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domingo, 5 de dezembro de 2021

Transformação do direito em uma arma contra-hegemônica

Não restam dúvidas de que o colonialismo europeu deixou inúmeras marcas ao redor do mundo e está presente até os dias atuais em vários aspectos dos países colonizados, principalmente nos ordenamentos jurídicos. Diante disso, em seu texto  “Para uma revolução democrática da justiça”, Boaventura de Sousa Santos apresenta uma alternativa em relação ao direito hegemônico e universalista predominante no ocidente, que ignora as especificidades de cada país e cultura. 

Em primeiro lugar, o autor aponta a necessidade de se pensar em uma ampliação do acesso ao sistema judiciário, tornando este um recurso disponível para a mobilização social de maneira abrangente. Isso seria feito através da capacitação jurídica dos cidadãos, para que, citando o próprio autor, o direito deixe de ser “um instrumento hegemônico de alienação das partes e despolitização dos conflitos” e passe a ser visto como  “uma ferramenta contra-hegemônica apropriada de baixo para cima como estratégia de luta.” (SANTOS, p. 46, 2011).

Assim, Boaventura cita algumas entidades que de certa forma já desempenham esse papel na sociedade. Dentre elas é possível citar as defensorias públicas, que exercem uma sociologia das ausências, sendo responsáveis por auxiliar no reconhecimento de direitos de indivíduos marginalizados pela sociedade. Essa instituição é prevista na Constituição Brasileira de 1988 fazendo parte da iniciativa pública, e por vezes atuando até mesmo em confronto direto com outros órgãos do Estado e com sua dinâmica política de funcionamento, tudo isso em busca da garantia de direitos. 

Outras iniciativas apresentadas pelo autor foram as Promotoras Legais Populares, as Advocacias Populares e as Assessorias Jurídicas Universitárias Populares. Esta última serve de exemplo para o segundo aspecto defendido por Boaventura, que aponta uma mudança no ensino jurídico como um elemento importante para se ter uma transformação substancial da justiça. 


As assessorias jurídicas universitárias remetem para uma prática jurídica desenvolvida por estudantes de direito que tem hoje uma capacidade nova de passar da clínica jurídica individual (...) para uma forma de assistência e de assessoria jurídica atenta aos conflitos estruturais e de intervenção mais solidária e mais politizada. (SANTOS, p. 40, 2011).


Ademais, as AJUPs são demonstrações práticas do tripé universitário de ensino, pesquisa e extensão,  permitindo modificações não só no papel do ensino jurídico hegemônico, mas também a redefinição do lugar social da universidade (SANTOS, p. 40, 2011). Igualmente, elas possibilitam uma formação mais crítica dos juristas que através de experiências se tornam mais sensíveis às realidades e os problemas sociais. 

Essas são características necessárias no sistema judiciário brasileiro, marcado por decisões que carecem de análises conjunturais da sociedade e de seu processo histórico de formação. A exemplo disso é possível citar a decisão deferida pela juíza Adriana Bonemer em relação a um trote universitário, o qual apresentava expressões de cunho machista, misógino, sexista e pornográfico, que claramente expunham as jovens calouras a uma situação humilhante, reforçando padrões de desigualdades de gênero e violência contra as mulheres. Apesar disso, a juíza rejeitou a ação e apontou que: “Apesar de vulgar e imoral, o discurso do requerido não causou ofensa à alegada coletividade das mulheres (...). O requerido não se dirigiu 'às mulheres' em geral, mas àquele grupo restrito de pessoas mencionado expressamente.” 

São decisões como esta, descoladas da realidade, que mostram a necessidade de uma verdadeira revolução da justiça. Posto que para se entender uma lei, é antes necessário compreender o fenômeno social que a produz, já que ambas são conectadas. Para isso, é de suma importância a completa mudança do ensino e da formação de todos os operadores de direito.

[...] uma educação intercultural, interdisciplinar e profundamente imbuída da ideia de responsabilidade cidadã, pois só assim poderá combater os três pilares da cultura normativista técnico-burocrática (...): a ideia da autonomia do direito, do excepcionalismo do direito e da concepção tecnoburocrática dos processos.(SANTOS, p. 64, 2011).


Caso contrário, será cada vez mais difícil obter pessoas interessadas e dispostas  a trabalhar em instituições como as defensorias ou a advocacia popular. 

Por fim, como aponta Boaventura de Sousa Santos, para romper com a hegemonia do direito ocidental e para a transformação do direito em uma arma contra esse domínio, é necessário uma revolução da justiça. Isto seria alcançado através de uma universalização do acesso ao judiciário e uma renovação no ensino jurídico. Desse modo, os juristas serão capazes de fazer uma análise coerente da conjuntura social, podendo usar a justiça como um meio de permitir a igualdade, não apenas formal, para todos.   



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 


SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3ª Edição. São

Paulo: Cortez, 2011.




Ana Beatriz da Silva - 1º Ano de Direito - Diurno

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