Segundo Sara
Araújo em “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos
conceitos, desafiar o cânone”, o direito moderno ainda se mantém eurocêntrico e,
por conseguinte, reproduz o colonialismo, o que resulta em exclusões e silenciamentos.
Mesmo com o pluralismo jurídico e as afirmações de um mundo multicultural,
ainda há uma divisão entre o norte e o sul da Terra, o que, como consequência,
implica na expansão do projeto capitalista e reafirma o mecanismo de ação e
influência dos mais poderosos.
Com isto, os parâmetros jurídicos e sociais
são definidos pelo norte, que se utiliza de seu poder para legitimar seus
ideais e seu papel influenciador. O direito moderno ainda segue o princípio eurocêntrico
de seus fundadores e faz com que os mesmos paradigmas repercutam no sul, mesmo
que pareçam distantes de sua realidade. Para realmente existir o pluralismo
jurídico, deve existir o pluralismo de pensamentos, ou seja, um direito
democrático, em que as situações dos grupos excluídos também sejam reconhecidas.
Conforme a Ação
Direta de Inconstitucionalidade 6.602, o que estava em discussão era um
dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo, que impunha aos municípios
paulistas restrições à destinação, os fins e os objetivos originais de áreas
verdes ou institucionais. Este dispositivo contraria os arts. 30, I e VIII, e
182 da Constituição Federal, que afirmava que os municípios possuem competência
para legislar sobre assuntos de interesse local para o planejamento e controle
do solo urbano para questões que envolvem o planejamento territorial,
desenvolvimento urbano e ordenamento territorial.
É de competência
dos governos o planejamento urbanístico e, de direito de todos os cidadãos, o
acesso à moradia. Mesmo, de acordo com o que foi visto no julgado, sendo este
planejamento sempre de acordo com os interesses coletivos, a falta de acesso à
moradia ainda é uma forte característica de todas as regiões brasileiras. O que
acontece hoje, nos grandes centros urbanos, é a valorização das regiões centrais,
com altos investimentos nestes locais e, consequentemente, o maior custo de
vida para os seus moradores. Como consequência, a população com menores recursos
não tem uma alternativa senão fixar-se em áreas distantes e nem sempre
propícias à moradia.
O que se vê aqui é
a mesma divisão nos moldes de norte e sul, mas uma vez propiciada pelo capitalismo, que
a autora cita. Devido a questões financeiras e, consequentemente, de poder, há
um grupo que legitima, inclusive juridicamente, a exclusão de toda uma
população somente para atender aos seus próprios interesses.
O universo “deste
lado da linha” e “do outro lado da linha”, ou o norte e o sul, segundo as
palavras da autora e contidos no pensamento moderno são presentes nas grandes
cidades brasileiras, onde esta “linha” divide a população de áreas centrais daquela
que vive em áreas periféricas e, como visto na lei de São Paulo, as decisões são
proferidas desde que beneficiem o lado mais poderoso.
A Ação Direta de
Inconstitucionalidade aqui citada foi reconhecida pelos Ministros com o
argumento de que a lei paulista realmente era contrária àquela contida na
Constituição Federal. Como já visto, mesmo a lei federal sendo menos restritiva,
a questão aqui discutida ainda persiste, já que, como afirma Sara Araújo, a
naturalização das diferenças fez com que a exploração fosse legitimada, e as
diferenças sociais vistas nas cidades fosse normalizada.
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