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domingo, 5 de dezembro de 2021

A divisão proposital entre dois mundos

Segundo Sara Araújo em “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, o direito moderno ainda se mantém eurocêntrico e, por conseguinte, reproduz o colonialismo, o que resulta em exclusões e silenciamentos. Mesmo com o pluralismo jurídico e as afirmações de um mundo multicultural, ainda há uma divisão entre o norte e o sul da Terra, o que, como consequência, implica na expansão do projeto capitalista e reafirma o mecanismo de ação e influência dos mais poderosos.

 Com isto, os parâmetros jurídicos e sociais são definidos pelo norte, que se utiliza de seu poder para legitimar seus ideais e seu papel influenciador. O direito moderno ainda segue o princípio eurocêntrico de seus fundadores e faz com que os mesmos paradigmas repercutam no sul, mesmo que pareçam distantes de sua realidade. Para realmente existir o pluralismo jurídico, deve existir o pluralismo de pensamentos, ou seja, um direito democrático, em que as situações dos grupos excluídos também sejam reconhecidas.

Conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.602, o que estava em discussão era um dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo, que impunha aos municípios paulistas restrições à destinação, os fins e os objetivos originais de áreas verdes ou institucionais. Este dispositivo contraria os arts. 30, I e VIII, e 182 da Constituição Federal, que afirmava que os municípios possuem competência para legislar sobre assuntos de interesse local para o planejamento e controle do solo urbano para questões que envolvem o planejamento territorial, desenvolvimento urbano e ordenamento territorial.

É de competência dos governos o planejamento urbanístico e, de direito de todos os cidadãos, o acesso à moradia. Mesmo, de acordo com o que foi visto no julgado, sendo este planejamento sempre de acordo com os interesses coletivos, a falta de acesso à moradia ainda é uma forte característica de todas as regiões brasileiras. O que acontece hoje, nos grandes centros urbanos, é a valorização das regiões centrais, com altos investimentos nestes locais e, consequentemente, o maior custo de vida para os seus moradores. Como consequência, a população com menores recursos não tem uma alternativa senão fixar-se em áreas distantes e nem sempre propícias à moradia.

O que se vê aqui é a mesma divisão nos moldes de norte e sul, mas uma vez propiciada pelo capitalismo, que a autora cita. Devido a questões financeiras e, consequentemente, de poder, há um grupo que legitima, inclusive juridicamente, a exclusão de toda uma população somente para atender aos seus próprios interesses.

O universo “deste lado da linha” e “do outro lado da linha”, ou o norte e o sul, segundo as palavras da autora e contidos no pensamento moderno são presentes nas grandes cidades brasileiras, onde esta “linha” divide a população de áreas centrais daquela que vive em áreas periféricas e, como visto na lei de São Paulo, as decisões são proferidas desde que beneficiem o lado mais poderoso.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade aqui citada foi reconhecida pelos Ministros com o argumento de que a lei paulista realmente era contrária àquela contida na Constituição Federal. Como já visto, mesmo a lei federal sendo menos restritiva, a questão aqui discutida ainda persiste, já que, como afirma Sara Araújo, a naturalização das diferenças fez com que a exploração fosse legitimada, e as diferenças sociais vistas nas cidades fosse normalizada.

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