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domingo, 5 de dezembro de 2021

'norte' e 'sul' e seu papel na desigualdade

     Na geografia são utilizados alguns critérios para regionalizar o globo terrestre, sendo possível comparar, analisar e observar determinadas características, indo desde o aspecto físico, socioeconômico, religioso, político e geográfico. Uma das divisões mais conhecida ocorreu no contexto de Guerra Fria, no qual os países eram divididos entre primeiro, segundo e terceiro mundo, que eram, respectivamente, países capitalistas desenvolvidos, países socialistas e países capitalistas subdesenvolvidos. Entretanto, na atualidade existem novos tipos de divisão, nem sempre levando em consideração apenas aspectos considerados na geografia. Nesse caso, Sara Araújo em “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” aborda conceitos de norte e sul que possuem perspectivas de gênero, étnico-raciais, de sexualidade e epistemológicas, mostrando o grande penhasco da desigualdade na atualidade.

Nesse sentido, Norte seria o que a autora chama de “deste lado da linha”, os representantes da hegemonia, da legitimidade, já o Sul seria o “do outro lado da linha”, os marginalizados, menosprezados, que foram colonizados e possuem sobre si grande influência cultural, social e jurídica dos nortistas, com seus conhecimentos e seus direitos sendo invisibilizados ou considerados “atrasados”, além do uso do direito moderno e eurocêntrico para reproduzir o colonialismo, e consequentemente, as exclusões sociais abissais.

Em consonância a isso, o caso da chacina de Nova Brasília, como ficou mais conhecido, pode ser exemplificado. Em 1994, 13 moradores da favela que faz parte do Complexo do Alemão foram brutalmente assassinados. No ano seguinte, mais 13 jovens foram mortos durante uma operação na favela, que mais tarde foi isenta da responsabilidade porque os homicídios foram registrados como confrontos e atos de resistência. Esse caso ficou mais de 25 anos sem julgamento, e só foi reaberto após o Brasil receber sua primeira condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violência policial. Nessa condenação, o Brasil precisava pagar indenizações por danos materiais e morais aos familiares, inclusive de vítimas que sofreram violência sexual, além de reativar as investigações. Em 2018 houve o julgamento, no qual os 5 réus que foram indiciados foram absolvidos, pois reconheceram os fatos, mas não a autoria dos crimes.

Nessa perspectiva, pode- se dizer que todos esses anos sem um fim adequado para esse caso perpetuou as epistemologias fundamentadas no norte, porque levaram em conta apenas a palavra de homens brancos privilegiados, além do sistema de justiça ser focado nessa ótica capitalista, desigual, preconceituosa, que causou grandes incongruências durante as investigações, arquivou o caso e desprezou dezenas de famílias, que por estarem do lado “sul”, assim como as vítimas, foram oprimidas e invisibilizadas pela lógica do homem branco que detém o poder. Assim, é possível perceber esse padrão em duas ocasiões dentro desse escopo: primeiramente a relação entre regiões desenvolvidas da cidade, favelas e polícia, pois a hegemonia do homem branco privilegiado leva a um afastamento cada vez maior dos grupos vulneráveis, nesse caso da população negra, com preconceitos raciais, religiosos e epistemológicos, e a atitude da força policial em cada região é diferente, como um reflexo dessa desigualdade; após isso, dentro do tribunais também há essa percepção de colonialismo, que mostra mais uma vez o poder das forças hegemônicas e mantém um ciclo de opressões e discriminações.

Em suma, é necessário levar em consideração as pluralidades brasileiras e tentar um afastamento desse imperialismo no direito e na sociedade, preenchendo-o com epistemologias de pessoas pretas, indígenas, LGBTQIA+, feministas, e todos os outros grupos que possam sofrer com essa lógica monocultora do capitalismo, do patriarcado e do colonialismo. Espera-se, também, que exista maior eficiência em casos como o citado, e que haja uma dissociação entre o poder policial com os casos de julgamento, além de não presumirem que toda morte em favela foi merecida porque a pessoa era uma criminosa ou que resistiu à operação, pois viabilizaria outros massacres, como o do Jacarezinho que ocorreu anos depois porque mais uma vez a luta negra está do “lado de fora”.


Fontes: https://www.conjur.com.br/dl/condenacao-brasil-corte-interamericana.pdf
https://www.conjur.com.br/2021-ago-25/stj-nega-federalizar-investigacao-chacinas-brasilia


Lívia Maria M. Bonifácio, turma XXXVIII, matutino

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