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domingo, 5 de dezembro de 2021

 CASO ESCOLA INDÍGENA OFAYÉ XAVANTE E EXPANSÃO DAS EPISTEMOLOGIAS DO SUL

A socióloga Sara Araújo aborda o conceito de linha abissal a qual separa as epistemologias do Norte e do Sul. Tal linha reflete o abismo que divide as ideias e concepções dominantes do Norte, daquelas excluídas e marginalizadas do Sul. Ainda, os pensamentos que distinguem essas duas realidades envolvem questões culturais, de gênero, de sexualidade, de produção de conhecimento científico e, inclusiva, a questão jurídica.

Relativo ao universo jurídico, a epistemologia do Norte se expressa pelo Direito moderno ocidental eurocêntrico que adveio do processo de colonização e se sobrepôs a distintas expressões jurídicas, fragilizando-as. A partir disso, criou-se o mito da universalidade desse Direito ocidental – ou seja, como se apenas essa forma do Direito existisse – em detrimento do pluralismo jurídico, isto é, da existência de múltiplos modelos jurídicos.

A título de ilustração do panorama supracitado, tem-se a população indígena no Brasil como representativa da epistemologia do Sul, posto que tiveram sua cultura, sua organização social e seu Direito de base oral dominados e praticamente suprimidos pela cultura do branco colonizador europeu.

Nesse sentido, destaca-se a apelação cível nº 0000652-21.2006.4.03.6003/MS, em que a sexta turma do Tribunal Regional Federal da 3ª região manteve a decisão judicial que impunha ao estado do Mato Grosso do Sul, em parceria com a União, a obrigação de transformar a escola municipal em escola indígena para atender a comunidade Ofayé Xavante. A apelação foi interposta justamente pelo estado do Mato Grosso do Sul, que alegava não ser de sua competência a referida obrigação, em face do Ministério Público Federal e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, apelados. (SÃO PAULO, 2018)

Ademais, a relatora da decisão, desembargadora Diva Malerbi, configurou o caso como omissão do Estado, haja vista a necessidade da escola indígena para preservação da cultura daquela comunidade e da língua “Ofayé”, as quais sofrem o risco de serem extintas (SÃO PAULO, 2018). Além disso, a falta de ação dos poderes públicos afronta os arts. 205 e 215 da Constituição Federal de 1988, os quais asseguram o direito à educação e ao exercício dos direitos culturais.

Ante o exposto, observa-se como a decisão permite o rompimento com a ideia de que somente os conhecimentos ocidentais são válidos e rompe também com a monocultura do universal e do global – citada por Sara Araújo como a invisibilização de todos os elementos típicos de um local ou região –, uma vez que a decisão possibilita a difusão da cultura, dos saberes e da língua local de uma comunidade historicamente marginalizada.

Dessa forma, verifica-se a importância de decisões judiciais semelhantes para conhecer e resgatar ideias e pensamentos oriundos das epistemologias do Sul, a fim de valorizá-las e retirá-las da invisibilidade.

 

REFERÊNCIAS:

SÃO PAULO, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO (sexta turma). APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0000652-21.2006.4.03.6003/MS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO INDÍGENA. DIREITO INDIVUAL INDISPONIVEL CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. NÃO CONFIGURADA. PERIGO DE EXTINÇÃO DO IDIOMA E DA CULTURA OFAYÉ XAVANTE. INTERVENÇÃO ESTATAL PARA GARANTIR O DIREITO À EDUCAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESSENCIALIDADE DO DIREITO PRETENDIDO. OMISSÃO ESTATAL CONFIGURADA. DECISÃO JUDICIAL QUE ASSEGURA O DIREITO À EDUCAÇÃO, IMPONDO A OBRIGAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES E AO PACTO FEDERATIVO. NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES DO E. STF. Apelante: Estado do Mato Grosso do Sul. Apelado: Ministério Público Federal e FUNAI. Relatora: Min. Diva Malerbi. Data do julgamento: 22 mar. 2018. Disponível em: <http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/6707874> . Acesso em: 05 dez. 2021

 

                                                                          NOME: GABRIELLE MAURIN DE SOUZA

                                                                          TURNO: NOTURNO

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