Pensar na questão das novas institucionalidades que possam fazer parte do Direito é pensá-lo como um recurso disponível para o acesso social e a mobilização da sociedade de maneira abrangente. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos, em sua obra “Para uma revolução democrática da justiça” esclarece que qualquer mudança substantiva no âmbito do Direito passa necessariamente pela expansão do acesso à Justiça e à reestruturação do ensino jurídico. As transformações neste último são imprescindíveis para que se possam responder e atender as novas demandas e conflitos inerentes da sociedade, seja de origem étnico-racial, de gênero ou sexualidade. Assim, a capacitação é fundamental para que se vença a alienação de verdades absolutas que não representam a diversidade e o pensamento não-hegemônico, de modo a permitir a luta por uma ampliação do campo jurídico, com a construção de alternativas democráticas.
Através do dilema da
juridificação da vida social e consequente morosidade processual traduzida em uma
possível qualidade insatisfatória da justiça, o escritor evidencia o desempenho
dos tribunais, que acaba se tornando uma fonte de manipulação do direito pelos
operadores do judiciário. Nesse cenário, o Estado aparece como um novíssimo
movimento social que está conectado com o movimento de grupos que atuam para
ampliar o reconhecimento das diferenças e da igualdade. A Defensoria Pública
opera, assim, um papel estratégico para a operacionalização da sociologia das
ausências, tendo como objetivo a assistência jurídica, intra e extramuros, aos
mais necessitados e desemparados pelo sistema. Sua atuação face ao
enfrentamento dos conflitos cotidianos, inclusive em confronto com outros órgãos
do Estado, permite uma tutela maior dos direitos das minorias, protegendo esses
grupos de descasos e invisibilidades.
Assumindo tantas vezes um papel contra
hegemônico, a Defensoria encontra dificuldades originadas de deficiências
estruturais decorrentes da posição residual no contexto estatal. Com um aparato
burocrático menor que outras instituições, na maioria das vezes sua atuação se
dá em litígios individuais, deixando de lado o que deveria ser o seu foco principal
de atuação, os direitos coletivos. Nesse contexto, surgem a metodologia das
promotoras legais populares, que consiste em socializar, articular e capacitar
mulheres nas áreas de direito, da justiça e no combate à discriminação de
gênero, propiciando uma expansão da comunidade de interpretes do cânone jurídico.
Além disso, outras estratégias, como as assessorias jurídicas universitárias populares
por exemplo, trazem ao cenário jurídico um alargamento do conhecimento e da
prática do direito, tornando a justiça mais próxima da realidade social vivenciada
no dia a dia, impulsionando um engajamento político e social de seus
operadores.
Uma causa a ser entendida como
fruto desse pensamento de novas institucionalidades e a perspectiva contra
hegemônica se dá na petição de cirurgia de transgenitalização pelo SUS, em
Jales/SP. A intenção da demandante por uma cirurgia de “mudança de sexo”
destaca, entre outros pontos, o caráter invasivo e persistente do sofrimento
mental que lhe aflige por conta do sentimento de inadequação, e que deve ser
atendido pelo Estado sob uma ótica de direito à identidade, independente do que
foi designado biologicamente, combatendo a uma patologização de um problema social
que atinge tantos outros transexuais. Neste caso, a decisão fundamentada
determina que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo forneça todos os meios
materiais para que a autora possa se submeter à cirurgia de transgenitalização,
dando vista do processo ao Ministério Público e deixando evidente que as
demandas contrárias à normatividade predominante devem ser atendidas,
caracterizando o que Boaventura define como a tão necessária expansão do acesso
à Justiça.
(Laredo Oliveira - 1º Ano - Direito Noturno)
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