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domingo, 5 de dezembro de 2021

 

Refletir acerca das novas institucionalidades que possam integrar o Direito é pensar no Direito que não é prerrogativa apenas dos bacharéis, é pensar no Direito como recurso disponível para o acesso e mobilização social de forma ampla. Boaventura de Sousa Santos aborda essa temática com ferrenha maestria. A saber, de acordo com o autor, devemos fazer das estruturas jurídicas um instrumento de luta política e de ativismo social, visando abrir caminhos para uma perspectiva emancipatória. Ademais, ele afirma que quaisquer mudanças no âmbito do Direito precisa, necessariamente, passar pela expansão do acesso à justiça e por uma transformação no ensino juridico, tendo em vista que a tradição nos quer transmitir uma visão hegemônica e convencional do Direito.

Em um dos parágrafos de sua análise, Boaventura menciona que (2011, p. 46):

“[...] É preciso que os cidadãos se capacitem juridicamente, porque o direito, apesar de ser um bem que está na sabedoria do povo, é manejado e apresentado pelas profissões jurídicas através do controle de uma linguagem técnica ininteligível para o cidadão comum. Com a capacitação jurídica, o direito converte-se de um instrumento hegemônico de alienação das partes e despolitização dos conflitos a uma ferramenta contra hegemônica apropriada de baixo para cima como estratégia de luta”.

           

Ao contemplar esse diagnóstico realizado pelo autor, podemos perceber que as estruturas dominantes têm se utilizado do Direito como uma estratégia para manter os indivíduos distantes do entendimento de seus direitos e garantias. A linguagem é fator determinante na interpretação social e jurídica, sendo que não é possível prever um amplo conhecimento jurídico utilizando de uma linguagem extremamente metodológica e excludente. Assim, o Direito que deveria ser para todos, tem sido para alguns. O Direito, assim como alude Boaventura tem sido “instrumento hegemônico de alienação das partes”.

Ao realizar uma análise histórica, podemos perceber que os indivíduos se viram, a partir do surgimento do Estado de bem-estar social europeu sobretudo, como sujeitos de direito. Dessa forma, movimentos e diversos grupos sociais passaram a buscar a efetivação dessas garantias fundamentais e a exigir a materialização de seus direitos. Além disso, eles também questionavam a grande abstração das leis, tendo em vista que diversas normativas atestavam sobre garantias fundamentais, mas não as fixavam concretamente.

Como barrar esse grande movimento de reivindicação social? Uma das estratégias utilizadas é, assim como menciona Boaventura, através do controle de uma linguagem técnica ininteligível para o cidadão comum. Sabemos, assim como estabelece o autor, que nos tempos atuais, o conhecimento do Direito se encontra mais engendrado no pensamento da sociedade. No entanto, grande parte dos indivíduos componentes desse ambiente social se encontram excluídos do entendimento jurídico, uma vez que não possuem domínio dessa linguagem técnica e complexa que é utilizada pelo campo jurídico.

Um dos maiores filósofos da história, Immanuel Kant, afirmava que o sujeito é resultado daquilo que a educação faz dele, podendo assim, vencer muitas barreiras por meio de sua sabedoria. Os dominadores possuem entendimento acerca desse fator. Eles sabem que uma comunidade conhecedora de seus direitos fundamentais é prejudicial para as estruturas hegemônicas convencionais, por isso lutam pela manutenção de estruturas jurídicas excludentes, por isso lutam pela não concretização da capacitação jurídica para todos.

A saber, Pierre Bourdieu reportou em seus escritos acerca dessa conformação excludente do campo do Direito. Segundo o autor, existe uma necessidade dos representantes do campo jurídico de se diferenciarem dos demais sujeitos sociais. Para Bourdieu, isso vem da tradição de uma epistemologia na qual considera que o sujeito só exercerá domínio se ele se colocar como um elemento de distinção, portando um conhecimento inacessível à grande massa. Isto é, sem dúvidas, ver o Direito como prerrogativa dos bacharéis e não como um recurso social à disposição de todos, e ir contra o pensamento de emancipação pregado por Boaventura.

Lastimavelmente, esse Direito que exclui grande parcela da população por utilizar de uma linguagem inacessível está muito presente na contemporaneidade, inclusiva no cotidiano brasileiro. Exemplo disso, é uma petição que trata de um pedido de liminar em mandado de segurança impetrado por X, contra ato do Sr. Prefeito de Franca, Y, que, por meio do Decreto Municipal proibiu, dentre outras, a atividade de “lotéricas e correspondentes bancários”. Com a leitura do referido julgado, pode-se perceber a utilização de termos extremamente dificultosos ao entendimento de muitos na sociedade.

Vocábulos muito densos foram (e são constantemente) utilizados no referido julgado (e em vários outros). Expressões como “impetrantes”, “impetração”, “autoridade coatora”, “esbulho”, “dilação probatória”, “liminar pleiteada” são exemplos retirados da petição em análise que torna possível a conclusão de que Boaventura estava completamente correto em suas prerrogativas. Quando um julgado como estes, que se destina a toda população, inclusive às mais carentes e desprovidas de conhecimentos técnicos a respeito desses termos, utiliza de palavras que muitas vezes podem ser completamente desconhecidas por vários, podemos constatar como o Direito pode ser usado como ferramenta de dominação.

No entanto, Boaventura afirma que devemos fazer um esforço de ocupar o Direito. Devemos fazer um esforço para preencher o Direito com essas epistemologias dos oprimidos e das minorias, que são silenciadas dentro das doutrinas e legislações.  O autor irá defender muito a capacitação jurídica como forma de ampliação das estruturas jurídicas para além da estrutura estatal hegemônica. Ademais, podemos perceber como ele traz diversas alternativas jurídicas frente ao poder convencional.

Dessa maneira, Santos irá apontar sobre o papel estratégico desempenhado pela Defensoria Pública (instituições que, segundo o autor, são essenciais na defesa da população mais carenciada). O escritor também cita as promotoras legais populares (instituições que viabilizam uma expansão da comunidade de intérpretes do campo jurídico. Sendo que essa expansão significa o aumento de indivíduos que possuem conhecimento jurídico como ferramenta de atuação e luta). Ademais, ele estabelece que   a capacitação jurídica de lideranças comunitárias são importantes estratégias de ampliação de estruturas alternativas às instituições jurídicas convencionais. Boaventura também menciona sobre as assessorias jurídicas universitárias populares e as advocacias populares.

Enfim, Santos traz para debate sobre a importância da transformação epistemológicas do Direito e da relevância da ecologia de saberes jurídicos e não apenas de uma dogmática jurídica do direito estatal, visto que este é responsável por produzir exclusões, domínios e desigualdades (o direito estatal é quase sempre expressão da vontade e do poder da classe dominante). As estruturas jurídicas devem ser amplas e diversificadas, para permitir que os seres humanos possam ser de fato “humanos”. As pessoas deveriam desconhecer a fome por meio do Direito, uma vez que leis poderiam ser aplicadas e não apenas positivadas para atender essa necessidade básica de qualquer ser humano. As pessoas deveriam conhecer a educação, pois o Direito teria de ser um elemento propulsor e assegurador da educação pública para todos. Mencionando assim, parece-me extremamente utópico, porém, abster-se nunca será a solução para um problema, devemos questionar e buscar formas, lutando, para que o Direito seja de fato um certificado de que de fato somos iguais e que de fato possuímos as mesmas garantias efetivadas.

LIVIA GOMES - TURMA 38 - NOTURNO

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