CASO ESCOLA INDÍGENA OFAYÉ XAVANTE E EXPANSÃO DAS EPISTEMOLOGIAS DO SUL
A
socióloga Sara Araújo aborda o conceito de linha abissal a qual separa as
epistemologias do Norte e do Sul. Tal linha reflete o abismo que divide as ideias
e concepções dominantes do Norte, daquelas excluídas e marginalizadas do Sul. Ainda,
os pensamentos que distinguem essas duas realidades envolvem questões culturais,
de gênero, de sexualidade, de produção de conhecimento científico e, inclusiva,
a questão jurídica.
Relativo
ao universo jurídico, a epistemologia do Norte se expressa pelo Direito moderno
ocidental eurocêntrico que adveio do processo de colonização e se sobrepôs a distintas
expressões jurídicas, fragilizando-as. A partir disso, criou-se o mito da
universalidade desse Direito ocidental – ou seja, como se apenas essa forma do
Direito existisse – em detrimento do pluralismo jurídico, isto é, da existência
de múltiplos modelos jurídicos.
A
título de ilustração do panorama supracitado, tem-se a população indígena no
Brasil como representativa da epistemologia do Sul, posto que tiveram sua
cultura, sua organização social e seu Direito de base oral dominados e praticamente
suprimidos pela cultura do branco colonizador europeu.
Nesse
sentido, destaca-se a apelação cível nº 0000652-21.2006.4.03.6003/MS, em que a
sexta turma do Tribunal Regional Federal da 3ª região manteve a decisão
judicial que impunha ao estado do Mato Grosso do Sul, em parceria com a União,
a obrigação de transformar a escola municipal em escola indígena para atender a
comunidade Ofayé Xavante. A apelação foi interposta justamente pelo estado do
Mato Grosso do Sul, que alegava não ser de sua competência a referida
obrigação, em face do Ministério Público Federal e da Fundação Nacional do
Índio – FUNAI, apelados. (SÃO PAULO, 2018)
Ademais,
a relatora da decisão, desembargadora Diva Malerbi, configurou o caso como
omissão do Estado, haja vista a necessidade da escola indígena para preservação
da cultura daquela comunidade e da língua “Ofayé”, as quais sofrem o risco de
serem extintas (SÃO PAULO, 2018). Além disso, a falta de ação dos poderes
públicos afronta os arts. 205 e 215 da Constituição Federal de 1988, os quais
asseguram o direito à educação e ao exercício dos direitos culturais.
Ante
o exposto, observa-se como a decisão permite o rompimento com a ideia de que somente
os conhecimentos ocidentais são válidos e rompe também com a monocultura do
universal e do global – citada por Sara Araújo como a invisibilização de todos
os elementos típicos de um local ou região –, uma vez que a decisão possibilita
a difusão da cultura, dos saberes e da língua local de uma comunidade historicamente
marginalizada.
Dessa
forma, verifica-se a importância de decisões judiciais semelhantes para
conhecer e resgatar ideias e pensamentos oriundos das epistemologias do Sul, a
fim de valorizá-las e retirá-las da invisibilidade.
REFERÊNCIAS:
SÃO PAULO, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
(sexta turma). APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº
0000652-21.2006.4.03.6003/MS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
EDUCAÇÃO INDÍGENA. DIREITO INDIVUAL INDISPONIVEL CONSTITUCIONALMENTE
ESTABELECIDO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO.
NÃO CONFIGURADA. PERIGO DE EXTINÇÃO DO IDIOMA E DA CULTURA OFAYÉ XAVANTE.
INTERVENÇÃO ESTATAL PARA GARANTIR O DIREITO À EDUCAÇÃO. OBRIGATORIEDADE.
AUSÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESSENCIALIDADE DO DIREITO
PRETENDIDO. OMISSÃO ESTATAL CONFIGURADA. DECISÃO JUDICIAL QUE ASSEGURA O
DIREITO À EDUCAÇÃO, IMPONDO A OBRIGAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AFRONTA AO
PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES E AO PACTO FEDERATIVO. NÃO
CONFIGURADA. PRECEDENTES DO E. STF. Apelante: Estado do Mato
Grosso do Sul. Apelado: Ministério Público Federal e FUNAI. Relatora: Min. Diva
Malerbi. Data do julgamento: 22 mar. 2018. Disponível em: <http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/6707874>
. Acesso em: 05 dez. 2021
NOME: GABRIELLE MAURIN DE SOUZA
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