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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Legitimidade pelo Direito Reconfigurativo


  O Brasil é um país cujo passado histórico remonta a problemáticas ligadas à propriedade e à posse de terrenos. No século XIX, com o avanço do capitalismo industrial, a terra, tradicionalmente vista como símbolo de distinção social, tornou-se alvo da mercantilização, fato que resultou em seu uso integrado à economia, exigindo que seu potencial produtivo fosse explorado ao máximo. Em 1850, foi aprovada a Lei de Terras, cujo intuito inicial era estimular a imigração – uma vez estipulado o fim do tráfico negreiro, era necessário substituir a mão de obra escrava pela livre, no caso, a de imigrantes. Entretanto, ao mesmo tempo que tal positivação transformou terra em mercadoria, também consolidou a posse da mesma por antigos latifundiários, a medida que abriu precedentes para sua respectiva grilagem, aspecto que formalizou as bases para a desigualdade social e territorial presente hodiernamente na nação.

  Em função da instituição de um modelo agrário concentrador e excludente nas raízes da economia brasileira , estruturou-se o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a partir de 1984, objetivando a concretização da Reforma Agrária. Assim, o movimento luta pela desapropriação dos latifúndios em posse de multinacionais e de todos aqueles que estiverem improdutivos, articulando, inclusive, ocupações para materializarem seus interesses. Um caso que reflete a postura adotada pelos reivindicantes é o da “Fazenda Primavera”, propriedade de Passo Fundo (RS), que em 1998, foi alvo de invasão.

  Boaventura de Sousa Santos, professor português, em sua obra “As Bifurcações da Ordem”, busca esclarecer as estratégias adotadas pelo MST na luta pelo seu acesso à terra, articulando-se nos âmbitos político e judicial – como exemplo o próprio recurso de Agravo de Instrumento, ação adotada no caso supracitado. Para o pensador, embora o direito e o sistema judicial visem privilegiar as elites dominates em detrimento de uma maioria da população, é através das brechas dos mesmos que movimentos contra hegemônicos conseguem legitimar novos regimes sociais. Isso, porém, só é possível por meio de organização e engajamento nas estruturas jurídicas por parte de quem almeja revolução na estrutura comunitária.

  O professor também dá ênfase ao Direito Reconfigurativo, que visa alcançar a reconfiguração das relações de poder na sociedade, aliando-se a uma pressão que surge do descontentamento das camadas de baixo e superando o Direito Configurativo - que somente reproduz as convenções sociais estabelecidas, o que traz conformidade com abusos cometidos por uma minoria de latifundiários em função de uma maioria de camponeses que não possui o mínimo para sua subsistência.

  Logo, à luz do pensamento de Boaventura, fica claro que o MST, ao exigir no caso da “Fazenda Primavera” o cumprimento da função social da propriedade, a investigação de produtividade e aproveitamento da área em ação possessória, confrontando interesses patrimoniais e pessoais, e tendo suas considerações contempladas, conseguiu articular-se como movimento contra hegemônico, e conquistar legitimidade através do Direito Reconfigurativo.



Maria Eduarda Buscain Martins. Direito. Diurno. Turma XXXV.

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