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domingo, 5 de dezembro de 2021

Demandas sociais e a perspectiva contra hegemônica

Pensar na questão das novas institucionalidades que possam fazer parte do Direito é pensá-lo como um recurso disponível para o acesso social e a mobilização da sociedade de maneira abrangente. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos, em sua obra “Para uma revolução democrática da justiça” esclarece que qualquer mudança substantiva no âmbito do Direito passa necessariamente pela expansão do acesso à Justiça e à reestruturação do ensino jurídico. As transformações neste último são imprescindíveis para que se possam responder e atender as novas demandas e conflitos inerentes da sociedade, seja de origem étnico-racial, de gênero ou sexualidade. Assim, a capacitação é fundamental para que se vença a alienação de verdades absolutas que não representam a diversidade e o pensamento não-hegemônico, de modo a permitir a luta por uma ampliação do campo jurídico, com a construção de alternativas democráticas.

Através do dilema da juridificação da vida social e consequente morosidade processual traduzida em uma possível qualidade insatisfatória da justiça, o escritor evidencia o desempenho dos tribunais, que acaba se tornando uma fonte de manipulação do direito pelos operadores do judiciário. Nesse cenário, o Estado aparece como um novíssimo movimento social que está conectado com o movimento de grupos que atuam para ampliar o reconhecimento das diferenças e da igualdade. A Defensoria Pública opera, assim, um papel estratégico para a operacionalização da sociologia das ausências, tendo como objetivo a assistência jurídica, intra e extramuros, aos mais necessitados e desemparados pelo sistema. Sua atuação face ao enfrentamento dos conflitos cotidianos, inclusive em confronto com outros órgãos do Estado, permite uma tutela maior dos direitos das minorias, protegendo esses grupos de descasos e invisibilidades.

Assumindo tantas vezes um papel contra hegemônico, a Defensoria encontra dificuldades originadas de deficiências estruturais decorrentes da posição residual no contexto estatal. Com um aparato burocrático menor que outras instituições, na maioria das vezes sua atuação se dá em litígios individuais, deixando de lado o que deveria ser o seu foco principal de atuação, os direitos coletivos. Nesse contexto, surgem a metodologia das promotoras legais populares, que consiste em socializar, articular e capacitar mulheres nas áreas de direito, da justiça e no combate à discriminação de gênero, propiciando uma expansão da comunidade de interpretes do cânone jurídico. Além disso, outras estratégias, como as assessorias jurídicas universitárias populares por exemplo, trazem ao cenário jurídico um alargamento do conhecimento e da prática do direito, tornando a justiça mais próxima da realidade social vivenciada no dia a dia, impulsionando um engajamento político e social de seus operadores.

Uma causa a ser entendida como fruto desse pensamento de novas institucionalidades e a perspectiva contra hegemônica se dá na petição de cirurgia de transgenitalização pelo SUS, em Jales/SP. A intenção da demandante por uma cirurgia de “mudança de sexo” destaca, entre outros pontos, o caráter invasivo e persistente do sofrimento mental que lhe aflige por conta do sentimento de inadequação, e que deve ser atendido pelo Estado sob uma ótica de direito à identidade, independente do que foi designado biologicamente, combatendo a uma patologização de um problema social que atinge tantos outros transexuais. Neste caso, a decisão fundamentada determina que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo forneça todos os meios materiais para que a autora possa se submeter à cirurgia de transgenitalização, dando vista do processo ao Ministério Público e deixando evidente que as demandas contrárias à normatividade predominante devem ser atendidas, caracterizando o que Boaventura define como a tão necessária expansão do acesso à Justiça.

(Laredo Oliveira - 1º Ano - Direito Noturno)

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