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domingo, 5 de dezembro de 2021

A TRANSGRESSÃO DA LINHA ABISSAL QUE SEPARA O SUL DO NORTE

 A abordagem sociológica do direito, exposta pela cientista do direito Sara Araújo, das epistemologias do Norte e do Sul e a sua linha abissal refere-se a uma abordagem contra hegemônica do direito moderno. A epistemologia do Norte relaciona-se com todo o pensamento de expressões hegemônicas (como exemplo: o machismo, a heteronormatividade, o patriarcado, o racismo) e a epistemologia do Sul relaciona-se com o pensamento não-hegemônico, ou seja, não referem-se a uma posição geográfica, mas sim a uma posição do pensamento/da epistemologia.

A ciência moderna, de acordo com Sara Araújo, estabelece os parâmetros da sociedade civilizada e moderna, enquanto o direito moderno e positivado assegura sua tradição e costume. O pensamento da modernidade ocidental, como a ciência moderna, é que impõe os limites da linha abissal que separa o Norte do Sul, o hegemônico do não-hegemônico.

A cientista Sara Araújo disserta sobre as cinco formas de monocultura que alimenta a razão metonímica, ou seja, os pensamentos que geram essa linha abissal, essa diferença Norte x Sul, que colocam a epistemologia do Norte como a única epistemologia do mundo, a verdadeira. A primeira é que a ciência moderna é o único princípio da verdade; a segunda é que tudo que é local e particular, é invisibilizado pela lógica global; a terceira é que o outro conhecimento é invisível (o do Sul) pois todo o outro tipo de produção é desvalorizado/improdutivo; a quarta é a distribuição das populações por categorias e a identificação das diferenças como desigualdade; e a quinta é a produção da não existência pela não contemporaneidade do contemporâneo, ou seja, o "outro" é atrasado embora esteja no mesmo tempo histórico que "eu".

A compreensão ocidental do mundo perpassa pela lógica evolucionista e esse quadro ajuda no discurso da legitimidade da monocultura e do modelo jurídico ocidental, que se diz técnico/imparcial e não político. De acordo com Araújo, a ecologia das justiças é o remédio necessário para desfazer essa falácia da justiça ocidental como imparcial e apolítica (direito é política, é ideológico) e trazer novas concepções de justiça.

A decisão judicial, de tutela antecipada da justiça, da comarca de Jales (TJ-SP/2013) sobre o pedido de cirurgia de transgenitalização e mudança de nome e sexo no registro civil é um exemplo concreto de como a justiça brasileira lida (ou poderia lidar) com reivindicações judiciais da epistemologia do Sul, do não-hegemônico. O caso trata de uma pessoa que deseja mudar de sexo (expressão do Sul) e, com base no direito contemporâneo, traz diversos argumentos jurídicos para que o entendimento e a decisão do poder judiciário atenda suas demandas. Esse movimento da mobilização do direito, do protagonismo dos tribunais e o enfrentamento das epistemologias hegemônicas do Norte estão representadas no caso supracitado, na medida que a justiça e o direito foram transformados e ultrapassaram a linha abissal que separa o Sul do Norte.

Vitor Raffaini Gheralde         1 ano           Dir. Matutino






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