professor também dá ênfase ao
Direito Reconfigurativo, que visa alcançar a reconfiguração das relações de
poder na sociedade, aliando-se a uma pressão que surge do descontentamento das
camadas de baixo e superando o Direito Configurativo - que somente reproduz as
convenções sociais estabelecidas, o que traz conformidade com abusos cometidos
por uma minoria de latifundiários em função de uma maioria de camponeses que
não possui o mínimo para sua subsistência.
Logo, à luz do pensamento de Boaventura,
fica claro que o MST, ao exigir no caso da “Fazenda Primavera” o cumprimento da
função social da propriedade, a investigação de produtividade e aproveitamento
da área em ação possessória, confrontando interesses patrimoniais e pessoais, e
tendo suas considerações contempladas, conseguiu articular-se como movimento
contra hegemônico, e conquistar legitimidade através do Direito Reconfigurativo.
Maria Eduarda Buscain Martins.
Direito. Diurno. Turma XXXV.
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